terça-feira, 31 de março de 2009

A RECICLAGEM DE
DOMINGOS NÉVOA

Domingos Névoa é o novo presidente da empresa intermunicipal Braval. A sua eleição por unanimidade é reveladora do total despudor e falta de vergonha dos representantes do poder local. Braga, Póvoa de Lanhoso, Amares, Vila Verde, Terras de Bouro e Vieira do Minho aceitaram sem sobressalto o nome de Domingos Névoa, como se nada de anormal existisse no seu curriculum público.
Esta personagem, é bom lembrar, é conhecida pela tentativa de corrupção do vereador Sá Fernandes, pela qual foi condenado há pouco mais de um mês, e por distribuir “prendas de casamento” generosas e avulsas.

A ponta do iceberg é já bem visível e indesmentível, falta saber o que o nível da água oculta ainda. Acredito que águas límpidas virão.

Uma palavrinha para Mesquita Machado: depois da concessão de parte dos solos e subsolos do concelho, depois dos cheques prenda, depois de sucessivos pedidos de esclarecimentos sobre quais os vínculos que unem a câmara e o empresário Domingos Névoa ainda sem resposta, o edil da Câmara Municipal de Braga (através da Agere, onde detém participação maioritária, contra os 49% que, em 1999, foram vendidos a um consórcio de empresas formado por ABB, DST e Bragaparques) premeia um condenado em matéria directamente ligada com o poder local com a presidência de uma empresa pública, e nomeia o seu genro: Pedro Machado, para seu director-geral. Os restantes membros da administração serão Rita Araújo (indicada por Braga e ex-vereadora do PS da Póvoa de Lanhoso) e Luís Amado Costa (indicado pela Câmara da Póvoa de Lanhoso).
AFINAL, COMPENSA OU NÃO O CRIME?
DESCIDA DE SALÁRIOS?
NÃO, OBRIGADO

Silva Lopes tem defendido a necessidade de uma descida dos salários, como instrumento de combate à crise. Como se sabe, a grande maioria dos portugueses recebe dos mais baixos salários da Europa e existem muitos trabalhadores assalariados a viver muito próximo do limiar da pobreza. Contudo, o ilustre economista considera que ainda não atingimos os mínimos olímpicos. Colegas seus, no entanto, pensam que a baixa salarial provocaria uma descida da procura que se traduziria num processo de deflação que acabaria por atingir as próprias empresas. E parece-me que têm razão. Significa isto que ignoro a importância do montante da dívida pública? Que não sei que Portugal gasta mais do que produz? Evidentemente que estou consciente da necessidade de trabalhar para aumentar a produtividade das nossas empresas, o que passa pela qualificação da mão-de-obra e por gestores sérios e competentes. O que não é de todo tolerável é exigir mais sacrifícios a quem já vive com tantas dificuldades e fechar os olhos à fuga ao fisco dos muito ricos, à exportação de capitais incalculáveis pra off-shores, aos ordenados principescos dos gestores e administradores da banca e das grandes empresas, às pensões exorbitantes (pagas a partir dos 50 anos!) àqueles que durante meia-dúzia de anos exerceram determinados funções públicas, ou persistir na execução de grandes projectos de investimento público, que obrigarão o Estado a contrair pesadas dívidas para financiar despesas avultadíssimas de retorno mais do que duvidoso.
APONTAMENTOS À MARGEM (4):
CINEMA
Clint Eastwood
Gran Torino
UM FILME A NÃO PERDER

Porque gosto de cinema, confesso que tenho cada vez mais dificuldades em ver as “fitas” que se vão passando agora para entreter um público pouco exigente e, de passagem, vender umas pipocas. Para ver bom cinema restam-me os DVDs. E, no entanto, surge, de longe a longe, um filme que me reconcilia com as salas onde, de facto, o cinema deve ser visto. É o caso do último filme de Climt Eastwood, Gran Torino. Climt Eastwood tem 78 anos e este será provavelmente o último filme que realiza. É, podemos dizê-lo, um filme testamento. Politicamente conservador, tornou-se famoso como actor dos filmes da série Dirty Harry, onde dá corpo à personagem de um polícia “musculado” que não hesita em agir à margem da lei quando se trata apanhar criminosos. E há momentos deste filme, onde essa imagem de vingador por conta própria parece querer ressurgir. Mas o justiceiro de então é agora um velho desiludido, estranho ao mundo onde vive, que conta como companhia uma cadela e como memória de um passado irremediavelmente perdido um velho Ford Gran Torino que cuida como uma relíquia sagrada. Climt Eastwood interpreta a personagem de um americano, viúvo, veterano da guerra da Coreia que, segundo diz o seu filho, “continua a viver nos anos 50”, Vive, isolado, num bairro habitado por vietnamitas, negros e mexicanos, por quem sente um imenso desprezo. Aliás, é também com um profundo desgosto que vê a sua própria família. Contudo, as relações que acaba por estabelecer com os seus vizinhos imigrantes, vai permitir-lhe redimir-se de velhas culpas, descobrir novas razões para uma vida ética e, ao mesmo tempo, dar um sentido à morte que se aproxima.
ALGUNS DADOS PARA
UM DEBATE SÉRIO
ACERCA DO TGV

Investimento estimado (ou seja, sem as habituais derrapagens): 8 milhões de euros (4.5 milhões para a linha Porto - Lisboa, pela margem norte do Tejo, proposta da RAVE, mais 3.5 milhões de euros para a ligação Lisboa - fronteira do Caia, da linha Lisboa – Madrid acrescida dos custos da travessia do Tejo (nova ponte). Refiro-me ao investimento inicial, sem considerar os custos de manutenção e exploração.

Custo do bilhete no TGV Porto - Lisboa: considerando que um bilhete (só ida) no Alfa custa 27 euros, julgo que não exagero se disser que no TGV custará cerca de 60. Diferença em tempo de duração entre as viagens no Alfa e no TGV: meia hora. (Note-se que o estado das linhas não permite ainda que o Alfa atinja a sua velocidade máxima.)

Condições de rentabilização da linha Lisboa - Madrid (refiro-me apenas aos custos de manutenção e exploração, porque o investimento inicial é sem retorno): seria necessário que viajassem, entre as duas cidades, um mínimo de 2 milhões de pessoas por ano. Custo do bilhete, segundo o governo: 100 euros. Portanto, cerca de 160 para quem viajasse do Porto, mais ou menos o triplo de uma viagem de avião numa companhia low-cost para quem partisse do Porto O dobro para quem fosse de Lisboa.

