terça-feira, 29 de setembro de 2009




Os equilíbrios do poder


Ouvida a comunicação ao país de Cavaco Silva e recordando que, segundo a Constituição Portuguesa, o Governo depende da Presidência da República e do Parlamento, lembrei-me de uma obra de Peter Fichli e David Weiss que me parece dar-nos uma imagem feliz da actual situação política.

Fixchli/Weiss, Outlaws (1984-85), da série Quiet Afternoon

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O PS nas mãos do CDS-PP

O PS foi o partido mais votado e, por isso, ganhou as eleições. No entanto, perdeu cerca de 500.000 votos e a maioria absoluta. Sócrates vai ser, de novo, primeiro-ministro, mas terá de negociar acordos com os partidos da oposição de forma a garantir maiorias parlamentares. E, neste contexto, o CDS-PP assume uma posição privilegiada: os seus 21 deputados somados aos 98 já eleitos pelo PS (falta saber os resultados dos círculos da emigração) são suficientes para garantir uma maioria, enquanto que para que de forme uma maioria de esquerda o PS terá que se entender com o BE mais a CDU.

Sócrates vai ceder à tentação de privilegiar acordos à direita? Em matérias fundamentais como a Educação, a Saúde e a Segurança Social, não me admiraria que José Sócrates e Paulo Portas descobrissem possibilidades de entendimento. E, afinal, o Código do Trabalho de Bagão Félix não é pior do que o de Vieira da Silva. Os partidos de esquerda só serão decisivos nas chamadas “questões fracturantes” (eutanásia, casamento de homossexuais…) e, mesmo nestas matérias, se verá se a dependência do PS face ao CDS-PP, não vai obrigar Sócrates a meter algumas promessas na gaveta.

Passo em revista algumas das propostas do BE recusadas pelo PS na anterior legislatura: 1) Proibição de despedimentos colectivos em empresas lucrativas. 2) Direito à reforma por inteiro após 40 anos de descontos. 3) Alargamento do direito ao subsídio de desemprego. 3) Aumento do salário mínimo para 600 euros no prazo de dois anos. 4) Convergência das pensões de reforma mais baixas com o salário mínimo. 5) Limite de 1 ano para contratos a prazo. 6) Nacionalização da maioria do capital da Galp e da EDP. 6) Intervenção da CGD no sentido de baixar as taxas de juro sobre o crédito. 7) Imposto sobre as grandes fortunas. 8) Redução do horário de trabalho para 35 horas.

Em face da actual composição da Assembleia da República, nenhuma destas medidas será aceite pelo próximo governo. A eventual possibilidade de obter do PS algumas cedências nestes domínios, caso o PS ficasse na dependência do BE para alcançar maiorias parlamentares que lhe permitissem governar, ficou anulada.

O discurso “de esquerda” de Sócrates na campanha eleitoral já deu os resultados que dele se esperavam: a derrota do PSD e uma relativa contenção da subida do BE. Uma vez garantida a reeleição, será retomado, no essencial, o rumo prosseguido pelo anterior governo.

O Bloco teve mais 200.00 votos do que nas anteriores legislativas e duplicou o número de deputados eleitos: mais de meio milhão de eleitores e 16 deputados. Além disso, afirmou-se como partido nacional elegendo pela primeira vez deputados em Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém e Faro. São resultados, sem dúvida, muito animadores para todos os bloquistas.

E, no entanto, estamos perante uma situação em que o reforço do BE não se traduzirá necessariamente num reforço da influência da esquerda na governação do país. Pelo contrário, o CDS-PP está em condições de assumir um papel determinante e, em face disso, é muito provável que assistamos ao reforço das posições da direita. Como reagirão a isso aqueles que, no PS, têm assumido posições mais à esquerda, mas que apelaram ao “voto útil” em Sócrates?

