terça-feira, 28 de dezembro de 2010

“I Know not what tomorrow will bring”

O ano de 2011 vai iniciar-se sob um céu carregado de ameaças. Arrisco algumas previsões:
1) Cavaco Silva é reeleito Presidente da República.
2) O novo PR invoca o falhanço do governo no combate ao défice público e dissolve a Assembleia da República.
3) O PSD vence as eleições legislativas. Passos Coelho é o novo 1º ministro.
4) Portugal recorre ao FMI e agravam-se as políticas de austeridade – a recessão económica continua e o desemprego não pára de crescer.
5) O governo responsabiliza “o peso de Estado Social” nas contas públicas pela situação existente e põe em marcha o programa de “mudança” (desmantelamento do Estado-providência) que tinha já anunciado.
6) O fosso entre ricos e pobres não cessa de se alargar e aumenta o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza.
É possível evitar o cumprimento destas previsões? É. Como? Comece-se pelo princípio: importa que Cavaco Silva não seja reeleito.
A vitória de Manuel Alegre nas Presidenciais não é a solução mágica para todos os problemas, mas pode ser um primeiro passo da luta que todos teremos que travar para que não se cumpram aquelas negras previsões.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As Presidenciais, o voto de Passos Coelho e o meu

Já todos sabemos que, nas próximas eleições, Passos Coelho apoia Cavaco Silva. Numa reunião recente com militantes do seu Partido teve a bondade de nos explicar porquê. Já viram, disse ele, o que seria um governo do PSD, com um ambicioso projecto de mudança para o país, estando Manuel Alegre na Presidência?
De facto, isso poderia comprometer a “mudança”. Ou seja, a revisão do Código de Trabalho para facilitar despedimentos sem justa causa, a descapitalização do Serviço Nacional de Saúde e a sua transformação num regime de assistência médica para os mais pobres, o desinvestimento no Ensino Público a favor do ensino privado.
De facto, Manuel Alegre já afirmou que, na Presidência, vetaria quaisquer leis que fossem nesse sentido.
Portanto, Passos Coelho tem razão em votar Cavaco. Pelas mesmas razões, eu não hesitarei em votar Alegre.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sugestões para o Natal

No Natal oferecem-se e recebem-se presentes. Oferecer um presente é um pouco como conversar. Quando conversamos, trocamos ideias, damos algo de nós, recebemos algo dos outros. É por isso que é mais interessante conversar com alguém que tenha experiências diferentes das nossas (alguém que tenha qualquer coisa para nos ensinar), mas não com uma pessoa que seja tão diferente, com interesses tão diversos, que só tenha para nos oferecer aquilo que não nos interessa e não queira receber nada do que lhe poderíamos dar.
Conclusão: oferecer um presente a um desconhecido é uma impossibilidade. Mas como o Natal impõe que se dê “qualquer coisa” a certas pessoas que que, afinal, mal conhecemos, há todo um comércio de futilidades (chamam-se “lembranças”) que prospera nesta quadra.
Entretanto, estamos em época de “apertar o cinto” e talvez seja esta uma boa altura de que cada um definir bem os seus critérios. Dar o quê e a quem?
Os jornais estão cheios de sugestões. Arrisco-me a seguir-lhes o exemplo, partindo do princípio de que um blog é um espaço de partilha de opiniões e gostos entre pessoas com alguns interesses comuns.
Assim, aqui vai a minha proposta de uma pequena (e relativamente barata) lista de compras:
Livros (ficção): John Le Carré, Um Traidor dos Nossos, Publicações Dom Quixote. Livros (ensaio): Tony Judt, Um Ensaio sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, Edições 70. Cinema (DVD): Roberto Rosselini, Alemanha, Ano Zero ou Luis Buñuel, O Anjo Exterminador. Música (CD): Andreas Scholl, O solitude, Songs and Arias by Henry Purcell, Decca. Artes Plásticas (catálogo da exposição): Às artes, cidadãos, Museu Nacional de Arte Contemporânea (Fundação de Serralves).
Qual é a coerência destas escolhas? Em primeiro lugar, quem tem tido a paciência de seguir este blog, não desconhecerá o meu apreço pelos autores citados. Obras de todos eles já foram objecto de textos aqui publicados. A relação entra arte e política é um tema que me é caro e que, também, já foi por cá abordado mais do que uma vez. E, na idade em que estou, para o bem ou para o mal, os meus interesses, gostos e preconceitos, tendem a estabilizar-se. Além disso, a formiga de esopo é um blog político e esse é o denominador comum desta selecção.
Enfim, isto será menos evidente para o último CD de Andreas Scholl. Mas, sabendo que os meus amigos “de direita” me consideram um esquerdista e os meus amigos “de esquerda”, um direitista, como podia eu resistir a sugerir um CD que inclui essa belíssima canção de Purcell que se chama O solitude, my sweetest choice? E ainda por cima se ela é cantada pelo melhor contratenor dos nossos tempos?
E já agora, para quem ainda não o conhece: recuem até aos posts publicados em Julho deste ano e vão encontrar aí À sombra de um plátano. Ficam a conhecer Andreas Scholl (Ombra mai fu) e aproveitam para recordar o calor desses dias, que nos parece quase inacreditável nos tempos frios que correm. Ao fim e ao cabo, uma sensação algo parecida com aquela que experimentamos quando lemos o livro de Tony Judt…

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem é esta gente que nos governa?

Depois da publicação das notícias do El País, elaboradas a partir de telegramas diplomáticos enviados pela Embaixada do EUA em Lisboa para o Departamento do Estado e que foram parar ao WikiLeaks, há algumas perguntas que qualquer português decente não pode deixar de fazer:
1) O que valem os direitos humanos para José Sócrates e Luís Amado?
2) O que vale a Assembleia da República?
Sobre a primeira questão, a resposta será: Muito pouco, uma vez que se dispuseram a autorizar a escala nos Açores de voos que transportavam seres humanos presos em Guantánamo, sem culpa formada nem autorização de nomear advogado de defesa, para centros de detenção clandestinos, em diferentes países do mundo, para aí serem submetidos a actos de tortura.
Sobre a segunda, a resposta não será muito diferente: A AR, diante da qual o governo deve prestar contas pelos seus actos, é um “sítio” onde, sem quaisquer problemas, esta gente está disposta a mentir, afirmando desconhecer aquilo que só se fez por sua expressa autorização.
Só há uma forma da vergonha que cobre estes procedimentos não ser extensível a todos os partidos aí representados – façam-nos o favor de despedir esta gente sem princípios e sem escrúpulos. Lembrem-se: governam porque ganharam as eleições, governam em nosso nome! Até quando?
(O pedido é extensível a todos os deputados do PS com vergonha na cara. Sigam o exemplo da Ana “Rotweiller” Gomes, para, mais tarde, possam afirmar com justiça: Dixi et salvavi animam meam.)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Contas em dia

