quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A propósito do livro de Rui Bebiano, Outubro

Leninismo e Totalitarismo


Nos últimos dias, A Formiga de Esopo tem estado em pousio. Na verdade, as mais recentes polémicas que têm agitado a blogosfera – o “caso Maitê, o caso Saramago/Bíblia – não me motivaram suficientemente. Por outro lado, tendo dito já aqui aquilo que penso acerca da situação política resultante dos últimos resultados eleitorais, pareceu-me desnecessário entrar na onda de previsões acerca da conduta do novo governo PS. Por agora, wait and see. E, assim, fui ficando sem temas que justificassem sentar-me ao computador. O que, aliás, tem as suas vantagens: não me sentir pressionado pela actualidade, liberta-me para outros trabalhos.

Mas, recentemente, veio-me ter às mãos o último livro de Rui Bebiano, Outubro. Coimbra: Angelus Novus, 2009. E julgo que merecerá a pena interromper as férias da formiga para o publicitar. O livrinho lê-se de um folgo e, embora alguns possam dizer que não nos traz nada de novo, para muitos outros (inclusive para uma certa jovem deputada do PCP) pode ser uma leitura proveitosa. É claro que aqueles que mais necessitariam de o ler serão aqueles que vão considerar a sua leitura menos agradável e que, portanto, mais rapidamente serão tentados a rejeitá-lo…

E, aliás, é esse o tema principal do livro: o da construção de um mito, nascido da conjugação da aspiração milenar à realização do paraíso na Terra, à Utopia, com uma visão teleológica da História “cientificamente” fundamentada, o mito do momento fundador da construção desse Mundo Novo que se corporizava na Revolução de Outubro de 1917. E o poder evocativo da revolução russa, a possibilidade de ver nela a legitimação de todas as mais generosas esperanças num mundo radioso, foi tão grande que atravessou todo o século XX, inspirou os movimentos revolucionários de todos os continentes e, de alguma forma, foi resistindo ao confronto desse sonho com todas as informações que entretanto iam chegando de um pesadelo que o desmentia.

Mas há, ainda, um tema secundário no livro de Rui Bebiano: o da relação do leninismo com a revolução e o socialismo soviético. Trata-se de uma questão fundamental que pode ser abordada a partir de dois pontos de vista.

Existe toda uma investigação metodologicamente viciada por diferentes perspectivas ideológicas que tem conduzido a uma análise do fenómeno soviético centrada na acção dos dirigentes políticos, na natureza dos programas adoptados, desprezando as circunstâncias históricas concretas que os condicionaram.

Assim, surge-nos uma visão apologética que atribui todos os sucessos da revolução à justeza de uma estratégia superiormente definida por Lenine, desde as obras onde estabelece a sua concepção de Partido (Que Fazer?, Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás), até àquelas onde traça o plano da revolução (nomeadamente, as Teses de Abril) e define a sua concepção de ditadura do proletariado (O Estado e a Revolução, A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky); e uma visão crítica que vê precisamente nessas obras o “pecado original” donde nasceu a perversão totalitária do socialismo.

Segundo um diferente ponto de vista, os caminhos seguidos pela revolução russa não resultaram da aplicação prática de um plano longamente pensado e decidido por Lenine. Pelo contrário, foram aqueles que as circunstâncias históricas em que decorreu a revolução acabaram por impor. Não me parece ter existido nunca uma estratégia fielmente seguida pelos blolchevistas que os tivesse guiado do II Congresso do POSDR à tomada do Poder e, muito menos, às políticas que foram adoptadas no quadro da guerra civil e do “comunismo de guerra” e, posteriormente, no período da NEP, mas antes uma série de opções políticas que foram sendo tomadas, abandonadas e corrigidas sob a pressão dos acontecimentos.