Uma última palavra para os partidos que sairam mais fragilizados destas eleições. No PSD, Manuela Ferreira Leite não sobrevirá à derrota do PSD, mas ainda é cedo para adivinhar quem se lhe seguirá. Ver-se-á depois das autárquicas. No PCP, perante a ameaça da estanação, volta a fazer-se sentir a urgência de uma mudança. Contudo, incluir “mudança” e “PCP” na mesma frase implica uma contradição entre os termos…

terça-feira, 22 de setembro de 2009

"Dia de reflexão"

Jenny Holzer, de Truísmos (1972-79)

Motivos de saúde obrigam-me a interromper por uns dias a minha colaboração neste blog. Entretanto deixo os meus leitores com um dos truísmos de Jenny Holzer, pensando que talvez possa ser inspirador para o dia de reflexão.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Por que não é possível uma coligação PS-BE?

Alfredo Barroso e Ana Gomes já se pronunciaram a favor de uma coligação PS-BE. Depois deles, Mário Soares veio dizer que uma tal solução governativa não lhe repugnava. E, provavelmente, muitos outros militantes do PS pensarão da mesma maneira. Contudo, Francisco Louçã já afirmou, e por mais de uma vez, que essa coligação não é possível.

Na minha opinião não o é de facto. Sem pretender ser exaustivo, alinho aqui algumas das razões que inviabilizam uma coligação do PS com o Bloco de Esquerda:

1) O PS, no governo, prosseguiu e aprofundou uma política de privatização de monopólios naturais com uma importância económica estratégica – e o BE foi contra;
2) aprovou o actual Código de Trabalho, ainda mais gravoso para os trabalhadores que o código Bagão Félix, aprovado pela maioria PSD/CDS – e o BE foi contra;
3) defendeu que a sustentabilidade futura da segurança social só seria possível com o aumento da idade da reforma e a diminuição do valor das pensões – e o BE foi contra;
4) apoiou o governo de José Sócrates quando este prosseguiu a política de entrega da gestão de hospitais públicos a empresas privadas, iniciada pelos governos anteriores PSD/CDS – e o BE foi contra;
5) promoveu uma política de desqualificação da escola pública, levada a cabo pelo governo cessante (contra a oposição da quase totalidade dos professores) – e o BE foi contra.

E, ainda, porque logo depois da estrondosa derrota eleitoral sofrida nas europeias, José Sócrates afirmou que o PS iria manter este “rumo” – e, desta vez, nada me permite duvidar da sua sinceridade.

Contudo, um governo PS sem maioria absoluta, terá que procurar apoios na Assembleia da República.

Para rever o Código de Trabalho, alargar o direito ao subsídio de desemprego e aumentar o salário mínimo, para garantir reformas sem penalização ao fim de 40 anos de trabalho e o aumento das reformas mais baixas, para acabar com as taxas moderadoras para cirurgias e internamentos, com o estrangulamento financeiro do ensino superior e com a “guerra” contra os professores do ensino básico e secundário, para tomar medidas efectivas contra a corrupção, o enriquecimento ilícito e a fraude fiscal – para tudo isto (e, mais uma vez, não pretendo ser exaustivo) não lhe faltarão com certeza apoios à esquerda que lhe garantam maiorias parlamentares.

Preferirá o PS procurar apoios à direita e ceder a um “caderno reivindicativo” diferente? Todas as sondagens de opinião recentemente publicadas permitem prever que, a próxima Assembleia da República, haverá uma maioria PS-BE-CDU. O fim da maioria absoluta que apoiou o governo de José Sócrates, o crescimento previsível do BE e o facto do PSD e do CDS-PP permanecerem em minoria, só pode significar que a maioria dos eleitores rejeita uma governação à direita.

