quinta-feira, 24 de março de 2011

Uma vitória amarga

O resultado da votação das resoluções apresentadas pelos partidos da oposição acerca do PEC 4 não deixou ninguém surpreendido. O governo minoritário e anti-popular de José Sócrates tinha, há muito tempo, os dias contados. A sua queda era uma fatalidade, apenas não se sabia ainda o “quando” e “como” isso se daria. O PEC 4 foi o pretexto que faltava.

Não será necessário repetir que nunca apoiei a sua política, dividida entre a submissão acrítica ao ditado dos mercados financeiros e a dependência de clientelas partidárias de uma voracidade espantosa. De PEC em PEC, o governo fez uma opção: sacrificou tudo (o crescimento económico, o combate ao desemprego, as políticas sociais) ao equilíbrio das contas públicas. Os resultados estão à vista: mais recessão, mais desemprego, mais pobreza – e uma subida constante dos juros da dívida pública. A situação financeira do país é mais grave hoje do que quando se iniciou a luta contra o défice nos termos em que Sócrates a conduziu.

Então, por que é que não me sinto feliz com a queda do governo? Porque estou convencido que, das eleições antecipadas, resultará uma maioria PSD – CDS. Ora, foi pela mão do PSD que foram viabilizados os PEC’s 1, 2 e 3. Aquilo que se vai seguir é mais do mesmo, talvez pior, dadas as convicções assumidamente neoliberais de Passos Coelho e o provável agravamento das condições de financiamento da dívida soberana portuguesa.

Nestas circunstâncias, à derrota de José Sócrates soma-se a derrota dos partidos à sua esquerda. É claro que tanto o BE como o PCP poderão beneficiar com o descalabro que espera o PS nas próximas eleições. Simplesmente, será significativo em termos políticos que os seus respectivos grupos parlamentares cresçam mais três ou quatro deputados, num contexto de formação de um governo maioritário de direita teleguiado pelo FMI?

Há limites para o crescimento e para a influência política de uma “esquerda de protesto”. Enquanto não for construída uma alternativa de esquerda capaz de disputar a governação do país, qualquer crise política saldar-se-á necessariamente por um agravamento da condição dos trabalhadores e do país. E essa alternativa nunca será construída enquanto que cada uma das partes continuar a pensar que qualquer projecto de convergência terá que passar necessariamente pela rendição de todas as outras às opções políticas que ela própria defende.

domingo, 13 de março de 2011

Geração “à rasca”, desemprego e precariedade laboral


Das propostas da direita à necessidade de construção de uma alternativa de esquerda


Centenas de milhares de pessoas reuniram-se ontem em todos o país em enormes manifestações de descontentamento colectivo. Na linha da frente estiveram os jovens, em grande parte com qualificações académicas muito acima da média nacional, atirados para o desemprego ou condenados ao trabalho precário, privados de direitos sociais e pagos ao preço da chuva. Jovens na casa dos 20-30 anos, obrigados a viverem em casa dos pais, impedidos de constituir a sua própria família, privados de um futuro que lhes garanta condições mínimas de independência, segurança e auto-realização – jovens de uma geração “à rasca”.

O alvo do protesto era o governo. Mas, a natureza semi-espontânea das manifestações, a ausência de um caderno reivindicativo e de propostas claramente formuladas, permitiu que fossem, aqui e ali, ensaiados aproveitamentos políticos contrários aos interesses e aos sentimentos da esmagadora maioria dos participantes.

Em última análise, as grandes questões são as seguintes: esta situação resulta de uma fatalidade “moderna” ou de opções políticas determinadas? E, neste caso, como pode ser ultrapassada?

Muitos comentadores encartados da nossa comunicação social pronunciam-se desde logo pela primeira hipótese: empregos estáveis são coisa do passado, os tempos são outros e a flexibilidade laboral é inevitável. Se isto fosse verdade, então, na Europa, Portugal estaria na vanguarda da “modernidade”, uma vez que só na Polónia é maior a percentagem de trabalhadores precários. Estupidamente, os jovens portugueses ainda não se aperceberam das vantagens da sua situação e preferem emigrar para países mais “atrasados”, como a Inglaterra ou a Alemanha.

Outros dão-nos como exemplo os EUA, onde as leis laborais facilitam o despedimento. Contrata-se mais depressa quando se sabe que se pode despedir mais facilmente. Mas, neste caso, ficam por explicar os mais de dez milhões de desempregados actualmente existentes nos EUA, representando perto de 10% da população activa.

Além disso, afirmam-nos que se em Portugal fosse mais fácil despedir, os empregadores não recorreriam tão insistentemente aos “recibos verdes” e aos contratos a prazo. Acontece que, num contexto de elevadas taxas de desemprego, o trabalho precário se traduz necessariamente em baixíssimos salários, uma vez que a lei da oferta e da procura passa a funcionar sem quaisquer entraves administrativos. O trabalhador precário vê os seus direitos reivindicativos (o direito de recorrer à greve, por exemplo) praticamente eliminados, pois sabe que, a qualquer momento pode ser substituído por alguém que, condenado ao desemprego, se sujeitará a trabalhar nas condições que ele próprio considera serem inaceitáveis. Ora, não me parece que os empresários portugueses, de há muito viciados na estratégia de obter lucros à custa de baixos salários, queiram abdicar destas vantagens.

Assim, aqueles que defendem que a luta contra a precariedade implica uma maior flexibilização laboral, ou seja aqueles que querem explorar sentimentos primários de inveja e situar a luta dos precários no quadro de um conflito inter-geracional, no fundo não querem senão lançar todos os trabalhadores, novos ou velhos, no abismo da precariedade.

O governo sai ferido de morte destas manifestações massivas de descontentamento e o PSD prepara-se para o substituir no poder. Portanto, não pode perder os votos da geração “à rasca” e tenta colar-se ao seu descontentamento. Mas o seu programa de combate à precariedade apenas promete mais precariedade.

O desemprego só diminuirá com o crescimento económico e isso é incompatível com políticas de austeridade que provocam a recessão que têm vindo a ser aplicadas pelo Governo com a cumplicidade do PSD. A precariedade só pode ser combatida pondo em causa os interesses daqueles que ganham com os baixos salários. A competitividade da economia portuguesa deve apoiar-se em trabalho qualificado e não no subaproveitamento de jovens que “têm de estudar para poder ser escravos”.

Se do governo de José Sócrates já nada se pode esperar, do de Passos Coelho só se pode esperar mais do mesmo. Enquanto forem estas as alternativas disponíveis o futuro será sempre desanimador.

As manifestações de descontentamento que ocorreram no dia de ontem mostram-nos que ainda estamos vivos, que somos capazes de nos indignarmos e de exigir um mundo melhor. Mas devem também alertar-nos contra as limitações de uma revolta que se fica pelo protesto.

Da geração “à rasca” espera-se, agora que nos dê um contributo positivo na superação do impasse em que nos encontramos. Esperam-se propostas políticas que interroguem as certezas inquestionáveis das esquerdas portuguesas, que abalem o seu sectarismo congénito e que contribuam, finalmente, para o estabelecimento de consensos alargados sobre os quais se possa erguer um programa de governo alternativo e credível. Ou seja: exequível no curto prazo, pois, como dizia Keynes, a longo prazo já não estaremos aqui.