Neste sentido, o “leninismo”, tal como o entendemos hoje, foi uma criação de Estaline, uma reformatação a posteriori das opções que, ao longo de mais de vinte anos, foram sendo assumidas por Lenine sob a forma de um corpo teórico coerente. O “marxismo-leninismo” (em última análise, um pseudónimo do estalinismo) passou a ser o “marxismo da época do imperialismo e da revolução proletária”. Onde havia, sobretudo, uma visão voluntarista e pragmática do marxismo, passou a haver “teoria”, o que foi sendo decidido em circunstâncias históricas particulares passou a ter validade universal. As violações das liberdades e da democracia assumidas pelos bolchevistas no período revolucionário, a progressiva subordinação da autonomia popular ao controle do partido, deixaram de ter um carácter excepcional (e é claro, mesmo assim, contestável), para passarem a ser uma norma. E não apenas na União Soviética, mas em todos os países onde outros partidos “marxistas-leninistas” tomaram o poder e mesmo na organização e nos métodos dos partidos comunistas na oposição.

Os vínculos que relacionam o “leninismo” e o totalitarismo ficaram então definitivamente estabelecidos.

Partilho com o Rui Bebiano as ideias fundamentais defendidas no seu livro. No entanto, aconselharia os seus leitores a confrontar a bibliografia que nos apresenta com uma obra que não cita, o livro de Moshe Lewin, O Século Soviético. Lisboa: Campo da Comunicação, 2004. Julgo que nos permite uma perspectiva mais abrangente destas questões.


P.S.: Conheci o Rui Bebiano em tempos longínquos, corria o ano lectivo de 1972-73. Eu era um jovem caloiro, acabado de chegar a Coimbra, matriculado na Universidade com o único propósito de “fazer a revolução”. Militava, então numa organização estudantil “semi-legal” impropriamente designada “Núcleos Sindicais”, e, clandestinamente, nos CREC’s da OCMLP (O Grito do Povo), um partido maoísta. O Bebiano assumia-se também como marxista-leninista e maoísta, mas mantinha uma certa distância em relação à actividade militante organizada. Recordo muito vivamente o quarto que ele alugava no Largo da Sé Velha, que funcionava muitas vezes como um espaço seguro onde era possível juntar-se um grupo de estudantes para conversar sobre “a Revolução”. Mais de trinta anos depois, “encontro-o” n' A Terceira Noite. A blogosfera tem este condão de fazer encolher o mundo e proporcionar encontros inesperados. Não podia deixar de referi-lo, tanto mais que, tendo partido de convicções muito próximas e tendo percorrido, talvez, caminhos muito diversos, parece-me termos, hoje, de novo, muitas ideias em comum. Embora, tal como em 72-73, eu as defenda “organizado” e o Bebiano como “independente”.

Para o caso disto lhe chegar às mãos (e embora seja provável que ele já nem se lembre de mim), aproveito para lhe mandar um abraço.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A propósito dum artigo de Sarsfield Cabral
A direita liberal, a esquerda totalitária e a esquerda democrática

Num texto publicado no Público (19-10-09), Sarsfield Cabral denuncia aquilo a que chama a “retórica da esquerda unida”, considerando que, de facto, “o PS está mais próximo do PSD e do CDS do que do Bloco e do PCP”. E argumenta a favor da sua tese considerando que os partidos à esquerda do PS têm como referência comum a “ideologia marxista” e o facto de ambos “serem contra a economia de mercado”. Isto é, são partidos “anticapitalistas”, embora, “por motivos tácticos”, não gostem de explícitar esta sua posição. Pelo contrário, as divergências políticas entre o PS e o PSD e o CDS, não radicariam na defesa de diferentes modelos sociais, mas seriam apenas diferenças “de grau” que separam uma esquerda que quer “mais Estado na vida económica, social, educativa, etc., dos que preferem o predomínio da vida privada e do mercado”.

Facilmente dou comigo a pensar que tanto no PS como no BE e no PCP haverá quem concorde com a sua análise. E, ao mesmo tempo, haverá, pelo menos no PS e no BE, quem discorde dela. No PS, existirão muitos militantes que ainda não se esqueceram que essa sigla quer dizer “Partido Socialista” e que entre o Capitalismo e o Socialismo haverá mais do que uma diferença de grau. No BE, existirão outros tantos que não rejeitam liminarmente a economia de mercado.