(Três nota finais: 1 – é verdade que, entre os dirigentes partidários, Manuela Ferreira Leite se tem destacado pela sua oposição à oportunidade da criação de uma linha de alta velocidade em Portugal. Mas muitas outras pessoas de diferentes quadrantes políticos se têm pronunciado nesse sentido. Por exemplo, João Cravinho, do PS. 2 – A esmagadora maioria dos países europeus não tem linha de TGV. 3 – É conhecido de todos o défice brutal atingido pela nossa balança comercial. O equipamento necessário ao funcionamento do TGV é quase todo importado…)

A LUTA CONTRA O DESEMPREGO
PASSA PELO APOIO ÀS PME'S

Grande parte das PME’s industriais ou comerciais debate-se com a falta de fundos de maneio que lhes permitam fazer face às despesas que ocorrem no tempo que separa o investimento das vendas. Apesar das transferências de dinheiros públicos para a banca, a verdade é que esse capital está achegar dificilmente às empresas. E, quando chega, é sob a forma de empréstimos com juros exorbitantes e, para muitas, proibitivos. Sabe-se que a banca tem aproveitado a descida da euribor para subir os spreads, conseguindo assim lucros máximos para ela própria e dificuldades máximas para quem dela precisa.

Por outro lado, as linhas de crédito abertas pelo governo tendem a favorecer os empresários “amigos” (veja-se o artigo PMEs – Como dar esperança a esta gente?, de Jorge Bateira, no nª3 da revista OPS!, publicada on line por Manuel Alegre e pela Corrente de Opinião Socialista) e deixam muitas outras de fora. Em contrapartida, o Estado não se coíbe de contrair verdadeiros empréstimos sem juros junto de empresas já endividadas sob a forma do actual regime de cobrança do IVA, dos pagamentos por conta e dos prazos alargadíssimos de pagamento de serviços efectuados.

Posto isto, parece-me que a aplicação de medidas como o pagamento do IVA no momento da passagem do recibo e não da factura, o fim dos pagamentos por conta e a abertura de uma conta-corrente que permita às empresas credoras do Estado deduzirem essas dívidas no montante dos impostos a pagar, poderiam ajudar as PME’s a afrouxar o nó da agiotagem bancária, fornecendo-lhe maiores possibilidades de auto-financiamento.

Volto a frisar uma questão fundamental: da sobrevivência das PME’s depende o trabalho de 80% dos portugueses!

domingo, 29 de março de 2009

(SEM COMENTÁRIOS)


MÚSICA DO BRASIL
E NÃO SÓ...
DIANA KRALL
AO VIVO
EM LISBOA...

LINDO!

Ao meu amigo Coimbra, a quem agradeço ter-me enviado o e-mail que me pôs no bom caminho, de encontro a este momento... lindo!
Quiet Nigh, Walk on by, You're my thrill e Este Seu olhar para se fruir de olhos fechados, ouvidos escancarados e o corpo, todinho, da ponta dos cabelos à ponta do dedão maior... arrepiado.
The last but not the least: The boy from Ipanema. Numa versão muito própria do original de Tom Jobim, recomendo que se ouça pelo menos um olho semi-aberto, para apreciar o sorriso sexy e sensual de quem sente o que canta. Não sou alto, não sou loiro, nem tenho olhos azuis mas a música tem destas coisas: permite-nos evadir e... sonhar.

É só clicar em baixo e deixar-se flutuar. Se não der, copie e cole o endereço:
http://aeiou.expresso.pt/video_a_quiet_night_diana_krall_ao_vivo_em_lisboa=f504328

sábado, 28 de março de 2009

NINGUÉM OUVE
MANUELA FERREIRA LEITE?

Há dias, a líder do PSD lamentava-se, diante das câmaras das televisões: “ninguém nos ouve”. Hoje, Vasco Pulido Valente volta ao assunto na sua coluna no Público (27-3-09): MFL é, no PSD, uma voz solitária – os “grandes nomes do partido”, bem instalados na vida, já não precisam dele para nada e deixaram-na sozinha diante da poderosa máquina propagandística do governo. VPV tem razão. Tudo isso é verdade e, no entanto, eu tenho-a ouvido com atenção. E mais: sendo insuspeito de simpatias “social-democratas” (aliás, tenha ainda bem viva a memória dos consulados Durão Barroso e Santana Lopes), não posso deixar de concordar com as intervenções de MFL a propósito de duas questões da maior importância – o seu programa de apoio às PME’s e a crítica desse elefante branco que dá pelo nome de TGV. No primeiro caso, trata-se da defesa dos postos de trabalho de cerca de 80% da mão-de-obra portuguesa; no segundo, de um investimento público megalómano, sem retorno provável, que endividará ainda mais o país (isto é, não só a nossa, mas as gerações futuras).

Espero que a ouçam! Inclusive todos os outros partidos da oposição, já que a surdez do PS parece incurável. Para mim, a bondade ou maldade das ideias não está decidida a partir do momento que identificamos a sua origem. Devem ser avaliadas por si mesmas. E a líder do PSD, de quem tanta coisa me separa, tem absoluta razão nestas duas matérias fundamentais.

quinta-feira, 26 de março de 2009

"NÃO DEVEMOS DESAPROVEITAR
A OPORTUNIDADE DE UMA CRISE".
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- declaração de
José Sócrates à RTP
este fim-de-semana
APONTAMENTOS À MARGEM (3):
LIVRO

Patrick Rotman
Maio de 68: Explicado àqueles que o não viveram

Guimarães Editores

Tentativa de definição de um movimento plurifacetado, onde se misturam “uma aspiração democrática e uma vertigem messiânica, uma vontade libertária e comportamentos totalitários, uma incrível modernidade e um arcaísmo aflitivo, a necessidade de generosidade colectiva e a afirmação de um individualismo exacerbado…”. Três abordagens possíveis: num sentido estrito, os acontecimentos ocorridos nas oito semanas entre 3-5-68 e 30-6-68; num sentido mais sociológico, as tenções sócio-culturais que marcaram a década; num contexto político internacional, a onda internacional de contestação anti-capitalista contemporânea da guerra do Vietname. Os antecedentes: a “invenção da juventude” e o arcaísmo das relações sociais. Os acontecimentos: da crise estudantil, à crise social e política. Do caos revolucionário ao impasse e, finalmente, a vitória da “maioria silenciosa”. Balanço e herança de Maio de 68: Os esquerdismos depois de Maio. Evolução política e transformações culturais. O pequeno livro de Rotman (133 pág's em formato "de bolso"), apresentado sob a forma de uma entrevista ficcionada e assumindo o ritmo de uma reportagem jornalística, lê-se num sopro. Editado em França, no 40º aniversário de Maio de 68, aparece em Portugal em data menos redonda. A sua consulta não será por isso menos útil.

domingo, 22 de março de 2009

A LEGIMIDADE DOS
ACORDOS NÃO ESCRITOS

Jorge Miranda está a braços com uma autêntica palhaçada que tem por nome O LUGAR DO PROVEDOR DE JUSTIÇA E A SUA SUBSTITUIÇÃO ou A LEGITIMIDADE DOS ACORDOS NÃO ESCRITOS.