Também não me parece que desejem eleições antecipadas daqui a dois anos, até porque, nessa altura, comprovada a impossibilidade de entendimentos à esquerda e em nome da governabilidade, uma nova AD beneficiaria de claro favoritismo. A partir daqui, cada um dos diferentes partidos da esquerda terá que assumir as suas responsabilidades.

sábado, 19 de setembro de 2009

Últimas sondagens (Eurosondagem e Intercampus)

Qual há-de ser o voto útil do eleitor de esquerda?

A da Eurosondagem prevê 34,9% para o PS (+1,3% do que sondagem anterior da mesma agência) e 31,6% para o PSD (-0,6%), enquanto a sondagem da Intercampus atribui ao PS 32,9% e ao PSD 29,7%.

Nos dois casos, o PS distancia-se do PSD, embora a diferença entre os dois partidos não seja tão significativa (3,3% e 3,2%, respectivamente) como aquela que nos dá a sondagem da Universidade Católica (6%).

Ainda assim, todas elas confirmam o favoritismo do PS e imprevisibilidade de uma maioria absoluta. Na Assembleia da República, um provável governo PS de maioria relativa terá sempre que escolher entre procurar apoios à direita (nomeadamente, com o PSD) ou à esquerda (com o Bloco e a CDU).

Note-se que a previsão da Eursondagem acerca da eleição de deputados é a seguinte: PS – 88/96, PSD – 80/87, BE – 18/20, CDS – 15/17 e CDU – 15/15. A Assembleia da República é formada por 230 deputados. Verifica-se, portanto, que muito dificilmente sairá das próximas eleições uma maioria de direita. Salvo casos excepcionais de consenso muito alargado, restam duas hipóteses de maioria parlamentar: PS+PSD ou PS+BE+CDU.

O voto útil para quem quiser condicionar à esquerda as políticas governativas continua a ser o voto no BE ou na CDU.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Qual é o “voto útil” nas eleições do dia 27 de Setembro?


Vamos entrar na recta final da campanha eleitoral e os apelos ao voto útil vão suceder-se. Muitos vão tentar convencer-nos que só temos uma alternativa – ou José Sócrates ou Manuela Ferreira Leite – e que, portanto, só serão “úteis” os votos no PS e no PSD. De facto, as coisas não são assim tão simples.

A “utilidade” do voto só pode ser avaliada em função dos objectivos que cada um pretenda alcançar. Assim, podemos considerar várias hipóteses de “voto útil”. Deixo aqui alguns conselhos, que me parecem sensatos, àqueles que se posicionam à esquerda e ainda não decidiram o sentido do seu voto:

1) Se quiserem impedir a vitória do PSD – o voto útil poderá ser no PS, no BE ou na CDU. Neste caso, será necessário analisar a situação distrito a distrito, admitindo que, caso as sondagens que têm vindo a público sejam credíveis, o PS pode eleger deputados em todos os distritos, o BE pode eleger deputados em Braga, Porto, Aveiro, Viseu, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal e Faro, e a CDU, no Porto, Santarém, Lisboa, Setúbal, Évora e Beja.

2) Se quiserem a renovação da actual maioria absoluta – o voto útil é no PS.

3) Se quiserem impedir uma maioria absoluta do PS – o voto útil é no BE.

4) Se quiserem condicionar a orientação política de um governo PS com maioria relativa – o voto útil é no BE ou na CDU.

5) Se estiverem cansados do eterno rotativismo PS/PSD e das políticas do bloco central e quiserem dar um contributo positivo para uma renovação do panorama político português e para a criação, a prazo, de uma alternativa de esquerda – o voto útil é no BE.

A última sondagem da Universidade Católica, realizada entre 11 e 14 de Setembro, para a Antena 1, a RTP, o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, prevê 38% dos votos para o PS e 32% para o PSD. Estes dois partidos distanciam-se e desfaz-se a situação de empate técnico verificada numa sondagem anterior. A diminuição da abstenção deve ser suficiente para impedir que surjam surpresas como aquelas que desmentiram a maioria das sondagens efectuadas antes das “europeias”. Assim, a possibilidade do PSD ganhar as próximas eleições são diminutas e a utilidade do voto considerada na opção 1) deixa de ser relevante.