Na verdade, há posições inconciliáveis entre quem defenda neoliberalismo (ainda que, “por motivos tácticos”, não o assuma claramente) e o capitalismo como o fim da História, e quem defenda que o socialismo pode ser construído no quadro de uma democracia liberal e duma economia mista fundada sobre o funcionamento do mercado. Só entre estes últimos se pode falar de diferenças “de grau”.

Colocam-se, no seu seio, questões como:
1) Como defender os direitos e liberdades dos cidadãos em face dos poderes económicos? Como defender a democracia representativa quando muitas das opções políticas adoptadas pelos Estados nacionais são sobredeterminadas por decisões de instâncias internacionais não eleitas? Como aliar a democracia representativa à democracia participativa?
2) Qual é a importância relativa do sector público e do sector privado na organização económica de uma sociedade? O que deve ser privado e o que deve ser público? Como apoiar o sector cooperativo? Como combater a precarização das relações laborais e defender a contratação colectiva? Como promover a participação dos trabalhadores na gestão das empresas? Como defender o Estado Previdência? Como enfrentar o dumping social no quadro da globalização capitalista? Como redistribuir a riqueza?
3) Que instrumentos de regulação do mercado devem ser adoptados? Como combater a especulação financeira, a corrupção e a evasão fiscal? Como desmontar os mecanismos que conduziram à actual crise económica?

Estas são algumas das questões em debate no seio da esquerda democrática. O PSD e o CDS não são para aqui chamados. Existem também sectores do PS que lhe são totalmente alheios, pois estão reduzidos à gestão do "capitalismo real". E haverá, por certo, sectores do BE e do PCP, que permanecendo agarrados a uma concepção do socialismo fundada sobre a ideia da ditadura do proletariado, da colectivização dos meios de produção e de um regime económico de planificação central, também não.

Ainda assim, a divisão do espectro político nas duas metades que Sarsfield Cabral define parece-me simplista. Existe, entre uma direita neoliberal e uma esquerda totalitária, uma esquerda democrática repartida por diferentes partidos e que, provavelmente, terá uma expressão eleitoral maioritária sem ter ainda encontrado uma expressão política correspondente. Concedo que, em matéria de governação, neste momento, o equilíbrio de forças no seio do PS o faça pender mais facilmente para o lado do PSD e do CDS do que para o lado do BE ou do PCP. Mas esta realidade não é estática: pode e deve evoluir. O Bloco, que está longe de ser uma realidade política cristalizada na defesa de dogmas inquestionáveis, pode ter um papel determinante na transformação da paisagem política portuguesa. Assim os seus dirigentes e militantes se disponham a aprender com a história e com a vida tudo aquilo que ela nos tem para ensinar.

sábado, 17 de outubro de 2009

Sacanas sem lei

Tal como Paulo Portas, também eu, terminada a campanha eleitoral, fui ver o filme de Tarantino. Talvez ele gostasse de o ter visto mais cedo, mas só então tivesse tempo para isso. Não foi esse o meu caso. Se adiei tanto tempo a ida ao cinema foi porque, depois dos dois Kill Bill, se foi apoderando de mim a sensação de que “para o Tarantino, já dera”.

Depois, o filme aparecia associado a "Lusomundo", "cinemas do centro comercial Bragaparque", "baldes de pipocas" – e é um êxito de bilheteira há mais de três meses. Tudo isso me desmotivava. Mas parece que houve críticos que lhe atribuíram várias estrelas e, para muitos, Tarantino, sobretudo depois de Pulp Fiction, tornou-se um autor de culto. Enfim, concedi-lhe o benefício da dúvida e sem grande entusiasmo lá fui ao cinema.

Para confirmar, afinal, aquilo que já sabia. Uma história de treta serve como pretexto à exibição de cenas de violência sabiamente temperada com o q.b. de humor e de sadismo. E está nisso o essencial dos filmes de Tarantino, a violência oferecida como espectáculo e como divertimento. Violência pronta a consumir para deleite uma plateia reduzida à condição de uma massa acrítica, embotada ética e politicamente pela “graça” das situações. É isto o que Tarantino tem para nos oferecer. Tudo o mais, os enredos mais ou menos engenhosos, todo aquele cozinhado de ambições e vinganças, tudo é um mero pretexto.