Problemas de saúde – sem gravidade de maior, mas suficientemente aborrecidos – afastaram-me do computador durante uns dias e, agora, que regresso ao activo, confronto-me com muito trabalho de casa que ficou por fazer. Como nem todos perderam tempo, saúdo-os por isso e aproveito desde já para recomendar, por exemplo, as crónicas de Rui Tavares no Público (ruitavares.net) onde se podem ler excelentes artigos sobre o caso wikiLeaks ou post "Aniquilar por fases" de Filipe Tourais (paisdoburro.blogspot.com) sobre essa extraordinária medida que o governo se prepara para aprovar e que consiste em usar os nossos impostos para criar um fundo que substitua os patrões no pagamento das indemnizações devidas por despedimento.
Vou deter-me apenas na entrevista de Daniel Bessa ao Público do dia 9-12-10 e que poder ser facilmente encontrada pesquisando “Daniel, Bessa, o Estado social está a aniquilar a economia”. Nessa entrevista, o antigo ministro de Guterres, actual Director-Geral da COTEC e membro da comissão de hora da candidatura de Cavaco (um percurso extraordinário!) começa por afirmar que os problemas de financiamento do nosso défice público têm a sua origem no lento crescimento do PIB. Até aí estamos de acordo. Mas não o diz para criticar as medidas de austeridade que têm vindo a ser adoptadas e que têm um evidente efeito recessivo. Na sua opinião, se o PIB não cresce, então o défice público terá que descer “rapidamente” para zero. Como? Liquidando o Estado social e, em particular, o SNS.
Para este “consultor do capitalismo do desastre”, como nos diz João Rodrigues (ladrõesdebicicletas.blogspot.com), o Estado social só é útil para tapar os buracos abertos por bancos falidos. Para o SNS, para que é que hão-de contribuir aqueles que têm dinheiro para pagar seguros privados de saúde? Afinal, poupar-se-ia imenso se aplicássemos a receita de Pedro Passos Coelho de um SNS que se limitasse a assegurar serviços mínimos aos pobrezinhos. Quanto à classe média, se quer contar com cuidados de saúde que os pague como puder.
Daniel Bessa faz parte do clube de economistas que defendem as medidas de austeridade que provocarão mais recessão, o que obrigará a novas medidas de austeridade… Jorge Bateira (ladrõesdebicicletas.blogspot.com) denuncia mais uma vez a inanidade desta estratégia em “Daniel Bessa aponta o caminho”. Muitos outros economistas têm-no feito inúmeras vezes, melhor do que eu alguma vez o faria. Não vou repeti-los.
Recordo apenas algumas ideias básicas. A prosperidade da Europa ocidental no pós-guerra assentou num mercado regulado, em impostos fortemente progressivos e num sentimento de partilha e integração social que, em larga medida assentava na rede de solidariedade social que se exprimia na universalidade dos serviços disponibilizados pelo Estado-providência. O neoliberalismo ressuscitou o mito da auto-regulação dos mercados, abriu um fosso gigantesco entre ricos e pobres, atirou milhões de trabalhadores para o desemprego e na maior crise económica de sempre depois da crise dos anos 30. É claro que nem todos ficaram a perder e portanto, continua a ter adeptos. Na sua opinião, o Estado deveria limitar-se a proteger os capitais e as negociatas dos ricos e a manter a populaça na ordem. Para a geração do pós-guerra, o Estado-providência significou a vitória da democracia sobre os totalitarismos. Para aqueles que hoje consideram natural que sejam os “mercados” a ditar a política dos governos, a democracia o que é? Receio bem que não seja mais do que uma aborrecida formalidade. Afinal, como nos diz Daniel Bessa, “noutros tempos, [isto] resolvia-se com uns militares”.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Maio de 68 – trinta e dois anos depois