Nesta GUERRA o santo e a senha têm sido: SUPRA PARTIDÁRIO, ACORDOS NÃO ESCRITOS, NOME EM NEGOCIAÇÃO, INICIATIVA DO GOVERNO versus INICIATIVA DO MAIOR PARTIDO DA OPOSIÇÃO.

Falta conhecer o fim desta novela. Seja ela qual for ao prof. Jorge Miranda não resta mais que recusar, antecipada e publicamente, a nomeação para o cargo.

Tão por baixo vai a nossa democracia representativa. Uma vergonha...
Durante visita a Angola
Papa pede fim
da corrupção
em África

O papa Bento XVI, que disse em Angola que chegou o "tempo da esperança" para a África, mas que é necessário acabar de vez com a corrupção e que a comunidade internacional respeite a promessa de destinar 0,7% de seu PIB para ajudar o desenvolvimento do continente (70% da população angolana vive na miséria, com serviços muito deficientes de educação e saúde e 17% de analfabetos).
Falar de pobreza á um lugar-comum, mas falar de pobreza e corrupção a partir de um país rico com muitos pobres já é qualquer coisa.
A "talhe de foice" lembrar a liberdade de imprensa, ou a sua ausência. Por exemplo; os jornalistas do Publico e do Expresso não conseguiram acreditar-se para acompanhar esta visita papal.

sábado, 21 de março de 2009

OSKAR LAFONTAINE
EM PORTUGAL

No dia 29 de Março, Oskar Lafontaine, ex-presidente do SPD e antigo ministro de um governo social-democrata alemão, actualmente co-presidente do Partido Die Linke (A Esquerda), estará presente num encontro promovido pela Associação Forum Manifesto, no Hotel Ibis Saldanha, em Lisboa.

A "Manifesto" é formada por vários militantes do Bloco de Esquerda, como Miguel Portas, Ana Drago, Rogério Moreira e Daniel Oliveira, e outras personalidades independentes. Quanto ao Die Linke, recorde-se que se trata de um novo partido fundado na Alemanha a partir da reunião de dissidentes do SPD (o Partido Social-Democrata Alemão) com o PDS (Partido Democrata Socialista) que, por sua vez, foi fundado por alguns membros do antigo PSU (Partido Socialista Unificado), que se encontrava no poder na ex-RDA.

A propósito deste acontecimento, tavez seja interessante relembrar aqui um texto que Miguel Portas publicou, há cerca de dois meses, no seu blogue Sem Muros, a propósito de uma intervenção de Oskar Lafontaine numa reunião dos dissidentes do Partido Socialista Francês que viriam a fundar o Parti de Gauche. Dada a génese, a influência política e o êxito eleitoral que o Die Linke rapidamente alcançou, parece-me pertinente atender às suas opiniões a propósito da refundação e da união das esquerdas.

Resumo a sua intervenção em dois breves tópicos:

1. Razões do êxito do Linke Partei:
a) o esvaziamento de um espaço político à esquerda, pela disputa do “centro” entre o SPD e o PDC/CDU, ambos apostados na defesa de uma política neoliberal;
b) união de forças que se definem a si mesmas a partir de uma posição crítica anti-capitalista;
c) a capacidade que teve o novo partido de assumir um perfil claro, completamente diferente dos demais.

A propósito do referido na alínea c), Lafontaine adverte para o perigo de alianças políticas apreçadas. Pois ninguém compreenderia que um partido que queira afirmar a sua diferença, corra a juntar-se àqueles que já existiam. E refere as experiências negativas da Refundação Comunista, em Itália, e da Esquerda Unida, em Espanha.

2. Linhas programáticas do Linke Partei:
a) O capitalismo não é o “fim da história”: regresso ao espírito anti-capitalista dos anos 70;
b) A Nato já não é uma aliança militar defensiva, mas um mero instrumento da política imperialista dos EUA: saída da Alemanha da NATO e crítica das intervenções militares no Afeganistão e no Iraque;
c) Crítica da ideologia que defende a privatização dos serviços sociais, do sector energético e da banca.
d) Defesa de uma economia mista (com um sector privado, maioritário, e um sector público, detentor de empresas com uma importância económica estratégica).
e) Apoio às empresas sob autogestão operária e à participação dos trabalhadores nos capitais das empresas onde se encontram.
f) Crítica da “economia de casino” promovida actualmente pelo sector financeiro, que substitui o sector empresarial como vector dominante da economia capitalista, e defesa dos poderes reguladores do Estado.

sexta-feira, 20 de março de 2009

APONTAMENTOS
À MARGEM:

LIVROS
e/ou
ARTIGOS

Uma nova "etiqueta" se inicia hoje neste espaço.
APONTAMENTOS À MARGEM será uma secção de crítica de livros e/ou artigos que o Formiga procurará manter o meis regular possível.
Não se pretender concorrer com o Prof. Marcelo e aconselhar uma pilha de livros por semana. Os objectivos são mais modestos: a critica a um livro (ou um artigo de revista) com a garantia que foi lido (salvo indicação em contrário) ou o acompanhamento de algumas novidades editoriais.
Os primeiros dois títulos encontran-se já "postados" em baixo.
APONTAMENTOS À MARGEM (2):
LIVRO, NOVIDADE

Camilo Castelo Branco
O Morgado de Fafe em Lisboa


Edições Opera Omnia, 2008

Confesso estar a iniciar a leitura desta obra, pelo que não poderei registar nestas linhas a minha opinião, que fica para outra ocasião.

Dou-a "à estampa" neste momento porque uma nova edição desta comédia camiliana da editora “Opera Omnia”, vai ser apresentada já amanhã, sábado, dia 21 de Março, pelas 17h00, no Centro de Estudos Camilianos, junto à Casa-Museu de Camilo, em S. Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão.

Depois da apresentação da obra literária, segue-se a encenação de alguns quadros da jocosa peça camiliana, pelo grupo de teatro Nova Comédia Bracarense.

Em agradável e prático formato de bolso, com capa dura, esta nova edição (com introdução crítica, estabelecimento do texto e notas) é da responsabilidade de Cândido Oliveira Martins.

Inaugurando uma nova colecção de teatro da “Opera Omnia”, o grande objectivo da editora é captar novos públicos para a leitura de autores clássicos como Camilo Castelo Branco. Dentro do espírito do Plano Nacional de Leitura, pretende-se seduzir variadas camadas de leitores, quer através da leitura do texto editado, quer através da representação da peça.