Acredito que uma grande parte dos eleitores da esquerda não está minimamente interessada em renovar a experiência dos últimos quatro anos e, portanto, rejeita a opção 2).

Considerando as opções 3), 4) e 5), parece-me óbvio que o voto útil nas próximas eleições para a Assembleia da República é o voto no Bloco de Esquerda.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ainda sobre PPR’s e benefícios fiscais

O Jornal de Negócios analisou nove PPR’s e conclui que, nos últimos seis anos, a sua taxa de rentabilidade média foi negativa (-0,19%).

Na sequência do debate travado entre José Sócrates e Francisco Louçã sobre o fim dos benefícios fiscais, o dirigente do BE afirmou que no que respeita à subscrição de PPR’s, “os bancos ganham, as pessoas perdem e os contribuintes pagam o sistema”.

Como se sabe, levantou-se imediatamente um coro de comentaristas a acusá-lo de estar a pôr em causa as poupanças da classe média.

Afinal, a única coisa que está em causa são os lucros que a banca realiza à custa das finanças públicas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Post scriptum aos meus textos sobre justiça fiscal


Em apoio das posições aqui defendidas, não resisto à tentação de citar as ideias de um bem conhecido “extremista”, recolhidas dos blogs Ladrões de Bicicletas e Arrastão.

“Os benefícios fiscais à poupança no IRS têm 3 efeitos negativos: : tornam o sistema mais complexo e difícil de fiscalizar. Têm eslevados custos fiscais (redução da receita) e favorecem os titulares dos mais altos rendimentos, que são quem mais deles aproveita, diminuindo a progressividade real do imposto” (Vital Moreira, Causa Nossa, 10 de Setembro de 2005).

“O problema com as deduções em IRS é que deixa de fora dos benefícios justamente os mais pobres, os que nem sequer têm rendimento suficiente para pagar IRS. É por isso que os subsídios directos são mais eficazes e mais equitativos” (Vital Moreira, Causa Nossa, 10 de Junho de 2008).

“[S]e fossem tendencialmente eliminadas (quase) todas as deduções para toda a gente, incluindo as despesas com sistemas privados de educação e de saúde (como defendo há muito), então sim, a receita fiscal recuperada daria bem para uma diminuição significativa da carga fiscal dos pequenos e médios rendimentos. Com a vantagem adicional de uma grande simplificação e de mais transparência do IRS” (Vital Moreira, Causa Nossa, 10 de Fevereiro de 2009).

(Cuidado eng.º José Sócrates, há perigosos extremistas infiltrados por todo o lado!)
As propostas do Bloco para uma maior justiça fiscal (III)

Reformas, PPR’s e benefícios fiscais


O que diz a lei actualmente em vigor? Os contribuintes podem deduzir em sede de IRS 20% do capital investido num ano num PPR. O limite máximo dedutível varia com a idade. Para pessoas até 35 anos, a dedução máxima é de 400 euros, entre os 35 e os 50 anos é de 350 euros e com mais de 50 anos é de 300 euros.

Portanto, no caso do exemplo intermédio, quem quisesse poupar 350 euros em impostos, teria que adquirir um PPR no valor de 1750 euros. O que é que o banco vai fazer com esse dinheiro? Vai investi-lo em obrigações e em acções. Segundo o Jornal de Negócios (5 de Janeiro de 2009), em 2008, a descida do valor das acções cotadas em bolsa traduziu-se numa desvalorização média do capital investido em PPR’s em cerca de 10%. Ou seja, grande parte daquilo que se poupou em deduções fiscais foi perdido na roleta do casino bolsista.