Realizou-se na Universidade do Minho um colóquio sobre, os acontecimentos de Maio de 68 em França, com a presença do Professor Carlos Silva e de Manuel Afonso, activista estudantil da Universidade de Coimbra. Há dois anos, realizou-se também aqui uma outra conferência sobre o mesmo tema, onde esteve presente Francisco Louçã. Compreendo que haja sectores da esquerda interessados em reviver esses tempos, tanto mais que o movimento estudantil parece atravessar, em Portugal, por uma fase de apatia e conformismo, precisamente numa altura em que tantas conquistas democráticas se encontram hoje ameaçadas nas Universidades portuguesas. No entanto, passados mais de trinta anos, terá chegado a altura ultrapassar a visão romântica das barricadas do Quartier Latin, para olhar de uma forma mais fria e distanciada sobre aqueles acontecimentos e tentar perceber o seu significado no contexto da história recente da Europa e do mundo.
Comecemos por nos situar. Antes de 68, ficaram os “trinta gloriosos”, as três décadas que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial – anos de crescimento económico e, ao mesmo tempo, de diminuição do fosso entre ricos e pobres. O mito do mercado auto-regulado desfez-se com a crise dos anos 30. O Estado passou a intervir na vida económica, praticou-se uma política de impostos altamente progressiva e o Estado-Providência impôs-se por toda a Europa ocidental. O ensino público, a saúde pública, a protecção da segurança social, na reforma e no desemprego, que os seus pais alcançaram, tornaram-se factos adquiridos para os jovens dos anos 60.
E, no entanto, dizia-se: “a França aborrece-se”. O Estado surge aos olhos das novas gerações como uma réplica da autoridade familiar: paternalista, conservadora, castradora da livre expressão individual, desse apelo romântico para um mundo novo, onde fosse “proibido proibir”. A revolta estudantil nasce, antes de mais, de um conflito de gerações. De facto, as diferenças de gosto e os hábitos comportamentais, a música, o vestuário, a linguagem, exprimiam já desde os inícios da década um conflito latente a que a crise de 68 acabou por dar expressão política.
É verdade que diferentes correntes políticas e ideológicas puderam ter então o seu protagonismo. Maoístas, trotskistas, guevaristas… Mas parece-me que foi dominante, em 68, uma vertente libertária. Aquilo que estava em jogo não era um projecto de emancipação colectiva, mas sobretudo projectos de emancipação individual. Por isso, o relevo assumido pela “revolução sexual”. Wilhelm Reich ressuscitou dos mortos para se tornar “leitura obrigatória”.
Entretanto, a velha esquerda encontrava-se neste ambiente como um peixe fora da água. O princípio da submissão dos interesses individuais aos interesses colectivos, que se traduzia na acção disciplinada das massas sob a orientação de porta-vozes autorizados era tido agora como “repressivo”. A nova esquerda afirmava-se na defesa das minorias e de causas identitárias – identidade sexual, racial, cultural, etc. Anteriormente, pensava-se que aquilo que era bom para a colectividade seria necessariamente bom para cada um. A partir de agora defende-se que ninguém tem o direito de escolher por nós a vida que preferimos viver. Aquilo que importa é a defesa intransigente da nossa “diferença”.
Qualquer semelhança entre estas ideias e as de uma nova direita neoliberal que despontava e acabaria por se afirmar hegemónica a partir dos meados dos anos 70 não é pura coincidência. Parece-me que muitos dos esquerdistas de então se transformaram em admiradores incondicionais de Isaiah Berlin, uns anos mais tarde, sem precisarem de ter traído, nesse percurso, as suas convicções mais profundas.
Que balanço podemos, então, fazer do Maio de 68? Haverá sempre incorrigíveis nostálgicos da velha receita leninista que afirmam que a revolução fracassou pela ausência de uma vanguarda revolucionária capaz de conduzir as massas à vitória. Permito-me discordar. Em primeiro lugar, se essa “vanguarda” não existiu foi porque nunca foi desejada. Em segundo lugar, a revolução não fracassou no âmbito onde se travaram, de facto, os grandes combates, no plano da cultura e das mentalidades. Os anos 60 não deixaram “pedra sobre pedra” dos valores éticos e comportamentais onde assentavam as sociedades do pós-guerra.
Hoje vivemos num mundo radicalmente diferente. O proletariado industrial é uma classe minoritária. Um sector terciário cada vez mais pulverizado tornou-se dominante. O individualismo campeia e a direita neoliberal ditas as suas regras como se leis da natureza se tratassem. As ameaças que pesam sobre o que resta do Estado-Providência não cessam de aumentar, invocando-se duvidosos critérios de rentabilidade económica. Entretanto, o fosso entre ricos e pobres, mesmo nos países economicamente mais desenvolvidos, não deixa de se alargar.
Nestas circunstâncias, será a esquerda capaz de reinventar novos projectos colectivos susceptíveis de inverter a situação? As questões que se nos colocam são afinal as de sempre: Como conjugar a liberdade com a igualdade, a democracia política com a justiça social? Será que as lições de Maio de 68 nos vão ajudar a encontrar uma resposta?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mansos como os bois?

Recordo-me de um texto do meu livro de leitura da instrução primária onde se fazia o elogio dos bois – esses animais tão fortes e, no entanto, tão mansos e obedientes. Entregavam-se aos duros trabalhos do campo (ainda não se usavam tractores…) e serviam os seus donos sem um protesto, sem um queixume.
Estávamos no tempo do Estado Novo e a metáfora não era inocente: tal como os bois, assim devia ser o povo português. Já passaram mais de 36 anos sobre o 25 de Abril, mas é ainda como os bois, sofredores e servis que muitos gostariam de nos ver.
E é assim que, apesar do desemprego e da pobreza crescente, dos cortes nos salários e do aumento dos impostos, das medidas de austeridade que deixam os responsáveis pela crise impunes, que pesam como chumbo sobre os mais desfavorecidos e condenam a economia nacional à recessão, ainda há quem pense que não existem razões para protestar, quem pense que estas opções políticas não podem ser alvo de um debate democrático, mas têm de ser aceites como uma fatalidade.
Há quem pense que a Greve Geral do dia 24 é uma idiotice. Pela minha parte, estarei do lado dos “idiotas” que não aceitam injustiças. Não estarei, de certeza, com aqueles que nos gostariam de ver como os bois do meu livro da instrução primária.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Para que serve a NATO?

Ocupado com outros afazeres, tenho tido pouco tempo para a televisão. Contudo, no domingo passado, não deixei de ver o programa de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. E, entre outras cosas, achei curiosa a comparação da manifestação anti-Nato que, em Lisboa, desceu a Av. da Liberdade, com as situações descritas no filme Adeus Lenine. Ao mediático Professor pareceu-lhe que os manifestantes julgavam viver ainda noutro mundo, anterior á queda do Muro de Berlim.
A mim, pareceu-me exactamente o contrário. A NATO foi criada no contexto da Guerra Fria e são aqueles que defendem a sua continuidade que parecem ignorar que esta já acabou e que o Pacto de Varsóvia já não existe.
É claro que continua a haver perigos que ameaçam a segurança e a paz no mundo. De facto, a cimeira de Lisboa enunciou o terrorismo, a pirataria e o tráfico de droga como questões que justificariam a continuidade da NATO.
Acontece que essa aliança militar foi pensada e desenhada para enfrentar o poder de uma super-potência e não para combater ameaças difusas que não têm necessariamente origem na orientação política de um dado Estado. Suponhamos que um grupo de fundamentalistas islâmicos de nacionalidades diversas faz explodir um avião. Os aviões da NATO retaliam bombardeando a capital de um dos seus países de origem? Em Los Angeles, um indivíduo, sentado em frente do seu computador, lança um ciber-ataque que atinge os sistemas defensivos dos EUA. Invade-se a Califórnia? Embarcações de piratas somalis assaltam um petroleiro. Fazem-se avançar os submarinos equipados com ogivas nucleares?
A partir de agora, vai ser a NATO quem vai garantir a segurança dos aeroportos e organizar o combate ao narcotráfico? A NATO vai substituir as polícias nacionais? E haverá alguma vantagem em substituir o “capacetes azuis” da ONU, quando se trata de levar a cabo missões de paz em países dilacerados por guerras e genocídios? É claro que as forças militares da ONU necessitam de meios que permitam que a sua acção seja mais eficaz. Mas, quando recordo exemplos como os do Congo ou na Bósnia, parece-me que enviar para lá as tropas da NATO equivale a encarregar pirómanos de apagar incêndios.
Resta a questão dos escudos anti-míssil que, agora, segundo parece, nos devem proteger do Irão. Ou seja, a NATO justifica-se porque nos protege de um possível ataque nuclear com origem num país que não está equipado com armas nucleares… E que, aliás, não pode sequer ser nomeado, para não prejudicar as boas relações que mantém com a Turquia, um parceiro fundamental da Aliança. Curiosamente, também não se pode falar de Israel que tem, de facto, armas nucleares e cuja política se encontra no epicentro da instabilidade que afecta todo o Médio Oriente.
Enfim, a minha questão inicial era: para que serve a NATO? Provavelmente, deveria ser substituída por outra: a quem serve a NATO?