É claro que o produto é servido numa embalagem mais sofisticada do que aquela que habitualmente embrulha congéneres mais primários. E isso parece ser suficiente para satisfazer alguns dos seus admiradores.

Pela minha parte, não consigo olhar para os filmes de Tarantino sem que me venham à memória as palavras finais de Walter Benjamin na Obra de Arte na Era da sua Reprodução Técnica, acerca da estetização da política e da glorificação da guerra pelo fascismo: “Na época de Homero a humanidade oferecia-se em espectáculo aos deuses do Olimpo; ela agora converteu-se no seu próprio espectáculo. Tornou-se tão alienada de si mesma que consegue viver a sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem”.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ainda sobre a derrota do Bloco
nas eleições autárquicas
Como é possível perder 300.000 votos em quinze dias?
Quem ganha com a insistência numa lógica de contrapoder?
Quem tem medo de juntar forças?

Em quinze dias, o Bloco perdeu o apoio de cerca de 300.000 eleitores. Como é isto possível? Na minha opinião, em eleições autárquicas não há lugar para o voto de protesto. Os eleitores exigem propostas viáveis para resolver problemas concretos e votam em quem se apresenta dotado dos meios necessários para as levar à prática. Ou seja, votam útil.

Em Lisboa, em que medida era “útil” votar em Luís Fazenda? Para ter uma tribuna de denúncias, bastará ao Bloco ter uma pequena representação na Assembleia Municipal.

No Porto, a corrente minoritária do PS protagonizada por Pedro Baptista defendeu uma candidatura conjunta PS-CDU-BE. João Teixeira Lopes chegou a admitir essa hipótese. Os resultados eleitorais mostram que, se somassem os votos destes três partidos, Rui Rio teria sido derrotado. Outros valores mais altos se levantaram, para sorte da coligação de direita e azar da esquerda no seu conjunto.

De uma maneira geral, as últimas eleições vieram confirmar a instabilidade da base eleitoral do Bloco. Quando consegue cativar o apoio de tradicionais eleitores do PS descontentes com a direcção do Partido, sobe para uns 10%, quando se afasta da ala esquerda do PS e de outros sectores da esquerda independente e se fecha na sua concha, desce para uns 5 ou 6%. Foi o que aconteceu nas presidenciais, com a candidatura de Louçã, e agora nas autárquicas, particularmente em Lisboa e no Porto. É claro que este vai e vem não durará eternamente… A manterem-se estes acessos periódicos de auto-suficiência e sectarismo, chegará o dia em que parte do eleitorado do Bloco se vai embora para não mais regressar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

QUATRO NOTAS
SOBRE AS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS


1) Quem ganhou e quem perdeu

O PSD conserva a presidência da maioria das Câmaras (140) e, portanto, da ANMP. Três Câmaras dos quatro maiores concelhos portugueses, Porto, Vila Nova de Gaia e Sintra, continuam nas suas mãos. No entanto, detém o poder em menos dezassete do que em 2005 e, duma maneira geral, perde votos e mandatos. A crise aberta no partido com a derrota nas legislativas fica mal disfarçada por estes resultados.

Em relação a 2005, o PS subiu de 110 para 131 presidências de câmaras e teve, a nível nacional, a maioria dos votos e mandatos. Além disso, conservou a presidência da Câmara de Lisboa. Fortemente penalizado nas europeias, as autárquicas vieram confirmar a recuperação do PS já anunciada pelos resultados das legislativas e surgem como um “aviso à navegação” para todos aqueles que forem tentados a precipitar a queda do próximo governo de José Sócrates. Arriscam-se a pagar caro a ousadia.

O PCP conserva 28 Câmaras (menos quatro do que nas últimas eleições), perde municípios como Beja, Sines e Marinha Grande e obtém um dos seus piores resultados autárquicos de sempre.

O CDS-PP e o BE mantêm uma implantação autárquica irrisória. O partido de Paulo Portas de alguma forma disfarça a fraqueza das suas estruturas locais através de múltiplas coligações com o PSD. Já o Bloco, optando pela linha do orgulhosamente só, deixa a claro todas as suas fragilidades.