Seja como for, estas considerações respeitam apenas àqueles que dispõem da possibilidade de acumular poupanças razoáveis no fim de cada ano e pouco importarão a quem tenha um vencimento próximo do ordenado médio nacional que, recordo, é de 887.50 euros. Estes teriam que poupar a totalidade do subsídio de férias e do 13º mês para adquirir um PPR de rentabilidade, no mínimo, duvidosa. De facto, a política de deduções fiscais sobre investimentos em PPR’s dirige-se ao sector mais bem pago dos trabalhadores por conta de outrem e das profissões liberais mais bem remuneradas e ignora as necessidades da grande maioria dos portugueses.

E aqui entramos no campo das opções políticas. Quando descontamos para a Caixa Geral de Aposentações, estamos a apostar numa política de solidariedade geracional e de redistribuição da riqueza: aqueles que hoje trabalham estão a pagar as pensões dos que trabalharam antes deles; os descontos dos que têm rendimentos mais altos revertem em parte a favor de quem toda a vida ganhou mal. Quando se defende que as nossas poupanças devem ser aplicadas em PPR’s está a fazer-se um apelo ao egoísmo dos mais ricos que consideram apenas as vantagens particulares que daí poderão obter.

Os dois sistemas poderão ser conjugados? A longo prazo parecem-me contraditórios. Cito: “Os rendimentos dos dois sistemas não se adicionam. Com efeito, um bom rendimento de um fundo colocado em obrigações supõe taxas de juros reais elevadas, o que é contrário ao crescimento e, portanto, ao emprego. No caso de um fundo comum colocado em acções, um bom rendimento supõe a compressão máxima da massa salarial. Nos dois casos, seriam os recursos do sistema de repartição a ser afectados” (Pierre Khalfa “A propósito da repartição dos rendimentos. O futuro das reformas”, in ATTAC, Uma Economia ao Serviço do Homem. Lisboa: Fim de Século, 2002) . Ou seja, o conjunto dos descontos para a CGA diminuiria e, com eles, diminuiriam as reformas de todos aqueles cujos rendimentos não lhes permitem subscrever PPR’s.

Em conclusão. Na medida em que todos os benefícios fiscais se traduzirão necessariamente numa redução das verbas disponíveis para o financiamento dos serviços públicos e das reformas, a sua defesa implicará sempre serviços públicos de menor qualidade e reformas mais baixas. Em troca, beneficiarão de eventuais vantagens aqueles que detêm maiores rendimentos e que, portanto, podem pagar serviços privados e investir em sistemas de reforma particulares. Uma justa política de redistribuição implica precisamente o contrário: as contribuições fiscais dos mais ricos devem permitir uma melhoria da qualidade de vida dos mais pobres.

Diga-se, em abono da verdade, que o Bloco de Esquerda, ao criticar a política de benefícios fiscais em vigor, não inventou nada de novo. Aquilo que propõe está de acordo com a melhor tradição social-democrata dos países do norte da Europa. É claro que, para o “socialista” José Sócrates, Olaf Palme deve ter sido um perigoso extremista.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

As propostas do Bloco para uma maior justiça fiscal (II)

Os benefícios fiscais relativos a despesas com a educação

A legislação em vigor estipula que se podem deduzir em sede de IRS 30% das despesas de educação e formação profissional até ao limite máximo de 681,60 euros. Só contribuintes que apresentem despesas bastante superiores a 2 000 euros poderão deduzir essa quantia. Serão muitos? Não me parece. Estamos a falar de pessoas com capacidades económicas muito acima do salário médio em Portugal (887.50 euros por mês).

A esmagadora maioria dos agregados familiares portugueses que tenham dois filhos a estudar deduzirá menos de 200 euros. Serão, ainda assim, prejudicados? As propostas do Bloco nesta matéria só podem ser compreendidas em conjugação com aquelas onde se defendem políticas que garantam a todos a frequência do ensino público, sem descriminar ninguém por razões económicas.