sábado, 13 de novembro de 2010

A rã e o escorpião

(Agiotagem, s. f., 1. Especulação ilícita sobre fundos e mercadorias, com vista a obter lucros exorbitantes. 2. Especulação bolsista. 3. Empréstimo de dinheiro a juros sobremaneira elevados.)
Na semana passada os juros da dívida pública portuguesa ultrapassaram pela primeira vez , no mercado secundário, os 7%. Dizem-nos que os mercados estão a interpretar o investimento realizado na compra das Obrigações do Tesouro vendidas pelo governo como aplicação de um capital de risco. A possibilidade de insolvência justifica os juros que pagamos.
De facto, a drenagem de capitais que assim se realiza limita fortemente as possibilidades de investimento público e, portanto, a possibilidade de retoma de desenvolvimento económico. E, sem isso, dificilmente estaremos em condições de saldar as nossas dívidas.
Ou seja, a especulação financeira sobre a nossa dívida pública pode tornar-se numa das causas de insolvência do Estado português. E, em consequência, num forte rombo na saúde financeira daqueles que têm apostado na compra das nossas Obrigações para obter lucros exorbitantes. Aliás, a senhora Merkl já anunciou que, em situação de emergência, os credores dos Estados em risco de insolvência terão de arcar com parte dos prejuízos inerentes a situações de crédito mal parado...
Tudo isto me faz lembrar uma história de Esopo, a fábula da rã e do escorpião. Pode contar-se assim:
Era uma vez um escorpião que tinha de atravessar um rio, mas não podia fazê-lo porque não sabia nadar. Encontrou uma rã e pediu-lhe:
- Podes transportar-me para a outra margem? Preciso muito de lá chegar.
- Mas tu és um escorpião, como posso confiar em ti? Respondeu-lhe a rã.
- Podes confiar, nada te acontecerá e terás sempre a minha gratidão.
Então, a rã permitiu-lhe que subisse para as suas costas e lá foram nadando para a outra margem. Mas, a meio da viagem, o escorpião espetou-lhe o seu ferrão. Sentindo o efeito do veneno, a rã ainda teve forças para perguntar:
- Porque fizeste isso? Agora morreremos os dois.
- Não pude evitá-lo, respondeu o escorpião. Está na minha natureza…
Valerá a pena chamar os especuladores à razão? Valerá mesmo a pena fazê-lo aos bancos portugueses que se financiam no BCE, pagando um juro pouco superior a 1%, para comprar Obrigações emitidas pelo Estado português a quase 7%? Não vale a pena: a agiotagem está na sua natureza.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sim… Mas…

O PSD considera que O OE para 2011 é mau… Mas viabilizou-o na AR.
O PSD está contra a subida de impostos… Mas aceita que o IVA suba para os 23%.
O PSD considera que o equilíbrio das contas públicas se deve fazer através de cortes na despesa… Mas desde que isso não implique cortes no Orçamento das Câmaras Municipais que dirige.
O PSD lamenta que haja cada vez mais trabalhadores desempregados… Mas concorda que se dificulte o acesso ao subsídio de desemprego.
O PSD quer governar o país… Mas prefere fazê-lo mais tarde.
O PSD tem soluções para todos os nossos problemas… Mas, afinal, não são muito diferentes daquelas que o governo defende.
De facto, o governo de Sócrates é mau… Mas um de Passos Coelho não seria melhor. Soluções alternativas têm de ser procuradas noutro lado.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quem quer ver aprovado este Orçamento de Estado?
Quando as delegações chefiadas por Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga se sentaram à mesa para negociar a possibilidade do PSD viabilizar o Orçamento de Estado proposto pelo governo estavam separadas por uma diferença de 1 milhão e trinta mil euros. Tratava-se de uma soma que o PSD pretendia retirar das receitas previstas pelo Orçamento do governo. Com o avanço das negociações, essa diferença foi reduzida para 230 milhões. E, nesse momento, a negociação foi abortada, ao que parece por iniciativa do governo.

Parece-me lícito perguntar se este tinha, de facto, a intenção de a levar até ao fim.

Do ponto de vista do PS, em princípio, seria conveniente arranjar um cúmplice com quem dividir as responsabilidades de um Orçamento que lançará o país para uma recessão económica e será causa de grandes sofrimentos sociais. Mas também podemos considerar outra hipótese: o PS poderá estar interessado em acusar o PSD de ser responsável por abrir uma crise política que agravaria a situação financeira em que nos encontramos e lançaria o país nas mãos do FMI. Realizar-se-iam eleições antecipadas e o PS transferia para o PSD a responsabilidade de governar o país sob a sua tutela. Regressaria ao poder mais tarde, aproveitando o inevitável desgaste de um governo liderado por um Passos Coelho, obrigado a tomar medidas que vão contradizer o seu actual discurso acerca do aumento dos impostos.

Do ponto de vista do PSD, não me parece interessante governar nestas condições. Haverá no seu seio quem pense que uma dieta de seis anos na oposição já é demais… No entanto, haverá outros que estarão na disposição de deixar o “trabalho sujo” para o PS e não se importem de esperar mais algum tempo. Mas, para isso, é fundamental que o Orçamento passe na AR.

Podemos, portanto, estar perante uma situação paradoxal: quem apresenta o Orçamento poderá estar interessado na sua reprovação, quem se lhe opõe gostaria de o ver viabilizado.

No cerne da questão, encontram-se contabilidades eleitorais que as sondagens vão ajudar a decidir. As mais recentes, da Marktest e da Universidade Católica, anunciam uma forte descida do PS e a vitória folgada do PSD. Alimentam, portanto, a impaciência daqueles que, no partido de Passos Coelho, apostam em regressar quanto antes ao poder e podem explicar o tom conciliatório do discurso de Sócrates em Bruxelas.

De uma uma coisa podemos estar certos: as divergências políticas entre os dois partidos do centro são de pouca monta (traduzem-se em 0,1% do PIB!) - ambos estão comprometidos com um programa de combate à crise que arrastará consigo a recessão económica, a asfixia financeira do Estado-providência, o aumento do desemprego e o crescimento da pobreza.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Nobel da Paz
e a “solidariedade entre os povos”

A atribuição do prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo mereceu do PCP uma nota de imprensa onde afirma que se tratou de “mais um golpe na credibilidade de um galardão que deveria contribuir para a afirmação dos valores da paz e da solidariedade entre os povos”.

