NOS 39 ANOS DA FUNDAÇÃO DO PS
Num artigo publicado no Público (20-4-12), Francisco Assis
socorre-se de Norberto Bobbio para distinguir, a partir da oposição esquerda/direita,
as principais correntes políticas contemporâneas. Para Bobbio, tanto à esquerda
como à direita se manifestam orientações autoritárias e democráticas, ou na
linguagem de Assis, “extremistas” e “moderadas”.
Assim (e passo a citá-lo), “os
extremistas tinham em comum o desprezo pelo valor da liberdade – uns, à
direita, desvalorizam-na em função do culto da ordem e da tradição entendido
numa perspectiva autoritária; outros, à esquerda ignoravam-na em nome de um
igualitarismo radical. A estas duas posições opunham-se as respectivas versões
moderadas, que se identificavam no apego ao respeito pela liberdade como
alicerce estruturante das sociedades contemporâneas. Para Bobbio, o que
distinguia a direita e a esquerda moderadas era a forma como se relacionavam
com a noção de igualdade – para a direita esta restringia-se a uma dimensão
meramente formal, para a esquerda expandia-se para um plano substancial”.
Começo por dizer que estou, no
fundamental, de acordo com a classificação de Bobbio, embora tenha reservas
acerca da utilização que Francisco Assis faz de termos um tanto ambíguos como
“extremista” e “moderado” e pense que seria útil que, no resto do seu artigo,
concretizasse o que entende por uma igualdade “substancial”.
Posto isto, e comemorando-se agora os
39 anos do PS, parece-me que seria útil fazer ao abrigo destas ideias um
balanço global da acção do partido a que Francisco Assis pertence.
Do ponto de vista da defesa da
liberdade, não tenho dúvidas em reconhecer na história do PS um balanço
globalmente positivo. O Partido fundado por Mário Soares bateu-se contra o
fascismo e contra a ameaça de uma deriva autoritária do regime criado pelo 25
de Abril, e saiu vitorioso desses combates.
Quanto à redução das desigualdades,
devemos-lhe também alguns contributos positivos, como o da criação do SNS, em
1979, que garante o acesso aos serviços públicos de saúde de todos os cidadãos
independentemente da sua capacidade contributiva, bem como a comparticipação
pública das suas despesas com medicamentos.
No entanto, depois de ter estado sete
vezes à frente do governo, com Mário Soares (por três vezes, num total de
quatro anos e um mês), António Guterres (dois governos, num total de seis anos
e seis meses) e José Sócrates (dois governos, num total de cinco anos e nove
meses), o balanço que podemos fazer está longe de ser positivo: segundo um
Relatório Sobre a Situação
Social na União Europeia, Portugal era, em 2009, é o país da União Europeia
onde a distribuição de rendimentos era mais desigual, sendo a parcela auferida
pelos 20 por cento da
população com rendimentos mais elevados sete vezes superior à auferida pelos 20
por cento da população com rendimentos mais baixos.
Além disso, o Relatório da União Europeia sublinha o peso da
“lotaria social” (John Rawls) na distribuição de rendimentos no nosso país: em
Portugal, quando se nasce no seio de uma família de classe social mais desfavorecida,
dificilmente se sai dela. Uma criança, filha de um casal com empregos pouco
qualificados e mal remunerados, tem 50% de probabilidades de vir a ser um
adulto com essa mesma condição. O núcleo familiar no qual se insere o indivíduo
condiciona fortemente quer a sua qualificação profissional quer a literária
levando à manutenção da mesma classe social dos progenitores, na medida em que
delimita a ascensão social.
Outros estudos, promovidos por
investigadores do ISEG e do ISCTE, confirmam, no essencial, estas conclusões. Um
estudo do Observatório das Desigualdades, referente ao mesmo período,
mostra-nos um quadro comparativo da situação dos 27 países da EU, onde se
verifica ser Portugal o país onde os mais ricos detêm uma maior percentagem do
rendimento monetário por adulto: os 20% mais ricos detinham 42%, os 10% mais
ricos, 28%, e os 5% mais ricos, 18%. Entretanto, cerca de 1/5 da população
portuguesa vive com um rendimento mensal inferior a 360 euros por mês.
Muito provavelmente, nos últimos três
anos, as medidas de austeridade promovidas pelo 2º governo de José Sócrates e
pelo actual governo de Passos Coelho (muitas vezes, com a aceitação benevolente
do PS, manietado pelo acordo com a Troika),
congelando salários, reduzindo subvenções sociais, aumentando impostos fazendo
crescer o desemprego, agravaram consideravelmente a situação descrita.
Sendo assim, e uma vez que aquilo que
distingue a direita e a esquerda democráticas é a ênfase posta na questão da
igualdade, então somos obrigados a concluir que a presença do PS em diferentes
governos, ao longo destes últimos 36 anos terá contribuído minimamente para que
esse objectivo fosse alcançado.
Dir-me-ão que o PSD esteve ainda mais
anos no poder que o PS. É verdade. Mas, sem prejuízo de uma análise mais fina
que nos informe acerca da evolução das desigualdades económicas e sociais, nos
diferentes ciclos da governação, não podemos deixar de constatar que existem
países na União Europeia onde a presença de partidos socialistas e
social-democratas no governo teve um peso muito menor e que, no entanto,
apresentam índices de desigualdade social melhores do que aqueles que se
verificam em Portugal. Continua, pois, de pé a pergunta: Que balanço fazemos de
dezasseis anos de governos liderados pelo PS?
Agora que comemoram os 39 anos da fundação do Partido, seria bom que os
socialistas meditassem sobre esta realidade, se interrogassem acerca das suas
responsabilidades e soubessem tirar daí algumas lições para o futuro.