Estaremos aqui para conferir o sucesso da iniciativa, e o sucesso desta etiqueta recente: Opera Omnia.

Em jeito de "desculpas" por não estar capaz de omitir opinião, aqui deixo um breve trecho para aguçar apetites. Sirvam-se.

"1ª Dama - Conte-nos a passagem, senhor Morgado... estamos ansiosas.
Morgado - Estão? (erguendo-se) Ora eu vou contar. Há-de haver dez anos que eu fui ao Porto para contratar o meu casamento com o pai de uma me­nina, que, não desfazendo em ninguém que me ouve, tinha um palmo de cara que se podia ver; tocava realejo, e dançava o sólio inglês e a gaivota, que eram poucos os olhos da cara p'ra verem. Deu-me no goto a moça, e resolvi casar-me. É verdade que lá no Porto diziam que o pai fazia em casa o dinheiro que lhe era preciso para os seus gastos; mas isso que tinha?! Fazer dinheiro é um modo de vida que não me consta que desfizesse casamento em parte nenhuma... Pelo contrário, meu mano frade diz que tem feito muitos.
As três Damas (ao mesmo tempo)
1ª Dama - Pois casou.
2ª Dama - Ah! casou?!
3ª Dama - Ditosa esposa! Oh! Quanto a invejo!
Morgado - Falam todas à pancada! Ora, diga lá cada uma por sua vez o que tem na ideia.
3ª Dama - Eu disse que invejava a sorte da sua esposa.
Baronesa- Menina! (com severidade) Seja comedida no seu entusiasmo, e não (descendo) interrompa.
Morgado - Liberdade de imprensa, minha rica senhora. Deixe-a falar. Eu não casei com a tal menina, minha senhora.
As três Damas (falando simultaneamente)
2ª Dama - Ah! Não!
3ª Dama - Traiu-o, talvez; que injustiça!
1ª Dama - E que mau gosto!
Morgado - Não há que ver; são como as rãs; em falando uma falam todas.
Soares - É muito grosseiro! (à parte, a D. Leocádia)
Barão - Deixem falar o senhor Morgado, meninas.
Morgado - Chamava-se Maria, a menina; mas ela gostava que lhe chamassem Márcia, porque Márcia é poético; e lá a casa do pai dela ia um poeta jantar que lhe chamava Márcia. Estava marcado o dia do casamento, quando fui jantar a casa de meu sogro. A noiva ficou à minha esquerda, e estava vermelha como uma ginja. Era a inocên­cia, pelos modos; mas eu cuidei que seria indisposição de dentro, e perguntei-lhe se estava entoirida com o jantar. Disse-me que não tinha provado nada; e eu, cuidando que era fraqueza o seu mal, botei-lhe ao prato uma perna de peru. E que há-de ela fazer? Ergue­-se assarapantada, e foge. O que é, o que não é, que será, erguem­-se todos; uns vão, outros vêm, tudo se mexe menos eu, que fiquei comendo o peito do peru, bocado por que sou doido. Tratei de saber o que tivera a moça. Vi o poeta e perguntei-lhe: "O senhor sabe dizer-me o que teve a sra. D. Márcia?" Que há-de dizer-me o homem? "A menina retirou-se porque V S.a a envergonhou com a perna do peru." - "Homem, essa! - disse-lhe eu - Aposto que o senhor poeta, lá nos seus versos, lhe disse que uma menina inocente devia envergonhar-se da perna de um peru?!" No dia seguinte, meus caros senhores, escrevia uma carta ao pai de Márcia, dizendo-lhe que em minha casa se comia muita soma de peru, e que eu não estava para ir atrás de minha mulher todas as vezes que viesse à mesa um peru com pernas. - Enquanto a mim, a moça fugiu envergonhada de ver que eu comia à portuguesa, ao passo que o poeta e outros que lá estavam, com os guardanapos postos à laia de babeiros, diziam uma coisa, que eles chamavam espichos, do tamanho da légua da Póvoa, e lavavam os dedos numa tigela de água, que eu ia bebendo, por não saber que é moda agora fazer da mesa lavatório. Isto veio ao caso de dizer que não sou homem de cerimónias. Como em casa dos amigos enquanto tenho vontade, e quem vai à minha casa há-de comer até lhe tocar com o dedo. As meninas querem disto? (puxa de um cartucho de rebuçados, que quer repartir aos punha­dos) São de avenca legítimos; trouxe-os do Porto. Sirvam-se.
(As damas, sufocando o riso, saem de corrida da sala).
Baronesa - São crianças, senhor Morgado, não faça caso."
APONTAMENTOS À MARGEM (1):
LIVRO

John Le Carré

Um Homem Muito Procurado

Edições Dom Quixote, 2008

O descalabro da URSS, a guerra da Tetchnénia, o enriquecimento rápido de uma nova Máfia, as contas Lipzanner (branqueamento de capitais), a emigração para o Ocidente, a paranóia anti-islâmica dos Serviços Secretos ocidentais e o fogo cruzado que acaba por atingir alguns seres inocentes e certas almas humanitárias. Aliás, tal como se pode observar em muitos outros romances de Le Carré, as melhores motivações pessoais podem originar acontecimentos políticos e sociais não previstos e “danos colaterais” vários. No cerne da questão, está o conflito entre as razões éticas individuais e a Razão de Estado. Como quase sempre, brilhante e muito instrutivo. Talvez o melhor dos seus últimos romances.

quarta-feira, 18 de março de 2009

AVISO AOS
CIDADÃOS ELEITORES

As alterações introduzidas ao Recenseamento Eleitoral pela Lei n.º 47/2008, de 27 de Agosto, promoveram diversas medidas de simplificação, com destaque para a inscrição automática de eleitores no recenseamento.
Assim:
- Os cidadãos portadores de Cartão de Cidadão ficam automaticamente inscritos na freguesia correspondente à morada que tenham indicado no pedido do referido cartão.
- Os cidadãos detentores de Bilhete de Identidade válido que nunca se tinham inscrito no recenseamento eleitoral foram automaticamente inscritos na freguesia da residência indicada no Bilhete de Identidade.
- Os jovens de 17 anos foram igualmente inscritos, podendo votar se, à data do acto eleitoral, já perfizeram 18 anos.

Verifique o seu número de eleitor/a, bem como a freguesia onde vota. Pode utilizar um dos seguintes meios:
consulte via Internet: www.recenseamento.mai.gov.pt
envie um SMS para 3838
informe-se na respectiva Junta de Freguesia. Os cadernos eleitorais estão em consulta só até ao final Março.