2) A derrota do BE em Lisboa

Em Lisboa, o objectivo principal do Bloco era a eleição de Luís Fazenda para a vereação. Para muitos esta derrota terá surgido como uma surpresa. Confesso que a adivinhava há muito tempo. Trata-se do desfecho lógico de uma longa série de erros políticos, cujo início se encontra desde logo na forma como foram geridas as relações entre o BE, José Sá Fernandes e o grupo de personalidades independentes que o apoiava. Nos seus primeiros dois mandatos como vereador, Sá Fernandes comportou-se fundamentalmente como um contrapoder e, para isso, contou com todo o apoio do Bloco. A partir das últimas eleições, ambicionou deixar obra feita em Lisboa. Do “Zé faz falta”, passou-se ao “Zé faz”. E, para isso, teria que se aproximar de António Costa que, na presidência da Câmara, era quem lhe poderia proporcionar os meios necessários para cumprir os seus projectos. Acontece que o Bloco se manteve numa lógica de contrapoder. Considerava António Costa como um representante do governo na Câmara e queria que o seu vereador fizesse do seu cargo uma frente da oposição. Sá Fernandes pensava, bem ou mal, naquilo que podia fazer por Lisboa, o BE subordinava, necessariamente mal, a sua intervenção autárquica à lógica da intervenção nacional. Estavam condenados a afastar-se. A partir daqui, o Bloco passou a tratar qualquer divergência com Sá Fernandes não como um problema a resolver, mas como mais um pretexto para justificar uma ruptura. O resto da história já todos conhecem: a retirada da confiança política do BE a Sá Fernandes; a desajeitada tentativa de aproximação a Helena Roseta, logicamente condenada ao fracasso; a inclusão do Movimento de Cidadãos por Lisboa e de Lisboa é Muita Gente na lista de António Costa; o apoio empenhado de Manuel Alegre, de comunistas como José Saramago e de várias membros da Renovação Comunista à lista do PS numa ampla frente contra Santana Lopes, que o BE recusa integrar, enfim, o lançamento de uma candidatura suportada apenas pelo frágil aparelho partidário do BE e encabeçada por um deputado a quem ninguém reconhecia qualquer experiência autárquica nem outro projecto que não fosse o de ser "do contra”. Resultado: o Bloco teve uma das piores votações de sempre em eleições autárquicas em Lisboa. Por favor, não me venham tentar explicar tudo com a bipolarização. Em vez disso, expliquem-me lá outra vez o que significa aquela palavra-de-ordem, "Juntar Forças".

3) A maioria absoluta de Mesquita Machado em Braga

Afinal, as possibilidades de vitória de Ricardo Rio foram francamente exageradas. A Coligação Juntos por Braga (PSD/CDS-PP/PPM) alcançou vitórias significativas nas freguesias urbanas, mas Mesquita Machado venceu mais uma vez nas freguesias rurais que sempre foram o seu bastião.

A verdade é que não seria possível vencê-lo sem penetrar profundamente no seu eleitorado tradicional. A pergunta que todas as forças da oposição deveriam ter feito era: desta vez, o que pode levar aqueles que sempre votaram Mesquita Machado a retirarem-lhe o voto? E as respostas não podem ser as suspeitas de corrupção e enriquecimento ilícito, o tráfico de influências, os desmandos urbanísticos ou a subvalorização da vida cultural, porque todos esses argumentos, ainda que justíssimos, já foram invocados mil e uma vez, já conquistaram toda a gente que podiam conquistar e, como se sabe, nunca se revelaram suficientes para destronar o único Presidente da Câmara eleito em Braga desde o 25 de Abril.