Recorde-se que Liu Xiaobo cumpre uma pena de prisão de onze anos por ter assinado a Carta 08, um documento onde se defendem direitos humanos básicos e a transição gradual e pacífica da China para a democracia. Na perspectiva do governo chinês é, portanto, um criminoso, e a atribuição do Nobel da Paz a um criminoso só pode ser entendida como uma “provocação”.

Pelos vistos o PCP, concorda com esta versão dos acontecimentos: manifestar uma opinião contrária à do governo chinês é um crime e premiar o criminoso com o Nobel deve ser entendido como um ataque à “solidariedade entre os povos”.

Sou obrigado a discordar. A solidariedade que devemos ao povo chinês passa pela defesa do seu direito à liberdade de expressão, de organização e de manifestação, passa pelo seu direito à liberdade sindical e à greve. Passa pelo apoio aos ideais democráticos que Liu Xiaobo defende.

E já agora: a luta dos operários chineses por condições dignas de trabalho não é dissociável da luta dos operários portugueses que perdem os seus postos de trabalho pela impossibilidade de muitas empresas portuguesas competirem com as importações que nos chegam da China a preços que só a mais violenta exploração capitalista tornam possíveis. Também para os operários portugueses Liu Xiaobo é um aliado.

sábado, 9 de outubro de 2010

Exercícios de futurologia
O sentido de voto do PSD acerca do Orçamento e o futuro político de Pedro Passos Coelho

Prever o futuro é sempre um exercício muito arriscado. Contudo, perante a situação de crise política que parece despontar no horizonte, é irresistível (e mesmo necessário) fazer alguns exercícios de futurologia.

Há semanas atrás, tudo indicava que o Orçamento de Estado que vai ser apresentado pelo governo passaria com a abstenção do PSD e os votos contra dos restantes partidos da oposição. Porém as diferentes posições defendidas por José Sócrates (ou por Teixeira dos Santos) e por Passos Coelho tornaram-se irredutíveis e a possibilidade do Orçamento ser reprovado na AR, parece aos olhos de muitos comentadores, ser agora ser agora provável.

Aceitemos então como hipótese que, apesar dos avisos de Durão Barroso, de Cavaco Silva e de Manuela Ferreira Leite, o PSD vai rejeitar o Orçamento. Consequências imediatas: José Sócrates demite-se e teremos eleições legislativas em Maio de 2011.

Não é fácil prever como é que o eleitorado vai reagir. Voltará a dar a vitória ao PS, apesar do desgaste provocado pelas medidas impopulares assumidas pelo governo? Vai penalizar Passos Coelho por provocar uma crise política que se vai somar, agravando-a, á crise económica e financeira que já vivemos? Em qualquer dos casos, julgo que nenhum dos dois partidos (nem o PSD somado ao CDS-PP) alcançará maioria absoluta.

Há cerca de um ano, escrevi aqui que o provável vencedor de futuras eleições antecipadas seria o FMI e volto, agora, a repeti-lo. As medidas agora propostas por Teixeira dos Santos (inclusive a subida de impostos que Passos Coelho parece recusar liminarmente) serão adoptadas pelo próximo governo, seja ele qual for, por imposição do FMI. Apenas serão adiadas por mais um ano.

Admitamos que o PSD ganha as eleições. José Sócrates, derrotado, abandonará a direcção do PS. Passos Coelho aceitará governar sujeito a uma política de austeridade imposta pelo FMI que vai reproduzir (e, provavelmente, agravar) aquela que justificou a abertura desta crise política?

Rejeitar o Orçamento por causa da subida dos impostos, parece-me, do ponto de vista de Passos Coelho, uma estratégia suicida. Ou perde as eleições antecipadas para José Sócrates ou, ganhando-as, perde-as para o FMI. Em qualquer dos casos, os impostos vão aumentar. E face a isto, só resta a Passos Coelho retirar-se da cena política.

Há uma outra hipótese: Passos Coelho tem consciência disso e, portanto, toda esta crispação em torno dos impostos não passa de um bluff. Uma jogada que visa apenas conseguir do Governo algumas pequenas cedências que permitam ao PSD abster-se sem perder totalmente a face.

Façamos, pois, um exercício de futurologia: aposto que uma posição “realista” acabará por predominar sobre uma disposição aventureira e o PSD segue o conselho de Manuela Ferreira Leite. Ainda assim, não menosprezemos a hipótese do “bom senso” ser derrotado pela ânsia de chegar ao poder a curto prazo, seja a que preço for, que domina uma boa parte do PSD…

domingo, 3 de outubro de 2010


Divergências…

Richard Long, Braga Granito stones, 2004

Há pouco mais de um ano, estávamos em plena campanha eleitoral para as legislativas. Manuela Ferreira Leite alertava para a dimensão do défice das contas públicas, pronunciava-se contra o investimento público e defendia a redução das despesas do Estado. José Sócrates demarcava-se desta política, assumindo uma postura “de esquerda”. Defendia o investimento público e apresentava-se como o campeão do Estado social. Além disso, recordava-nos que o seu governo tinha descido o IVA para 20% e tinha subido os ordenados da função pública em 2,9%. Como se sabe, ganhou as eleições.

Um ano depois, congela o investimento público, corta nos benefícios sociais, sobe o IVA para 23% e corta 5% na despesa com os vencimentos dos funcionários públicos e do sector empresarial do Estado. Nem Manuela Ferreira Leite tinha proposto tanto.

Ainda não sabemos quando serão as próximas eleições, mas Pedro Passos Coelho já sonha com uma vitória eleitoral. Por agora, apresenta-se como opositor do aumento dos impostos. Mas, caso chegue ao poder, o que é que fará um ano depois? Também Durão Barroso, em plena campanha eleitoral, defendia uma descida de impostos, era o famoso “choque fiscal” para reanimar a economia. Logo que chegou ao governo, os impostos subiram. Manuela ferreira Leite era a Ministra das Finanças.

As divergência entre o PS e o PSD são muito nítidas em períodos pré-eleitorais. No governo, as práticas dos dois partidos têm sido muito semelhantes.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

PEC 1, PEC 2, PEC 3
um caminho segura para a recessão económica

Afinal o PEC 1 e o PEC 2 não resolveram o problema da nossa dívida externa. Pelo contrário, o Estado português tem emitido obrigações da dívida pública a juros cada vez mais elevados. A barreira dos 6% já foi largamente ultrapassada e ainda não se vê o fundo do túnel. Qual é a solução do Governo? Um PEC 3, agora sob a forma de um Orçamento de Estado. Ou seja, mais do mesmo mas em doses reforçadas: a redução da despesa pública vai incidir sobretudo em cortes na massa salarial da função pública e do sector empresarial do Estado e o aumento de receitas far-se-á principalmente através dum aumento do IVA para 23%.