BENTO XVI PROVOCA DANOS TREMENDOS
ao
COMBATE À SIDA
EM ÁFRICA... E NO MUNDO

Ontem, horas antes de aterrar na capital dos Camarões para a sua primeira visita ao continente africano o Papa Bento XVI voltou a defender que a solução para o problema da sida não passa pela distribuição de preservativos.
"Não se pode resolver (o problema da sida) com a distribuição de preservativos", e acrescentou: "pelo contrário, a sua utilização agrava o problema".

Em aparente dissonância Manuel Morujão, secretário da Conferência Episcopal, afirmou que a utilização dos preservativos pode fazer "parte do caminho rumo a uma solução", sobretudo em casos extremos, mas sublinhou que "não se pode entrar no caminho do facilitismo", considerando que isso "seria enganar as pessoas"."Existe compreensão para os casos que não possam cumprir o que a Igreja dita como sendo ideal. Há essa tolerância, mas a compreensão dos casos particulares não deve baixar a fasquia da exigência".

Contactado pela Lusa, D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e arcebispo de Braga, que quarta-feira viaja para Angola, evitou comentar as declarações do Papa, alegando não conhecer as afirmações do pontífice "na íntegra e no contexto em que foram ditas".

A oposição da Igreja ao uso de preservativos, questionada por padres e freiras que trabalham com vítimas da sida em África, e de uma irresponsabilidade atroz, tem o “dom” de deitar por terra o trabalho aturado que vem sendo efectuado pelas organizações não-governamentais no terreno, algumas das quais católicas.
A sida tem um impacto devastador em África, particularmente em países da África Austral como o Botswana, Suazilândia e África do Sul, os mais afectados em todo o mundo.
A Igreja Católica, que se afirma na linha da frente do combate à sida, encoraja a abstinência para impedir a propagação da doença.

Mais que um equívoco, esta teimosia é construída sobre uma pilha de cadáveres. Virá o dia em que, nesta matéria como noutras, terão que pedir desculpas aos seus familiares… e ao mundo. Não bastará uma discordância aparente… ou táctica.
PP CACETEIRO

O CDS-PP através do seu caceteiro-mor: Paulo Portas, propôs esta terça-feira um plano de segurança que inclui o reforço de 4200 efectivos nas polícias, regras mais apertadas em termos de execução de penas, e julgamentos sumários para situações de flagrante delito (estas feitas à medida da comunidade imigrante).
Caceteiro como só ele, remata com esta pérola: "A extrema esquerda acha que a polícia deve andar desarmada, pode-se confiar em ter mais segurança com uma polícia desarmada? Os ladrões agradecem."

O que nem Paulo Portas ou a extrema direita sabem, e alguma vez serão capazes de saber, é que a polícia (bem como qualquer forma de autoridade) desarma-se sempre que abusa do seu poder, sempre que se põe ao serviço de interesses outros que não os do povo, donde emana a autoridade que lhes é emprestada.
Quanto ao mais, uma arma de fogo não é mais que um adereço donde tudo o que se pode tirar são balas, não autoridade...

terça-feira, 17 de março de 2009

DEBATE EM DIRECTO (ON LINE) DO
PROGRAMA DO BE

Realizou-se ontem, dia dezasseis de Março, a primeira de várias sessões (neste caso, sobre Globalização), onde um painel formado por militantes ou simpatizantes do Bloco de Esquerda se dispõe a debater as suas ideias com todos aqueles que lhes queiram pôr questões por e-mail ou pelo tweeter.
Mais ainda do que aquele que se faz através de contributos e comentários escritos, no Esquerda.net, esta forma de debater as propostas programáticas do Bloco é muito ousada (e, portanto, arriscada) e, ao mesmo tempo, revela uma grande honestidade. E isto porque todas as forças e fraquezas do Bloco ficam evidenciadas, às escâncaras, diante de todos. É fácil notar como, muitas vezes, um discurso essencialmente ideológico procura colmatar, pela enunciação de princípios gerais, uma reflexão incipiente sobre assuntos concretos. Ou, por contraste, onde essa reflexão já existe. A imagem global que, para já, se retira do debate (deste e do que está a decorrer no site do Bloco) é a de um partido em construção, onde se misturam, inevitavelmente, preconceitos ideológicos e propostas justas. E se revela que, em muitos domínios há muito, muito “trabalho de casa” para fazer.
Convidar toda a gente para visitar a nossa casa quando já se percebe o projecto de arquitectura, mas a construção está ainda “em grosso”, é, sem dúvida, um acto de coragem. Não conheço nenhum outro partido que fosse capaz de o fazer. Parabéns ao Bloco! Convocam-se todos os cidadãos da esquerda para os “acabamentos”.

domingo, 15 de março de 2009

EM QUE PÉ ESTÃO
AS RELAÇÕES DE
MANUEL ALEGRE
COM O PS?

As intervenções mais recentes de José Lello, de Carlos Candal e Santos Silva mostram apenas a ponta do iceberg: Alegre tornou-se dificilmente suportável para muitos “socialistas”. Por outro lado, António Costa parece mostrar alguma abertura em relação à sua exigência de que o PS reconheça que ele possui uma “força política própria” (o tal milhão de votos das presidenciais) e inclina-se para a hipótese de uma “coligação PS – Manuel Alegre”. E parece ser isso mesmo o que ele deseja, dado ser mais do que improvável uma mudança da lei eleitoral de forma a permitir a participação de candidaturas não-partidárias nas legislativas.

Aparentemente, chegou-se a um impasse. De facto, tendo desistido da possibilidade de fundar um novo partido, Manuel Alegre já tem poucos trunfos para jogar. Se o PS não aceitar a tal “coligação”, terá provavelmente de garantir a eleição de um conjunto minoritário de deputados (actualmente são cinco) dentro do grupo parlamentar do PS, a quem seria reconhecida a liberdade de voto em matérias como o Código de Trabalho, as taxas moderadoras pagas pelos utentes do SNS e a carreira dos professores do ensino básico e secundário e, eventualmente, noutras matérias, estando salvaguardada a disciplina de voto em questões como a aprovação do Orçamento de Moções de Censuras e Confiança. Se, pelo contrário estas condições não forem aceites, Manuel Alegre retirar-se-ia da corrida eleitoral.

Enfim, tal como o próprio já afirmou, cabe ao PS decidir se quer contar com ele para as próximas eleições, ou não. Encontrando-se cada vez mais difícil de atingir a meta da maioria absoluta, estará Sócrates em condições de dispensar o apoio de Alegre? E, para o obter, estará ele disposto a pagar o preço da tal coligação? Eis o dilema, eis a questão.

O QUE É A NOVA ESQUERDA?