A CDU e o BE queixam-se da bipolarização, mas o que fizeram para contrariar essa tendência? Nada e, na verdade, algo podia ter sido feito. À frente da direita anti-Mesquita, talvez se pudesse ter erguido uma frente de esquerda PCP-BE. Ter-se-ia, então, evitado o “voto útil” de certos sectores da esquerda na coligação PSD/CDS-PP/PPM e ficaria garantida a eleição de, pelo menos, um vereador. Julgo que esta hipótese nunca chegou a ser equacionada. O BE está ainda muito preso à necessidade adolescente de auto-afirmação (afinal, ainda só tem dez anos…) para poder pensar em coligações e o PCP continua a ver o Bloco como um intruso que apenas veio perturbar a sua própria função de vanguarda esclarecida das massas. Enfim, nem um nem outro elegeram vereadores. As manias de cada um derrotaram os dois.

4) Finalmente, a cacicagem vai cumprir o ultimo mandato a que tem direito

No último texto que escrevi aqui, previ a vitória dos “do costume” e desejei enganar-me. Infelizmente, não foi o caso, foram poucas as Câmaras que, dominadas por caciques, mudaram de mãos. Estar no poder é meio caminho andado para lá ficar. Fomos, mais uma vez, obrigados a verificar as vitórias do Isaltino, do Valentim Loureiro ou do Mesquita Machado. Ainda assim, há que festejar aqui a derrota de Fátima Felgueiras e o fracasso de tentativa de Ferreira Torres para regressar ao poder em Marco de Canavezes. Nem todos os caciques se safaram. Ainda assim, ficamos todos com a sensação de que a lei da limitação dos mandatos chegou tarde. Paciência, só mais um esforço!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quem vai ganhar
as eleições autárquicas?


A acreditar nas sondagens que têm sido publicadas (ver http://margensdeerro.blogspot.com/), só parece haver uma resposta: os do costume. Ou seja, ganham aqueles que já detêm o poder.

Aparentemente, para grande parte dos eleitores, pouco importa se o seu Presidente da Câmara tem ou não tem “obra”. Muito menos se aquilo que fez durante quatro anos contribui efectivamente para melhorar a qualidade de vida no seu Município. Mais: é perfeitamente secundário saber se o indivíduo em questão é tido por pessoa honesta ou se, pelo contrário, todos o consideram um vigarista. Pode mesmo já ter sido condenado por corrupção. Por qualquer motivo, ainda está à solta e recandidata-se? Então, tem muitíssimas probabilidades de ser eleito.

Por que é que isto é assim? Haverá muitas razões, mas talvez seja possível resumi-las numa só palavra - caciquismo. Afinal, trata-se de uma antiga tradição que remonta aos tempos aparentemente longínquos da monarquia liberal e que os últimos trinta e tal anos de democracia ainda não conseguiram erradicar.

Uma relação de maior proximidade entre os poderes públicos e os cidadãos deveria ter desenvolvido nestes uma atitude de maior vigilância e atenção crítica. Pelo contrário, aquilo que vem ao de cima é a predisposição para uma postura reverencial e subserviente.

Estou a ser injusto? Mais do que ninguém, espero que os resultados de domingo desmintam totalmente tudo aquilo que escrevi. Em todo o caso, não se tomem as minhas palavras como uma manifestação de derrotismo. Faço minhas as palavras do rabi Tarphon, recolhidas em O que é a Sabedoria?, de Harold Bloom: “Não te é exigido que completes o trabalho, mas também não és livre de desistir dele”.

Se, no domingo, em alguns dos municípios portugueses contrariarem a tendência dominante para a reeleição dos caciques, então saberemos que algum “trabalho” já terá sido feito.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

VIVA O 5 DE OUTUBRO!


“Naquela noite, contra o costume, o sr. Augusto chegou cedo. Três dias tinha ficado fora de casa. Vinha pálido e fatigado, nem se tinha despido, com a barba crescida, mas radiante. Trazia uama mãocheia de schrapnell, duma granada que tinha explodido na lavandaria do Hotel, uma recordação do Cinco-de-Outubro.

Ficou acordado até muito tarde, a contar tudo à mulher, no quarto, à porta fechada. E pela primeira vez desde que o conheciam e amavam, os filhos o ouviram chorar como a uma criança. A dona Adélia falava-lhe com ternura, ria-se daquela emoção…

Então compreenderam que alguma coisa de grande a sério se passava: não era só festa, só vivas, só fogo-de-vista! E ficaram muito tempo calados, no escuro da noite, pensando no pai que chorava de alegria, até que o cansaço daquele primeiro dia da Vida Nova os venceu, e adormeceram.”


