quarta-feira, 28 de julho de 2010

À sombra dum plátano

Depois dum post sobre “o que significa ser de direita?”, deveria seguir-se outro sobre “o que significa ser de esquerda?”. Mas, hoje, toda a minha inspiração se evaporou ao sol. Em vez dum árido texto político, ofereço aos meus leitores a doce sombra dum plátano.

Música de Handel (Xerxes), voz de Andreas Scholl.

Do poema de N. Minato (adapt. por S. Stampiglia):

Ombra mai fu
di vegetabili
cara ed amabile
soave più
.


Nunca a sombra de árvore alguma foi mais querida, mais doce, mais agradável.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O que significa ser de direita?

Há várias razões para ser de direita, mas, quase sempre, redundam numa posição conservadora: há ricos e pobres, poderosos e fracos, líderes e seguidores, mas as coisas são como são, sempre foram assim, é inútil e mesmo perverso pensar que possam ser doutra maneira.

Há pessoas que ocupam um lugar privilegiado na sociedade, o mesmo que era já ocupado pelos seus pais, pelos seus avós, etc. Quem pertence a uma dinastia de privilegiados sente o privilégio (e recorde-se que, numa sociedade capitalista, ele aparece sempre associado ao dinheiro) como um dom natural. E, portanto, pô-lo em causa é um acto contra-natura. Para estes direitistas, ser de esquerda só pode ser fruto da loucura. Um tipo sensato, bem formado, enfim, um sujeito normal, só pode ser de direita.

Há também quem seja de direita e “venha de baixo”, quem tenha “subido a pulso”. Estes apresentam outras razões para o seu direitismo. Por um lado, têm medo que a esquerda lhes subtraia aquilo que tanto lhes custou a conquistar, vivem no pânico de regressar às suas origens. Além disso, pensam que se conseguiram chegar onde chegaram, então qualquer um pode fazer o mesmo. Se não o fizerem será por preguiça, por desleixo, por intemperança – por estupidez. A pobreza é a pena justa que se paga por estes pecados. Pode acontecer que a crueza deste raciocínio seja temperada pela caridade. Aquilo que é intolerável é que os pecadores se assumam “de esquerda”, quer dizer, que, movidos pela inveja, se tornem ávidos dos bens que os justos foram capazes de reunir esforçadamente. Então, há que impedir que aquilo que revela da mais elementar justiça seja subvertido.

Há ainda quem seja de direita e seja “de baixo”. São aqueles que consideram que a única forma de melhorar as suas condições de existência depende da possibilidade de conquistar o favor dos poderosos. Não estão de todo enganados porque nenhuma elite social pode conservar o poder político sem o apoio da massa. E, portanto, os poderosos estão sempre dispostos a lançar alguns restos do seu banquete àqueles que os defendam. Os direitistas “de baixo” não só se contentam com isso, como se opõem a qualquer revolução social com medo de perder essas migalhas.

A relação entre estas classes sociais não está isenta de desconfiança. Há “famílias tradicionais” economicamente decadentes, saudosas de faustos passados que vivem humilhadas pelas necessidades presentes e famílias de “novos-ricos” que continuam a transportar consigo tiques comportamentais que denunciam a sua origem social. A convivência entre elas é muitas vezes assinalada por notas onde a inveja se mistura com o desprezo. Quanto aos “de baixo”, serão tanto mais queridos quanto mais respeitadores, obedientes e prestáveis, mas penalizados se não souberem “manter-se no seu lugar”,

Contudo, todos os direitistas, uns em nome dos privilégios naturalmente recebidos, outros em nome dos privilégios esforçadamente adquiridos, outros, ainda, em defesa dos pequenos ou grandes favores que souberam merecer dos poderosos, são defensores da Ordem. Ou seja, todos são contra todas as movimentações políticas e sociais que questionem a própria existência de privilegiados. Neste sentido, pode dizer-se que toda a direita é reaccionária.

sábado, 24 de julho de 2010

A banca portuguesa, a crise e o stress

As quatro instituições bancárias portuguesas (CGD, Millenium BCP, BES e BPI) submetidas aos testes de stress promovidos pelo BCE obtiveram resultados positivos.