O exercício e a natureza do poder político como condição para a construção do socialismo estiveram no cerne de muitos debates travados no seio da esquerda europeia.
Os “socialistas utópicos” subestimaram o papel do Estado na definição da configuração das sociedades e tentaram criar “ilhas” socialistas no seio de sociedades capitalistas considerando que o seu bom exemplo seria suficiente para conquistar o apreço de todos, motivando-os para as necessárias transformações sociais, enquanto uma esquerda republicana colocava o assento na soberania popular, fundada sobre o sufrágio universal, como condição da mudança.
Partidários de Marx e de Bakunine confrontaram-se na Associação Internacional dos Trabalhadores. Preconizavam ambos o fim do Estado, mas os marxistas consideravam que a sua extinção seria uma consequência da vitória do socialismo, sendo que esta exigiria, antes de mais, a construção de um estado de ditadura do proletariado, enquanto os anarquistas consideravam que a destruição de todas as formas de sobrevivência de um aparelho repressivo era uma condição prévia à afirmação de uma sociedade fundada sobre a livre associação dos trabalhadores e que a “ditadura do proletariado” só poderia originar novas formas de dominação.
Mais tarde, surge a controvérsia “reforma ou revolução?”, protagonizada no seio da Social-Democracia alemã, nomeadamente pelos adeptos de Bernstein e de Rosa Luxemburgo, os primeiros defendendo uma via parlamentar e reformista para o socialismo e os segundos uma via revolucionária, sendo aparentemente dominantes as posições “centristas” dos seguidores de Kautsky. A ruptura verificar-se-ia definitiva com a 1ª Guerra Mundial (que abriria uma crise profunda na II Internacional), a revolução de Outubro, o nascimento da União Soviética e a criação da III Internacional. A oposição entre partidos comunistas e partidos social-democratas cindiu a esquerda desde então até aos finais do século XX.
Pode dizer-se, agora, que os dois paradigmas políticos e ideológicos que assim se definiram estão em crise.
O paradigma comunista (a ditadura do proletariado, a colectivização das forças produtivas, o crescimento económico centralmente planificado) sofreu, ao longo do século, vicissitudes várias. Sem a preocupação de ser exaustivo: a afirmação do estalinismo e a tímida “desestalinização” de khruschev; o conflito sino-soviético e a cisão do movimento comunista internacional; a Primavera de Praga e a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia; e, por fim, a queda do Muro de Berlim e a derrota do “socialismo real” na Rússia e na Europa de Leste.
O paradigma social-democrata (a democracia liberal, o respeito pela propriedade privada e pelo mercado – embora o Estado reserve para si um papel, quer como investidor, quer como regulador económico, a redistribuição da riqueza por via fiscal e a afirmação do Estado Providência), depois dos “30 anos magníficos” que sucederam à 2ª Guerra Mundial e num contexto que, a partir dos anos 70, vai ser marcado pela estagnação e pela recessão económica (fase B de um ciclo de Kondratieff), pelo fim da Guerra Fria e pela globalização capitalista, sucumbiu à ofensiva política e ideológica do neoliberalismo e negou-se a si mesmo, adoptando a “3ª via”, teorizada por Anthony Giddens, posta em prática por Tony Blair e, depois dele, por quase toda a social-democracia europeia.
Hoje, a experiência do “socialismo real” é indissociável das ideias de ditadura totalitária, de subdesenvolvimento económico e de pobreza remediada. E a “terceira via” é, com o neoliberalismo, associada ao enfraquecimento do Estado-Providência, à fragilização das relações laborais, à diminuição dos rendimentos do trabalho na distribuição social da riqueza, à desregulamentação económica e financeira e, finalmente, à profunda crise em nos encontramos actualmente mergulhados. E é neste contexto que se afirmam movimentos sociais, organizações e teorias que se reclamam de uma “nova esquerda”.
A crise capitalista motivou um “regresso a Marx”, mas trata-se de uma recuperação do marxismo que não pode ignorar as experiências falhadas que, em seu nome, se realizaram ao longo do século XX nem as profundas transformações sofridas pelas sociedades capitalistas entre os finais do século XIX e os princípios do século XXI.
A concepção teleológica da história que se traduz na ideia de uma sucessão inevitável de “modos de produção”, que nos conduziria à sociedade sem classes, ao comunismo, deu lugar a uma visão possibilista, fundada sobre a hipótese de afirmação de vontades políticas diferenciadas. O papel messiânico reservado ao proletariado e, nomeadamente à classe operária (e, na versão leninista, à sua vanguarda partidariamente organizada), como força dirigente da revolução social, dilui-se numa sociedade onde se assiste a um enorme crescimento do sector terciário, onde as flutuações da condição social dos indivíduos são uma constante, onde grande parte da população (estudantes, reformados, trabalhadores por conta própria, trabalhadores em micro empresas familiares, etc.) não se enquadra nos perfis classistas burgueses ou proletários, tal como Marx os definiu e aos quais as sociedades capitalistas se deveriam progressivamente reduzir.
Numa sociedade muito marcada pelo individualismo, pelo multiculturalismo, pelo relativismo e pela instabilidade, surgem novas formas de intervenção cívica fora dos partidos políticos ou dos sindicatos tradicionais. Formas de organização em rede concorrem com as formas tradicionais de organização em pirâmide e a blogosfera multiplica os canais de comunicação social, rivalizando com os meios de comunicação tradicionais.
À contradição burguesia-proletariado somam-se as contradições produção/consumo-natureza, massificação-afirmação individual, dominação-libertação, e afirmam-se as causas pós-materialistas que se referem à qualidade de vida, à defesa do ambiente, aos direitos dos animais, à, à condição feminina, à sexualidade, às diferentes formas de organização familiar, etc.
O advento destas novas problemáticas encontra-se, aliás, na origem de um pensamento pós-marxista que encontramos, por exemplo, em Antonio Negri, Ernesto Laclau e Pierre Bourdieu.
Neste contexto, afirmam-se formas de intervenção política fora do quadro partidário que se exprimem, por exemplo, no Fórum Social Mundial, na actividade de várias ONG (Amnistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras, Greenpeace, etc.), nas experiências do “comércio justo”, nas propostas da ATTAC, na afirmação dos movimentos ecologistas e noutros movimentos de cidadãos, por vezes debilmente organizados, em torno de reivindicações concretas (pelo reconhecimento dos direitos da mulher, dos homossexuais, pelo direito ao aborto, à eutanásia, contra a precariedade das relações laborais, contra o racismo, pela paz...).
Um olhar sobre a paisagem dos vários movimentos reunidos nas várias edições do Fórum Social Mundial recorda-nos ainda Proudhon e a sua ideia de uma utopia social fundada sobre uma federação de associações solidárias (mutualistas, cooperativas, etc.), síntese necessariamente instável de interesses comuns de sujeitos que protegem, acima de tudo, a sua liberdade individual, num equilíbrio de contrários que se opõe a disposições estáticas, centralistas e unitárias.
Mas poderão os movimentos contestatários reunidos no FSM, gerar, de facto, um modelo social capaz de se afirmar como alternativo ao capitalismo e à democracia representativa?
Estamos, de novo, perante a questão das formas de exercício do poder e das formas de organização da vida económica e social que abordámos no início deste texto. Tudo está em aberto, mas parece que uma possível solução deveria ser procurada no cruzamento das reivindicações democráticas (e, nomeadamente no quadro daquilo que habitualmente se designa por “democracia radical”), sociais e libertárias que se exprimem no seio dos movimentos que corporizam essa “nova esquerda”. Há um património social-democrata a defender e a aprofundar, ao qual se soma o conjunto de reivindicações designadas aqui como pós-materialistas, bem como à necessidade de encontrar soluções alteroglobalizadoras para um mundo de fronteiras cada vez mais esbatidas.
Parece-me que a conjugação de vontades num movimento político que não se queira esgotar em reivindicações fundadas sobre questões pontuais, conjunturais ou em interesses estritamente corporativos, mas que procure aquilo que designaríamos pelo “bem comum”, ainda não pode dispensar a existência da forma Partido. Mas os partidos que se reivindiquem de uma nova esquerda já não podem ser entendidos como vanguardas esclarecidas de uma determinada classe, fadada para transformar o mundo e emancipar a humanidade. Devem ser, antes, formações plurais, tanto no plano ideológico como no plano classista, vocacionadas para a definição de estratégias favoráveis à convergência dos diferentes movimentos sociais, em ordem à construção de alternativas de poder susceptíveis de favorecer possíveis, necessárias e desejadas transformações sociais.
Acrescento que não acredito (e tenho medo de quem acredita…) em sociedades perfeitas e que, portanto, vejo tudo isso como um processo sem fim. Tratar-se-á, talvez, de um processo de sucessão de reformas, mas de reformas que não se impõem como limite a lógica de funcionamento das sociedades actuais, mas que ousam romper com a ordem capitalista podendo estar na origem de um mundo novo, mais livre, mais solidário e mais justo.
Os conceitos, certamente ambíguos, de reformismo-revolucionário, de ecossocialismo e de social-democracia libertária, têm sido usados para descrever as propostas da nova esquerda. Por outro lado, os seus detractores preferem classificar os diferentes intervenientes que lhe dão corpo sob a fórmula, na sua intenção pejorativa, de neocomunistas (leia-se “criptocomunistas”). Serão estes conceitos capazes de informar uma indispensável redefinição de “socialismo”?