José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A propósito do
"Compromisso à esquerda. Apelo à estabilidade governamentiva"


Jenny Holzer, de Survival (1983-85)

Não sou, de forma alguma, um adepto do “quanto pior melhor”. Já afirmei neste blog que preferia um governo minoritário PS a um governo PSD-CDS. Defendi-o na convicção de que uma situação assim poderia abrir uma janela de oportunidades para a aprovação de medidas legislativas susceptíveis de corrigir, ainda que parcialmente, situações de pobreza e de injustiça social.

Mas tenho de confessar que a forma como decorreu a campanha eleitoral e os resultados que dela saíram me deixaram bastante céptico acerca da possibilidade de entendimentos entre o PS e os partidos à sua esquerda. Durante a campanha, o PS tomou o BE como alvo preferencial dos seus ataques e praticamente ignorou o CDS-PP. Agora, encontra-se em condições de obter maiorias parlamentares somando os votos dos seus deputados aos dos eleitos pelo partido de Paulo Portas, podendo dispensar em muitos casos os votos dos partidos à sua esquerda. E, na minha opinião, nada disso augura boas notícias.

Em Portugal, o “povo de esquerda” é maioritário. E ninguém mais do que eu gostaria de ver essa maioria sociológica traduzir-se numa efectiva maioria política. Entretanto, muito raramente isso tem sucedido desde o 25 de Abril e as responsabilidades disso estão, com certeza, divididas por todos os partidos que se reclamam da esquerda.

Assim, um apelo ao diálogo e à convergência das esquerdas só pode ser bem-vindo se o entendermos como um apelo a uma reflexão autocrítica que questione, nuns casos, o apego ao poder pelo poder, noutros, uma postura redutora de contrapoder. Nos primeiros, a ambição socialista é pura e simplesmente esquecida em nome de um pragmatismo rendido à lógica do capitalismo; nos outros, a possibilidade de reformas socialistas é adiada para um mítico tempo pós-revolucinário, constantemente deferida para uns longínquos “amanhãs que cantam”.

Apoiarei, portanto, qualquer iniciativa que possa contribuir para a discussão de um programa de esquerda susceptível de, aqui e agora, lançar as bases de uma sociedade mais justa. Contudo, isso não pode significar que se defenda a “estabilidade governativa” como um valor em si mesmo. Sobretudo, não se pode fazê-lo escamoteando as divergências concretas que dividem o PS dos partidos à sua esquerda. Antes de mais, é necessário ter a coragem de identificá-las e de tomar posição a seu propósito, sob pena deste "Apelo" se tornar numa vaga manifestação de sentimentos pusilânimes.

Vou referir a título de exemplo algumas questões muito concretas:
1) O Código do Trabalho. Aprovado pelo 1º governo de Sócrates e rejeitado pelo BE e pelo PCP. Quem deve ceder?
2) O subsídio de desemprego. Actualmente, 200.000 desempregados são excluídos dessa protecção. O PS está disposto a alterar as regras da sua atribuição ou o BE e o PCP devem conformar-se com a situação actual?
3) O direito à reforma por inteiro ao fim de 40 anos de descontos. O PS é contra, o BE e o PCP a favor. Em que ficamos?
4) As taxas moderadoras. Na AR, o PS chumbou há poucos meses uma proposta do BE para acabar com as taxas moderadores nos casos de cirurgia e internamento. Deve rever essa posição ou fica tudo na mesma?
5) A luta contra a corrupção e o enriquecimento ilícito. Medidas propostas neste sentido foram rejeitadas pelo anterior governo. Não há nada a fazer?

Muitos outros exemplos se poderiam seguir. Sobre cada um deles há que tomar posição. Defender que o BE ou o PCP podem sustentar um novo governo de José Sócrates sem questionar a orientação política da governação, só pode fazer sentido para quem gostaria de ver os partidos à esquerda do PS cometer suicídio na praça pública.