São boas notícias. Se os resultados fossem negativos, isso traduzir-se-ia numa maior dificuldade de acesso ao crédito interbancário e, portanto, num agravamento das condições de acesso ao crédito pelas famílias e pelos investidores nacionais que recorrem aos maiores bancos portugueses. Logo, num travão ao crescimento económico com consequências inevitáveis em termos de desemprego.

Por outro lado, a boa saúde da banca obriga-nos a questionar os benefícios fiscais de que tem beneficiado. Como se justifica que um pequeno ou médio empresário, muitas vezes duramente afectado pela crise, pague uma taxa de IRC muito superior àquela que pagam estes saudáveis bancos portugueses?

Ninguém quer mais casos BPN e BPP. A solidez das nossas mais importantes instituições bancárias é uma boa notícia. Porém, importa que não o seja apenas para os seus administradores e accionistas, mas que tal facto encontre reflexos visíveis no desenvolvimento económico do país, no equilíbrio das finanças públicas e no bem-estar das pessoas.

Doutra forma, as principais instituições bancárias passarão nos testes de stress, nós é que reprovaremos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A revisão constitucional
Entre o neoliberalismo e a defesa do Estado social

“É necessário libertar a Constituição da sua carga ideológica”. Esta é uma afirmação recorrente no discurso dos partidos da direita em tempos de revisão constitucional. Passo mentalmente em revista várias Constituições. A Constituição liberal de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a Constituição setembrista de 1838, o Acto Adicional de 1852, a Constituição republicana de 1911, a Constituição de 1933 que institui o Estado Novo... Não encontro nenhum exemplo despido de “carga ideológica”. Todas reflectem o corpo de ideias dominantes no seu tempo e nenhuma estipula regras gerais supostamente independentes da correlação política de forças existente na época em que vigoraram. De facto, todas elas surgiram na sequência de revoluções, guerras civis, golpes de Estado, e foram a expressão legal das mudanças originadas por actos de força que deixaram no campo da luta política vencedores e vencidos. A neutralidade dum texto constitucional é uma ficção.

A Constituição de 1976 não é excepção. Aprovada pelo PS, pelo PPD e pelo PCP, exprime, sem dúvida, o “espírito do tempo” ao definir a sociedade portuguesa como uma democracia política, económica, social e cultural, a caminho do socialismo.

Evidentemente, o conceito de “socialismo”, não tinha para todos aqueles partidos o mesmo significado. O PCP defendia que, em Portugal, era impossível a consolidação duma democracia do tipo ocidental e a Constituição lançava as bases do que poderia ser uma “democracia avançada” que, apesar do desmentidos de Cunhal (“Olhe que não! Olhe que não!”) tanto o PS como o PSD associavam às “democracias populares” do Leste. Para estes partidos, “socialismo” era sinónimo de social-democracia.

A Constituição foi aprovada já depois do 25 de Novembro. O PCP encontrava-se isolado, numa posição defensiva dificilmente sustentável e as revisões constitucionais que se seguiram trataram de eliminar todas as dúvidas. Acabou-se com o Pacto MFA-Partidos e com o Conselho da Revolução e a irreversibilidade das chamadas “conquistas da revolução” (as nacionalizações, a reforma agrária) acabou por ser expurgada do texto constitucional.

A Constituição passou claramente a exprimir a vitória daqueles que entendiam a democracia nos moldes dos regimes dominantes na Europa Ocidental. Contudo, a vertente social-democrata manteve-se, por exemplo, na definição dum SNS universal e tendencialmente gratuito.

É precisamente isso que agora se questiona com a proposta de revisão constitucional avançada pela equipa de Passos Coelho que põe em causa o princípio da universalidade e da gratuitidade do ensino e da saúde públicas.

Sempre em nome da desideologização do texto constitucional, o PSD, que já foi socialista e social-democrata, apresenta-se agora como neoliberal. Não estará a interpretar correctamente o novo “espírito da época”? Uma revisão constitucional exige 2/3 dos votos dos deputados da AR. A resposta está, portanto, nas mãos do PS que, até agora, se tem desmultiplicado em afirmações de repúdio das propostas de Passos Coelho.