Como os ordenados da função pública funcionam sempre como referência para a fixação dos ordenados de todos os assalariados e como a subida do IVA afecta indiscriminadamente todos os consumidores, antevê-se para os próximos tempos uma descida efectiva dos salários reais dos trabalhadores portugueses. A isto deve-se acrescentar, entre outras medidas, o congelamento de todas as pensões, tanto no sector público como no privado e a redução em 20% das despesas com o RSI.

Ninguém ignora que estas medidas resultarão numa redução significativa do poder de compra da grande maioria dos portugueses e que vão ter repercussões negativas sobre actividade comercial, bem como sobre a situação das empresas industriais que colocam os seus produtos no mercado interno. De facto, vão lançar-nos de novo numa grave situação recessiva. Os custos do PEC 3 traduzir-se-ão, portanto, num agravamento da condição económica dos sectores mais desfavorecidos da população e num aumento do desemprego.

Será que tudo é isto inevitável?

O Bloco tem defendido uma estratégia de combate à crise que passa pela defesa do poder de compra dos trabalhadores e pelo investimento público como forma de relançar do crescimento económico e combater o desemprego. Na sua opinião, o combate ao défice das contas públicas deveria fazer-se pelo combate ao despesismo do Estado e pelo aumento de impostos sobre o grande capital. Por isso opuseram-se ao PEC e, consequentemente, só podem votar contra a proposta de Orçamento que vai ser apresentada pelo PS. De resto, qualquer entendimento entre o BE e o PS não resultaria numa maioria parlamentar e o Orçamento seria reprovado no caso de todos os outros partidos votarem contra.

O PSD pretende que qualquer aumento de impostos é inaceitável e julga que o combate ao défice se pode fazer apenas pela diminuição da despesa. Por isso, não disse uma palavra contra a descida dos salários da função pública nem contra o congelamento das pensões.

O PS, pela voz de Teixeira dos Santos, já o desafiou a apresentar propostas concretas que permitam no curto prazo obter dessa forma os mesmos ganhos que resultam da subida do IVA.

Dentro de dezasseis dias a proposta de Orçamento elaborada pelo Governo chega à Assembleia da República. Entretanto, na televisão, os economistas de costume, preocupadíssimos com o défice e com as reacções dos mercados internacionais, vão criticar a subida de impostos, lamentar a ausência das sempre reclamadas "reformas estruturais" (leia-se: liberalização dos despedimentos e desmantelamento do estado-providência) e defender que os cortes salariais na função pública e nas prestações sociais deviam ter ocorrido mais cedo. Contudo, aqueles que sonhavam com uma intervenção do FMI já não precisam de se preocupar: a receita do Governo não é diferente daquela que ele preconizaria. Na rua, haverá quem tenha outras preocupações e outras ideias. Não se confunda a opinião pública com a opinião publicada.
Os deputados eleitos terão a última palavra.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Les bonbons (1ª e 2ª versão)

C'est vrai que Germaine elle est cruel
Ça vous avez mille fois raison.

Mas, e se lhe oferecêssemos bombons?



Enfim, talvez não resulte. As técnicas de engate mudaram tanto de há 50 anos para cá... Aliás, já então... Je viens rechercher mes bonbons.



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Que Orçamento de Estado para 2011?

A discussão do OGE para 2011, que ainda não foi apresentado, tem dominado o debate político das últimas semanas.

Passos Coelho põe duas condições para o aprovar: não pode haver uma nova subida de impostos e são necessários mais cortes na despesa pública. Todos sentimos o peso da carga fiscal e todos temos conhecimento de muitos casos de desperdício de dinheiros públicos. Parece, portanto, ser uma proposta simpática, mas obrigar-nos a escolher entre mais impostos ou mais cortes na despesa pública coloca-nos perante um falso dilema.

Os mais ricos podem e devem pagar mais impostos. Aliás eximem-se muito facilmente a pagar aqueles a que estariam já obrigados pela legislação em vigor. Há deduções fiscais que põem todos os contribuintes a financiar o ensino privado e as clínicas particulares que são frequentadas apenas por aqueles que têm mais recursos. Seria bom pôr-lhes fim. E há investimento público positivo e necessário se pretendermos relançar a economia e combater o desemprego, embora concorde que, no contexto actual, o TGV não pode estar entre as nossas prioridades.

Por outro lado, o PEC II, aliás nascido dum acordo PS-PSD, atingiu fortemente os mais desfavorecidos quer no plano fiscal (com a subida do IVA, por ex.), quer nos no plano das prestações sociais (subsídio de desemprego, RSI, etc.) e é evidente que a redução da dívida pública não pode prosseguir por esse caminho. O agravamento das condições de vida da população portuguesa só pode atirar o país para a recessão económica, para o crescimento do desemprego, para a pobreza.

Não é possível ignorar que a dívida pública portuguesa continua a crescer e a meta dos 7,3% para 2010 apontada pelo PEC dificilmente será alcançada. A taxa do juro que pagamos sobre o financiamento externo bate recordes. Assoma o fantasma do incumprimento e quem nos empresta dinheiro está sobretudo preocupado com a possibilidade de não o poder reaver. O FMI está à porta.

Tanto no plano fiscal como no da redução da dívida pública há medidas urgentes que têm de ser tomadas. Mas nada disso nos permite escamotear que elas podem ser justas ou injustas, eficazes ou não. É sobre isto que o novo orçamento se tem de pronunciar. Agora, é Teixeira dos Santos quem tem a palavra. Aquilo que sabemos das opções tomadas no passado não nos deixa antever boas surpresas. E o facto do PSD ser, apesar das disputas mal-humoradas, o parceiro escolhido pelo governo para o viabilizar, também não.

Denunciar injustiças não chega. A esquerda só pode travar esta caminhada para o abismo se conquistar o apoio da opinião pública com propostas fundamentadas e viáveis no curto prazo. E só poderá defendê-las se souber criar as condições políticas necessárias à sua aplicação. O que é muito diferente de sonhar com situações ideais e ficar eternamente à espera de revoluções redentoras.

sábado, 11 de setembro de 2010

O pântano

Férias, problemas de saúde e uma razoável preguiça têm-me afastado da escrita. Além disso, a actualidade política portuguesa, que tem sido o assunto dominante deste blog, parece-me um tema cada vez menos motivador. Os problemas de hoje são os de ontem e os de há muito tempo atrás. Os dirigentes e os comentadores políticos repetem-se. As pessoas comuns parecem oscilar entre o conformismo e uma revolta surda e, no fim, ainda que sem entusiasmo nem esperança de dias melhores, preparam-se para votar nos do costume.