quarta-feira, 11 de março de 2009

POLITICA E NEGÓCIOS:
A VISITA
DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
A PORTUGAL

José Chipasse vivia no bairro de Cambamba I, no Município do Kiamba Kiaxi, em Luanda. Sem aviso formal, o seu bairro, onde viviam mais de quatrocentas famílias foi invadido pela polícia nacional de Angola que desalojou os moradores de forma a permitir a intervenção das máquinas de uma empresa de construção civil que, de imediato, procederam à sua demolição. A resistência dos habitantes deu origem a actos de violência policial e a prisões.
Estes acontecimentos, descritos no último número do boletim Notícias da Amnistia Internacional, recentemente publicado, ocorreram no dia 28 de Setembro de 2004. Até hoje, não foram tomadas quaisquer medidas de realojamento.
Segundo a Amnistia Internacional, “estes acontecimentos (…) são apenas um exemplo das muitas histórias de despejos forçados que têm chegado de Angola. A situação remonta a 2002, quando o Governo Angolano deu início a grandes planos de reconstrução urbanística para Luanda. As «construções anárquicas» e «ilegais», como os bairros periféricos da cidade foram descritos, deveriam dar lugar a condomínios de luxo”.
Estes factos, que seriam motivo de escândalo em Portugal, devem ser considerados “normais” apenas porque se passam em África? Devemos fazer de conta que não sabemos de nada? Não estou a referir-me à relação entre Estados, nem quero comentar agora o significado de uma presença cada vez maior de capitais do Estado angolano e da família Santos (a distinção nem sempre é fácil…) na Banca portuguesa. Mas os partidos políticos portugueses que se pretendem democráticos, podem ignorar as perseguições políticas, a corrupção endémica, os níveis assustadores da miséria, a violação regular dos direitos humanos que persistem na realidade angolana, apenas porque se vislumbra a possibilidade de algumas grandes empresas portuguesas realizarem aí bons negócios?
Vê-se a televisão e lêem-se os jornais que noticiam a visita de José Eduardo dos Santos – e conclui-se que sim. No meio de tantas vénias e salamaleques, apenas o Bloco de Esquerda apareceu a destoar. Uma muito honrosa excepção.





domingo, 8 de março de 2009

O POEMA DA 'MENTE'

Há um primeiro-ministro que mente,
Mente de corpo e alma, completamente.
E mente de maneira tão pungente
Que a gente acha que ele, mente sinceramente,
Mas que mente, sobretudo, impunemente...
Indecentemente.
E mente tão nacionalmente,
Que acha que mentindo história afora,
Nos vai enganar eternamente.
A CRISE NÃO É COMO O SOL, QUANDO NASCE NÃO É PARA TODOS...

(ou: salários de eurodeputados sobem para o dobro)


O vencimento único para os eurodeputados é uma das medidas resultantes do Novo Estatuto do Deputado do Parlamento Europeu. Eurodeputados portugueses passam a ganhar o dobro, de 3815 passam a 7665 euros mensais.
A partir das próximas eleições europeias, com a entrada em vigor do Novo Estatuto do Deputado do Parlamento Europeu (PE), os eurodeputados portugueses vão ganhar tanto quanto os restantes deputados europeus.
As regras actuais estipulam que os eurodeputados sejam pagos mediante as tabelas salariais dos deputados das assembleias nacionais. O que leva a “disparidades salariais altíssimas” entre deputados europeus de diferentes países.

Registo a justeza do princípio e concordo: trabalho igual, vencimento igual, sem olhar à região de origem do cidadão (registe-se o cidadão ao invés do deputado) ou o local da união em que se encontra. Sem olhar a quem. Quero com isto dizer que se me bato todos os dias para ter acesso à qualidade de vida que, por exemplo, os nórdicos já usufruem, seria hipocrisia da minha parte sequer sugerir que os deputados são cidadãos à parte. Não são.