Contudo, todos nós sabemos que aquilo que não pode entrar pela porta da frente, acaba muitas vezes por entrar pela das traseiras. Nos últimos anos, com um progressivo aumento das propinas, verificamos que a frequência do ensino superior se encontra cada vez mais condicionada por factores de ordem económica. No ensino básico e secundário, à degradação da qualidade do ensino público tem correspondido o reforço do ensino privado, reservado a uma elite económica e social. Na Saúde, multiplicaram-se as Parcerias Público-Privadas, as taxas moderadoras e tem crescido a percentagem dos portugueses que, seduzidos pelas deduções em sede de IRS, cansados das listas de espera e procurando um maior conforto em situações de doença, estão a ser empurrados para contratos com seguradoras associadas a clínicas privadas, com benefícios clínicos muito duvidosos.

As propostas de Passos Coelho não introduzem novidades absolutas, mas limitam-se a radicalizar uma tendência que se tem afirmado nos últimos anos e com a qual o PS tem estado comprometido. Compete à esquerda assumir uma defesa intransigente do Estado social, rejeitando quaisquer medidas que visem a descapitalização e desvalorização de serviços públicos fundamentais, remetendo-os para uma função assistencial reservada aos sectores mais pobres da população. Se o souber fazer, talvez o PSD tenha perdido aqui a possibilidade de regressar ao poder com uma maioria absoluta que parecia ir cair-lhe no colo.

sábado, 17 de julho de 2010

As jornadas parlamentares do PSD

Ernâni Lopes, Campos e Cunha e Villaverde Cabral foram convidados para apresentar comunicações nas jornadas parlamentares do PSD. Convites que se entendem não só por causa da habitual presença mediática destas personalidades, mas também pelo facto de todas elas poderem influenciar um sector do eleitorado que poderá estar mais próximo do PS. Recorde-se que os dois primeiros foram já ministros de governos liderados por Mário Soares e José Sócrates.

Será interessante determo-nos um pouco na qualidade das comunicações apresentadas.

Ernâni Lopes propôs uma redução de 10, 15 ou 20% no ordenado dos funcionários públicos. Tal deveria ser feito "a cru", quer dizer, sem perder tempo a dar explicações aos eleitores. A sua opinião seria desprezível diante da competência dos técnicos. Contudo, a incerteza dos números revela o cuidado posto na elaboração duma proposta que, a ser executada, faria regressar os salários da função pública aos valores da década anterior...

Campos e Cunha propôs que, em eleições legislativas, os votos brancos passassem a eleger na Assembleia da República lugares vazios. Se tivesse perdido dez minutos a fazer contas, saberia que essa proposta se traduziria, dados os resultados das últimas eleições, na “eleição” de uma única cadeira vazia pelo círculo de Lisboa. As consequências práticas duma tão grande mudança na composição da AR seriam zero. Fica, no entanto, no ar mais uma achega para a demagogia anti-partidos com que alguns iluminados nos têm brindado.

Villaverde Cabral considerou que o PSD se deveria afirmar claramente como apresentando uma moção de censura na AR. Para derrubar o Governo? Nem por isso. Antes para entalar o BE e o PCP que, para evitar eleições antecipadas, teriam, na sua opinião, de sair em socorro do PS.

Extraordinárias jornadas parlamentares! O desprezo pela vontade do eleitorado, a desvalorização do trabalho dos deputados e a politiquice barata é tudo o que aquelas sumidades têm a propor? E nós, o que é que podemos esperar dum partido que convoca todos os seus deputados para ouvir conselhos destes?

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Interesse nacional, golden shares e privatizações

O governo utilizou os poderes de bloqueio que lhe são conferidos pelas suas golden shares para impedir a venda da participação da PT na Vivo à Telefónica. Estava em causa a defesa do “interesse nacional”. Ou seja, estamos na presença dum acto que parte do pressuposto de que o interesse nacional não se confunde necessariamente com o interesse de cada um dos investidores privados.

Concordo absolutamente. O caso da Vivo mostra-nos que o que é bom para o BES ou para a Ongoing pode não ser bom para Portugal. Contudo, a medida tomada pelo governo contraria, ao que parece, a legislação europeia acerca da liberdade de circulação de capitais. Sendo assim, o interesse nacional só pode se defendido se o Estado português mantiver uma participação maioritária no capital das empresas com uma importância estratégica.