O último inquérito de opinião da Eurosondagem (1-7 de Setembro) exemplifica o que acabamos de afirmar:

PS – 36%, PSD – 35,8%, CDS/PP – 8,4%, CDU – 7,7%, BE – 7,1%.
Parece confirmar-se a ideia que, muito justamente, a opinião pública resolveu penalizar o PSD pelas suas propostas neoliberais de revisão constitucional. Quanto ao mais, tudo na mesma.

De resto se ninguém está satisfeito com o estado actual das coisas, também ninguém está disponível para abrir uma crise política da qual nada de substancialmente diferente sairia, a não ser, talvez, a penalização em termos de resultados eleitorais daqueles que ousem provocá-la. Aliás, entramos já nos últimos seis meses do mandato do PR que está, portanto, constitucionalmente impedido de dissolver a AR e convocar eleições.

Nestas circunstâncias, as disputas entre o PS e o PSD a propósito do Orçamento de Estado só podem ser desvalorizadas. É claro que Passos Coelho vai regatear até ao último minuto a abstenção do grupo parlamentar do PSD, tentando satisfazer minimamente os interesses do núcleo duro do seu eleitorado. Mas a Comissão Europeia não veria com bons olhos o chumbo do OGE, os nossos financiadores muito menos (será preciso recordar que o Estado se mantém à custa dos créditos obtidos lá fora?), Cavaco Silva já apelou a um entendimento e, em última análise, aquilo que vier a ser proposto decorrerá do PEC que o próprio PSD viabilizou.

O OGE será, portanto aprovado, a revisão constitucional não trará nada de novo, Sócrates continuará à frente do governo, a política imposta pelo PEC continuará a ditar as suas leis e, já agora, provavelmente, Cavaco Silva será reeleito. Entretanto, o desemprego bate recordes, a precariedade pesa como chumbo sobre os ombros dos jovens, a pobreza assenta arraiais. E muitos, como eu, esperam que surjam ideias novas que motivem o nascimento duma alternativa de esquerda.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Livros – apontamentos à margem

Carlos Brito, Álvaro Cunhal, Sete fôlegos do combatente. Memórias. Lisboa: Edições Nelson de Matos, 2010


A propósito do PCP, é habitual salientar-se a “coerência”. Geralmente entende-se por isso a fidelidade intransigente a uma ortodoxia marxista-leninista (definida a partir do exemplo do PCUS) que informa a linha do partido pelo menos desde os anos 30 do século passado. Álvaro Cunhal teve um papel determinante na configuração ideológica do Partido e nenhum dos seus actuais dirigentes ousa pôr em causa esse legado. Contudo, os tempos que vivemos são outros e das mesmas ideias podem resultar consequências muito diversas.

As memórias de Álvaro Cunhal de Carlos Brito são muito interessantes a diversos títulos. Entre outras questões, permitem-nos seguir, a partir da análise dum espectador privilegiado, a evolução do PCP nas últimas décadas. Na minha opinião, pode retirar-se do livro de Carlos Brito a tese de que Álvaro Cunhal pensou sempre o PCP, mesmo durante o Fascismo, como um partido vocacionado para a tomada e o exercício do poder. Todas as suas opções tácticas eram determinadas por esse objectivo final. Com Jerónimo de Sousa, o PCP transformou-se num partido de protesto, desprovido duma orientação estratégica que tenha como alvo os mesmos objectivos.

Entendo por “esquerda de protesto” uma esquerda que pratica a denúncia sistemática e a luta contra as injustiças sociais, mas que se encontra fora da área do poder e que, portanto, se vê impedida de levar à prática políticas alternativas àquelas que são adoptadas pelo sucessivos governos a que se opõe. O PCP encontra-se hoje numa situação de isolamento político que o confina a esta condição e não se descobre na sua prática nada que indicie uma estratégia que vise contrariar este estado de coisas. Pelo contrário, parece conformado com esta situação. À sua volta não encontra aliados possíveis, mas apenas inimigos a abater. No seu próprio seio, uma onda de saneamentos e perseguições deixou claro o sinal de que nenhuma intenção renovadora seria tolerada.

É uma situação nova na longa história do partido. Álvaro Cunhal procurou sempre as alianças possíveis que evitassem o seu isolamento e permitissem situá-lo na área do poder. A estratégia definida no Rumo à Vitória apontava neste sentido. Uma revolução democrática e nacional poria fim ao fascismo. O passo seguinte seria a instauração duma democracia avançada capaz de promover a nacionalização dos monopólios e a reforma agrária. Essa democracia não devia (nem podia) confinar-se aos moldes das democracias ocidentais, mas deveria promover a transição para uma sociedade socialista. Em cada uma destas etapas o PCP estabeleceria as alianças necessárias e dispunha-se a fazer as concessões indispensáveis para que elas se efectivassem, sem nunca perder de vista o objectivo final da revolução. A intervenção do PCP na sequência do 25 de Abril e do 11 de Março está perfeitamente de acordo com esta estratégia. À aliança de todas as forças democráticas, segue-se a ruptura com Spínola e, depois, com Sá Carneiro e com Mário Soares. O PREC deveria avançar apoiado na aliança Povo-MFA. Mesmo quando, após o 25 de Novembro, o sucesso desta estratégia foi posto em causa, o PCP tentou, como assinala Carlos Brito, uma reaproximação a Melo Antunes e ao Grupo dos Nove com vista à defesa de algumas das posições anteriormente conquistadas. Mais tarde, encara a formação do PRD de Ramalho Eanes como uma forma de quebrar uma ameaça de isolamento a que o votava a ruptura com Soares. E, dará um apoio discreto à candidatura de Zenha à Presidência da República. Era importante não deixar que o partido fosse “encostado à parede” para poder continuar a influenciar as decisões do poder e defender as “conquistas da revolução”.

Contudo, o PCP estava já remetido para uma posição defensiva. A hipótese revolucionária estava comprometida. Cunhal sabe que já não tem muitos anos de vida e o descalabro da URSS e o enfraquecimento e descaracterização de muitos partidos comunistas fá-lo temer pelo fim do PCP.

Instala-se um complexo de fortaleza sitiada. A luta pela sobrevivência domina todas as preocupações. A revolução tinha sido vencida, as possibilidades esboçadas pelo Novo Impulso viram-se rapidamente abortadas e nenhuma estratégia alternativa àquela que tinha sido desenhada no Rumo à Vitória veio tomar-lhe o lugar.