Durante mais de quatro anos, o PS governou à direita. Vai agora “manter o rumo”, como disse José Sócrates depois das europeias, ou está disponível para assumir uma nova orientação política? Para falar com toda a sinceridade, temo o pior. Os entendimentos de Sócrates com a direita parecem-me bem mais fáceis de alcançar. O CDS-PP exige a cabeça do ministro da agricultura, cortes no RSI, mais polícias na rua e a revisão das leis criminais… Porque não? O PSD quer reduzir a divida pública, desinvestindo na Saúde, na Educação e na Segurança Social… Mas não foi isso aquilo que o PS já fez na primeira fase da vida do governo anterior?

Vamos admitir que estou enganado. Veremos. A iniciativa cabe ao PS. Os apoios que o novo governo procurar na próxima legislatura serão esclarecedores acerca da orientação política que resolveu adoptar: “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.

P.S. O texto do referido "Apelo", que já conta com centenas de assinaturas de apoio, pode ser consultado em http://www.compromissoaesquerda.com/.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Braga 2009
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS

Está em marcha a campanha eleitoral autárquica em Braga.

Na passada 2ª feira, o Bloco de Esquerda, que apresenta candidaturasa lideradas por João Delgado para a Câmara e António Lima para a Assembleia Municipal, apresentou o seu Programa no Café Vianna. Os candidatos da coligação “Juntos por Braga” (PSD – CDS/PP – PPM), encabeçada por Ricardo Rio, foram apresentados num comício no grande auditório do Parque de Exposições. Mesquita Machado (PS), António Rodrigues Dias (CDU) e Miguel Brito (PT) são os outros candidatos com mais peso político no Concelho.

Hoje mesmo, pelas 20h, a RUM, organiza um debate entre eles. Sem surpresa, Mesquita Machado recusou a sua participação.

Nunca escondi neste blog a minha filiação no Bloco de Esquerda. Por outro lado, nunca o usei como veículo de propaganda das posições oficiais do partido a que pertenço. Sou o único responsável por tudo aquilo que tenho defendido. No entanto, no início de uma campanha eleitoral onde sou candidato (ainda que num modesto 11º lugar da lista para a Câmara), não podia deixar de me declarar aqui como parte interessada.

Posto isto, como é que encaro estas eleições? Em primeiro lugar, partilho com muitos bracarenses a vontade de nos vermos livres do nosso “Alberto João Jardim”. Depois, prevejo, como quase toda a gente, uma disputa renhida pela vitória entre Mesquita Machado e Ricardo Rio. Finalmente, considero que, numa disputa a dois, reeditaremos necessariamente uma maioria absoluta, faltando saber apenas quem a protagonizará.

Numa cidade onde, ao longo de mais de 30 anos, se foi entretecendo uma tão poderosa teia de interesses e cumplicidades entre a Câmara, certos construtores civis e especuladores imobiliários e os senhores do futebol, essa não me parece ser a melhor solução. Correríamos o risco de ter mais do mesmo, ainda que sob novas roupagens. A possibilidade de o evitar passa pela eleição de vereadores não alinhados com as duas grandes forças políticas concorrentes. E o candidato que não está alinhado com nenhuma delas e me parece mais bem colocado para garantir a sua eleição, garantindo uma maior transparência da política camarária, é o candidato do Bloco de Esquerda, João Delgado.

Em defesa desta minha opinião, gostava de recordar os resultados das recentes legislativas: PS – 39.362 votos, PSD+CDS/PP – 38.173 votos, BE – 10.632 votos, CDU – 6.747 votos. Bem sei que são eleições diferentes e que o eleitorado tem sabido reconhecer a sua especificidade. Contudo, dada a sua invulgar proximidade, não me parece que seja possível descartar por completo estes resultados.

Cada um lhes dará a importância que entender. Sei que a votação do BE nas legislativas, repindo-se nas autárquicas, garantiria a eleição de João Delgado, sei que é importante evitar um executivo camarário bicolor e uma nova maioria absoluta e reconheço-me no Programa apresentado pelo BE, cuja consulta está disponível em http://blocobraga2009.gmail,com/. Daí o meu compromisso e o meu apelo ao voto.