Então, como justificar que o mesmo governo que desconfia da capacidade dos privados para defender os interesses nacionais no caso da PT, se prepare para a privatização total da GALP, da EDP, da ANA e da REN?

José Sócrates acusa a Comissão Europeia de neoliberalismo no caso do direito do governo português usar os poderes que lhe são conferidos pelas suas golden shares na PT. Mas Teixeira dos Santos já veio dizer que o Estado português não reservará para si quaisquer golden shares nas empresas que pretende agora privatizar, embora seja difícil negar a sua importância estratégica.

Onde ficamos, portanto? Para a esquerda, quando há oposição entre o interesse privado e o interesse público, cabe ao Estado garantir que prevaleça este último. Para Passos Coelho, não podemos contrapor o interesse nacional ao livre funcionamento do mercado. Para o neoliberalismo, aquilo a que chamamos “interesse nacional” não é outra coisa senão o que resulta da livre afirmação dos interesses privados, pelo que o Estado não deve restringir ao mínimo qualquer intervenção na área da actividade económica. E para o governo? Pelos, vistos, umas vezes dá no cravo, outras, quase sempre, na ferradura.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Quo vadis António José Seguro?

Na minha opinião, um PS de esquerda faz falta à Esquerda. Muitos considerarão que alimento ilusões ao considerar essa hipótese. É possível. Mas não alimentam outra coisa, os que pensam que o BE ou o PCP se poderão assumir um dia como protagonistas da governação sem o PS. A única diferença está no facto das minhas “ilusões” poderem ser verificadas no curto ou no médio prazo, enquanto que aqueles que sonham com as revoluções que ocorrerão daqui a cem anos então já não estarão cá para responder pela vanidade das suas.

Tudo isto a propósito do artigo de António José Seguro, “Quo vadis Europa?”, publicado no Expresso do último sábado. Na sua opinião, não temos necessariamente que escolher entre uma política de controlo das contas públicas e uma de incentivos ao crescimento económico: “A solução (…) está na execução controlada de ambas as políticas e no seu doseamento, obedecendo a critérios de qualidade (tanto do lado da despesa, como no lado do investimento) em função das realidades concretas de cada país ou região”. E acrescenta mais adiante: “O que me preocupa é que [na cimeira do G20] a União Europeia colocou-se atrás da Alemanha, alinhando pela pauta das políticas de austeridade e abandonando a necessidade de estímulos à economia e ao emprego”. E pergunta: “A quem devemos pedir contas por esta opção? Foi estabelecida por um órgão democrático? Quem governa a Europa? Os representantes dos cidadãos ou dos credores?”

Subscrevo inteiramente as suas opiniões, as suas preocupações e faço minhas a questões que coloca.

Apenas coloco mais algumas: concorda AJS com as políticas de austeridade que o governo do PS tem assumido? Não lhe parece que essas políticas contrariam a possibilidade do crescimento económico e favorecem o aumento do desemprego e a pobreza crescente? Não haverá, quer do ponto de vista da diminuição da despesa pública, como do aumento das receitas, medidas alternativas? E não será que algumas dessas medidas têm vindo a ser sistematicamente “esquecidas” apenas porque iriam ferir os interesses dos mais ricos e poderosos ou, simplesmente, das clientelas partidárias, nomeadamente do PS e do PSD, que se abrigam sob o chapéu de chuva do Estado? Ou será que é simplesmente mais fácil atirar sobre “os suspeitos do costume” todos os custos da crise?