O PCP passou á condição dum partido de protesto, com uma influência sindical significativa, mas cada vez mais incapaz de condicionar as decisões de quem governa. Até onde pode chegar um partido remetido para esta posição? Num contexto de crise e de grande sofrimento social, os 7,8% de votos conseguidos nas legislativas de 2009 têm sido confirmados pelas últimas sondagens (Eurosondagem de 1-6/7: 8%, Euroexpansão de 8-11/7: 6,3%, Intercampus de 16-20/7: 9,5%, Marktest de 20-26/7: 7,5%). Parece haver um tecto de crescimento para os partidos de protesto e o PCP já terá alcançado o seu. A partir daqui, restar-lhe-á tentar evitar perdas maiores. Até quando?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Crise, IRC, prestações sociais, submarinos. Opções políticas


No início dos anos 90, 33% das empresas portuguesas declaravam prejuízo eximindo-se assim do pagamento do IRC. Passados 20 anos aquele número subiu para 36%. Quantas empresas conseguem sobreviver a 20 anos de prejuízos? De facto, pouquíssimas. Contudo é gigantesco número daquelas que recorre sistematicamente à subfacturação para ocultar os seus lucros para fugir ao fisco.


O governo mostra-se incapaz de inverter esta situação, mas, em contrapartida é muito rápido em encontrar outras formas de contrariar o défice das contas públicas. Entraram já em vigor as medidas que se vão traduzir numa redução do número de pessoas que beneficiam do subsídio de desemprego e do RSI. Diz-se que se trata da aplicação de uma política mais rigorosa que visa corrigir eventuais abusos. S assim fosse, a exclusão dos abusadores, deveria ser compensada pela atribuição dessa prestações sociais a pessoas verdadeiramente necessitadas e que foram excluídas, pois desempregados e pobres não faltam. Mas, como se sabe, aquilo de que se trata é simplesmente de poupar dinheiro.


Quem pode pagar exime-se ao pagamento de impostos, quem precisa vê as prestações sociais do Estado serem-lhe retiradas.


Finalmente, a cereja em cima do bolo. Chegou o primeiro dos submarinos Tridente. Ninguém (a não ser o Chefe do Estado-Maior da Armada) sabe para o que servem. Sabe-se que têm de ser pagos, que não são um brinquedo barato e que o seu pagamento resultará num agravamento da dívida pública.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O que significa ser de esquerda?


A questão do Poder encontra-se no centro da acção política. Como conquistar o poder, como conservá-lo? Desde Maquiavel, sabemos todos que essa é a questão central. Nas sociedades modernas, a luta pelo poder parece ser travada pelos partidos políticos e pelos seus líderes, que disputam o apoio das massas populares. Mas essa é apenas a face mais visível das coisas, em última análise, trata-se duma luta entre classes e grupos sociais. Sendo assim, “ser de esquerda” significa que, nessa luta, se toma partido pelos “de baixo”, pelos dominados contras os poderosos, pelos explorados contra os exploradores, pelos excluídos contra os privilegiados.


Já vimos num post anterior que “ser de direita” significa acreditar que aquela divisão se inscreve na ordem natural da vida: sempre foi assim e sempre assim será. Ser de esquerda significa que, como nos propõe Brecht (A Excepção e a Regra), não temos que achar natural, aquilo que sempre acontece. Significa acreditar que as contradições de classe são uma realidade historicamente transitória e ter como horizonte a utopia duma sociedade igualitária.


Na oposição esquerda / direita confundem-se, portanto, diferentes interesses de classe com diferentes convicções ideológicas.


No plano social, pertencerão ao campo da esquerda as classes populares, a classe operária, o proletariado rural, os trabalhadores dos transportes, dos serviços e do comércio. Integram-no grupos sociais que gozam de diferentes condições materiais de vida e têm práticas sociais muito diversas, mas que estão unidos por um denominador comum: a defesa dos interesses de cada um dos seus membros não passa pela concorrência entre si (como acontece com os empresários e as profissões liberais), mas sobretudo pela sua capacidade de promover acções solidárias.


No plano político, é comum a distinção entre uma esquerda revolucionária e uma esquerda reformista ou entre uma esquerda totalitária e uma esquerda democrática. Por esquerda democrática, entende-se habitualmente aquela que não considera a liberdade individual, o pluralismo político e a democracia representativa como simples valores instrumentais, mas como parte integrante do seu próprio património, que considera ser possível construir uma sociedade mais igualitária sem pôr em causa os princípios fundamentais onde assentam as democracias liberais. A esquerda totalitária, pelo contrário, considera que uma sociedade igualitária só pode resultar dum acto de força, dum movimento de massas conduzido por uma vanguarda política que se assume como intérprete dos interesses do povo e do destino da história e que, por isso, se sente legitimada para eliminar politicamente todos aqueles que se atravessem no seu caminho. Essa vanguarda concentra em si não só todo o poder político, como o poder económico e o controle da comunicação social, das instituições culturais e de acção social.


Considerando uma experiência multivariada e já secular, verificamos que das vitórias alcançadas pela esquerda revolucionária resultou sempre a instauração de poderes totalitários. Por outro lado, a esquerda reformista tende a perder a perspectiva da utopia igualitária, conformando-se com um melhorismo que não põe em causa os fundamentos das sociedades que pretendia combater.


A possibilidade duma nova sociedade nascida duma esquerda democrática e revolucionária é algo que a experiência histórica não foi ainda capaz de demonstrar e este facto pesa duma forma decisiva sobra as opções políticas daqueles que aspiram a uma sociedade mais justa.


Assim, nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas, a esquerda revolucionária tende a confinar-se a uma “esquerda de protesto”, a quem as classes populares oferecem apoios pontuais, mas a quem não entregam o poder. Pelo contrário, a esquerda reformista afirma-se como uma esquerda “de governo”, mas, uma vez no poder, conforma-se facilmente com as regras da sociedade que deveria combater.


Em conclusão. A questão da direita está em saber como defender uma sociedade caracterizada pela existência de privilégios decorrentes do dinheiro, com o apoio das massas dos excluídos desses mesmos privilégios. A questão da esquerda está em saber como transformar profundamente aquela sociedade sem cair num “despotismo esclarecido” que, afinal, apenas é capaz de produzir novos privilégios e desigualdades.


A solução para a direita passa pela restrição das liberdades democráticas. Para a esquerda, só pode passar pelo seu alargamento. O socialismo é uma democracia radical.