Outra coisa é achar que vivemos no melhor dos mundos, que a crise a que chamam de financeira, mas que também é social, familiar e a todos toca de alguma forma, não existe. Outra coisa é achar que os deputados, europeus ou nacionais, fazem parte daqueles que passam mal, que subsistem e mal sobrevivem ao invés de existirem e viverem. Outra coisa é achar amoral uma coisa que é evidentemente imoral. Outra coisa é achar que a crise é como o sol, quando nasce é para todos.

sábado, 7 de março de 2009

BRAGA RECEBE PALESTRA:
A Quercus e a Recuperação
de Fauna em Portugal

Em mais uma iniciativa, o Núcleo de Braga da Quercus passa a palavra a um dos três Centros de Recuperação de Animais que possui espalhados pelo país: a Associação Nacional de Conservação da Natureza, do Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco (CERAS) pela voz de Madalena Martins, uma das responsáveis do Grupo da Biodiversidade e Conservação da Natureza da Quercus.
Marcada para o dia 13 de Março, pelas 21h30, a sessão terá lugar na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga. A entrada é gratuita.
Mais informações em:
ÚLTIMAS SONDAGENS
PARA AS LEGISLATIVAS
Sondagem da Marktest para o Semanário Económico (3-3-09):
PS – 38,0%, PSD – 28,0%, BE – 14,0%, CDU – 10,0%, CDS – 04,0%.
Sondagem da Euroexpansão para a SIC e o Expresso (6-3-09):
PS – 39,0%, PSD – 28,3%, BE – 10,4%, CDU – 09,6%, CDS – 08,7%.
Se nas eleições (Setembro ou Outubro?) se confirmarem aproximadamente estes valores, o BE, no mínimo, duplicaria a sua representação parlamentar e deixaria de estar limitado a eleger deputados por Lisboa, Porto e Setúbal, abrindo-se fortes possibilidades de eleger os primeiros deputados por Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém ou Faro. Por outro lado, confirma-se a descida do PS, cada vez mais longe da maioria absoluta e a difícil situação do PSD. Verifica-se também que o BE não disputa o eleitorado da CDU, mas sim o do PS, sendo o grande beneficiário do voto de protesto à governação de Sócrates. A impotência do governo no combate à crise e o contraste evidente entre a degradação das condições de vida da população e o montante dos lucros recentemente exibidos pela GALP e pela EDP, bem como o que se sabe hoje acerca dos negócios da CGD com especuladores bolsistas, não indiciam que as razões desse voto de protesto tendam a esmorecer.

sexta-feira, 6 de março de 2009

MUITO PREGA
FREI TOMÁZ...

À saída de uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, no início da semana passada, o chefe da diplomacia portuguesa, Luís Amado, assumiu pela primeira vez, o desconforto e o melindre dos países da UE que se vêem sistematicamente arredados dos encontros dos líderes das seis maiores economias para concertarem posições a aproposito da crise financeira internacional. "As dinâmicas mais unilaterais, dos proteccionismos, das opções de forma de directório que se têm vindo a evidenciar ao longo dos últimos meses" são uma discriminação que, segundo Luís Amado, "enfraquece a coesão".
Amado denuncia que para "não há mandato claro" para que Alemanha, França ou Reino Unido decidam em nome dos 27, e que é "oportuno" encetar a discussão sobre a "legitimidade e a representatividade no seio da União Europeia".
Isto vindo da mesma figurinha, que a seu tempo negou aos portugueses poderem pronunciar-se em referendo sobre o Tratado de Lisboa, só para nomear uma...
JUSTIÇA NA
GUERRA
CONTRA O
TERROR

Esta semana o governo dos EUA estará discutindo a formação de uma Comissão de Inquérito para investigar as táticas usadas nas operações da “Guerra contra o Terror” do Bush.

Esta iniciativa simboliza uma busca inédita pela justiça que poderá responsabilizar oficiais de alto escalão do governo americano. Há interesses fortes que querem esconder as operações sujas dos EUA como casos de tortura, detenções secretas e outros abusos ilegais. Assine esta importante petição, ela será apresentada na auditoria pública do Senado antes da decisão ser votada esta semana:

http://www.avaaz.org/po/end_the_war_on_terror/97.php?cl_tta_sign=4a7f08fa4c3803b72ffe95538760ae42

"Ao governo dos EUA: Nós apreciamos os esforços do Presidente Obama em colocar um fim às taticas e políticas abusivas usadas na "Guerra contra o Terror" da era Bush. Agora, nós pedimos que uma comissão independente seja criada para investigar estas práticas abusivas e ilegais. Os responsáveis devem responder por seus atos e as futuras operações anti-terror dos EUA devem seguir principios rigorosos de direitos humanos e estado de direito. Desta forma, uma nova era de relações internacionais será possível."

quinta-feira, 5 de março de 2009

A TRÁGICA HISTÓRIA
DA GUINÉ-BISSAU

O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau foi assassinado na noite de 1 de Março. No madrugada seguinte, foi assassinado o Presidente da República. Não se tratou de um golpe de estado, mas, simplesmente de uma forma expedita de resolver divergências pessoais. O CEM teria sido morto a mando do PR e o PR foi morto por militares num acto de retaliação. Qualquer semelhança com as guerras entre “famílias” de mafiosos não é pura coincidência. É que na Guiné-Bissau o Estado de direito não existe e o país serve como base de apoio à actividade dos traficantes de armas e dos cartéis do narcotráfico, que procuraram no Poder as cumplicidades necessárias.

O diagnóstico da situação já foi feito por vários analistas políticos: a Guiné-Bissau é um país retalhado por tribos e etnias rivais, onde os serviços públicos não funcionam e a economia se encontra quase limitada a uma agricultura e a uma pesca de subsistência. A população está mergulhada na pobreza e dessa miséria destacam-se apenas aqueles que desempenham cargos importantes no aparelho de Estado.

Aliás, neste último aspecto, não creio que a situação seja radicalmente diferente noutras ex-colónias portuguesas. Verifica-se, certamente em graus diferenciados, uma grande fragilidade das classes médias e da actividade empresarial privada. Em parte, porque isso era quase totalmente protagonizado por portugueses que se retiraram após a descolonização. Depois, porque os programas “socialistas” dos movimentos de libertação foram um obstáculo para afirmação de uma burguesia nacional. Assim, se forjou uma nova hierarquia social onde a classe dominante devia o seu estatuto social (os seus privilégios e a sua riqueza) ao domínio do aparelho de Estado. Logo, a luta pela ascensão social tornou-se uma luta política e militar pelo Poder. Em vez de investimentos privados, a disputa pela administração de empresas públicas; em vez da concorrência económica, golpes de estado e guerras civis; em vez de Belmiros de Azevedo, Josés Eduardos dos Santos…

Aviso à navegação dos revolucionários que gostam de “saltar etapas”: não vale a pena.