“Não há tempo a perder. Temos de fazer opções claras”, diz-nos AJS. Opções claras quanto à orientação da política económica da União Europeia, diz ele. Com certeza. Mas também opções claras quanto à orientação da política económica do governo português, digo eu.

domingo, 4 de julho de 2010

O Mundial e eu

Como todos aqueles que gostam de futebol, sou incapaz de me interessar por um jogo sem tomar partido por uma das equipas. Assim, depois da eliminação de Portugal, torci pelo Brasil contra a Holanda (e a Holanda ganhou), fui pelo Gana contra o Uruguai (ganhou o Uruguai) e pela Argentina contra a Alemanha (e ganhou a Alemanha). Agora resta-me esperar que a Espanha consiga vencer a Alemanha. O que, atendendo ao meu currículo nestas matérias, não prenuncia nada de bom para os nuestros hermanos.

sábado, 3 de julho de 2010

O PSD e a revisão constitucional

O PSD comprometeu-se a entregar até meados de Setembro o seu projecto de revisão constitucional. Entretanto Paulo Teixeira Pinto, em declarações ao Público (2-7-10) adiantou que não constarão desse projecto alterações que ponham em causa o princípio da representação proporcional da Assembleia da República, embora admita alterações à lei eleitoral. Da mesma forma, a revisão da lei fundamental proposta pelo PSD não deverá incluir alterações que favoreçam a liberalização dos despedimentos. Note-se que isso não exclui essa possibilidade, mas revela apenas que ela poderá ser assumida no quadro da revisão das leis laborais.

Por outro lado, esperam-se propostas de mudanças significativas ao nível da definição de serviço público nos domínios da educação e da saúde, deixando de estar garantida, como estipula a Constituição vigente, a sua universalidade e o seu carácer tendencialmente gratuito. Entretanto, em entrevista dada ao Expresso (3-7-10), Freitas do Amaral desmarcou-se de Passos Coelho que considerou ser “demasiado neoliberal”.

O governo de José Sócrates tem os dias contados. Resta saber para onde vão os votos daqueles que estão desiludidos com o PS.
Assistência médica e Seguros de Saúde
Uma adenda ao post anterior

Sabemos todos aquilo que se diz dos Bancos: emprestam-nos um guarda-chuva quando está bom tempo, mas apressam-se a vir buscá-lo se começa a chover. Com os Seguros de Saúde as coisas não são muito diferentes. Se somos saudáveis, não há problema, mas se estamos doentes, então as coisas complicam-se.

Cansados do tempo muitas vezes excessivo de espera por uma primeira consulta ou por uma cirurgia com que, por vezes, se deparam no SNS e desejando um atendimento mais rápido, personalizado e atencioso, muitas pessoas têm contratualizado Seguros de Saúde que lhes deviam garantir o acesso à assistência médica em clínicas privadas.

Acontece que, como seria de esperar, essas clínicas têm como móbil o lucro e, portanto, além de serem caras, não garantem tratamentos mais especializados que envolvam investimentos mal compensados por uma procura relativamente reduzida.

O binómio saúde pública / lucros privados é muitas vezes incompatível e isso reflecte-se também na política das seguradores que vendem seguros de saúde. A DECO analisou 77 planos de 20 companhias de seguros e nenhum deles lhe mereceu a classificação de “escolha acertada”. “Parece ser desumano”, afirma a Pro Teste, “revelar a um consumidor que a maioria dos planos que a maioria dos planos de saúde comercializados por cá são de pouca qualidade e um investimento com pouco retorno”.

E prossegue denunciando cláusulas abusivas que permitem às seguradoras subir os prémios dos seguros sem aviso prévio dos seus clientes ou que, em caso de denúncia do contracto, impedem que estes suspendam os pagamentos que fazem mensalmente por transferência bancária, até ao fim do ano civil.

Mas se exigem muito, oferecem pouco. Predomina uma política de exclusões que deixa de fora idosos ou pessoas com uma história pessoal de doenças. Para isso, chega-se mesmo a invadir o direito dos candidatos à sua privacidade, exigindo-se saber se já fez testes da Sida ou desintoxicações (caso dos Seguros Victória), se fez exames de fertilidade (Allianz) ou se os pais morreram de doença grave (Medis).

Com todos os defeitos que se lhe possam apontar, só o SNS está em condições de garantir uma assistência médica universal e de qualidade. É por isso que as suas falhas devem ser corrigidas, o que não é incompatível com uma maior racionalização dos serviços susceptível de reduzir gastos inúteis. Mas é com certeza incompatível com uma política cega de desinvestimento no sector público da saúde em benefício de privados que colocam o lucro como prioridade determinante da sua actividade.