Assim, o Bloco defende:

- “A gratuitidade da escolaridade obrigatória. Na assunção dos princípios norteadores da Lei de Bases em vigor, a gratuitidade de frequência é uma condição da democratização. Defendemos a gratuitidade da escolaridade obrigatória no que respeita as condições básicas de matrícula, alimentação, manuais e material escolar, como requi”sito da extensão para doze anos de escolaridade” (O que quer o Bloco? 51 ideias para mudar Portugal. Lisboa: Bertrand, 2009, pág. 72).
- “A revisão da fórmula de fixação do valor das propinas [pagas no ensino superior público], indexando-o ao valor do salário mínimo nacional” (Ob. Cit., pág. 92).
- “Fixação das propinas relativas ao ciclo dos estudos para a obtenção de grau de mestre e doutor com o mesmo valor das estabelecidas para o ciclo de estudos relativo à obtenção de grau de licenciado (Ob. Cit., pág. 92).
- “Estabelecimento da isenção do pagamento de propinas para todos os estudantes a quem foi atribuída bolsa de estudo no âmbito da acção social escolar, para os desempregados e para os estudantes cujo rendimento líquido per capita do respectivo agregado familiar não ultrapasse o dobro do Indexante dos Apoios Sociais em vigor” (Ob. Cit., pág. 92).

Quem sai beneficiado e quem fica prejudicado na troca dos benefícios fiscais que actualmente aufere por estas regalias? Na minha opinião ficam a ganhar a grande maioria dos portugueses. Como diria António Guterres, “é só fazer as contas”.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

As propostas do Bloco para uma maior justiça fiscal (I)

A questão dos benefícios fiscais em despesas de saúde

O que diz José Sócrates: o Bloco quer acabar com os benefícios fiscais resultantes de despesas com a educação e com a saúde. O que diz o Programa do Bloco? O BE defende “a simplificação e redução do sistema de deduções e benefícios ao estritamente necessário nas despesas de saúde e educação” (O que quer o Bloco? 51 ideias para mudar Portugal. Lisboa: Bertrand, 2009, pág. 106). Não é o mesmo, pois não? Como interpretar o “estritamente necessário”?

Vejamos o caso das despesas com a Saúde. Actualmente, o Estado português paga as despesas efectuadas com tratamentos no estrangeiro se os recursos dos nossos hospitais não permitirem que eles se façam em Portugal. Nunca vi ninguém discordar. Então, porque não aplicar o mesmo princípio ás despesas com a saúde realizadas em consultórios e clínicas privadas? O Estado dará o seu contributo, nomeadamente através de benefícios fiscais, se os hospitais públicos não tiverem possibilidades de acompanhar e tratar os doentes que os procurem.

Em regra, isso não é “estritamente necessário”. Mas haverá sempre quem, por exemplo, prefira ser internado numa clínica privada onde não vai encontrar melhor assistência médica, mas, muito provavelmente, um conforto superior àquele que desfrutaria num hospital público. Têm toda a liberdade para fazer essa opção. Mas por que havemos de ser todos nós (isto é, o Estado) a contribuir para o pagamento das despesas inerentes através de benefícios fiscais? Por que é que a esmagadora maioria dos contribuintes portugueses, que é tratada em hospitais públicos, há-de contribuir com os seus impostos para que uma minoria com mais capacidade económica possa ser tratada em clínicas onde poderá desfrutar dos luxos de um hotel de muitas estrelas, em vez de ser obrigada a misturar-se com a "populaça" ?

É claro que não posso garantir que o serviço público esteja sempre em condições de responder em tempo útil às necessidades de todos. Sei muito bem, que os tempos de espera, por exemplo, nos serviços de estomatologia dos hospitais públicos são muitas vezes insuportáveis. Podemos, então ver-nos perante um caso em que é “estritamente necessário” o recurso a um dentista privado e as despesas daí decorrentes devem continuar a poder ser deduzidas no IRS.

Podemos todos invocar outros exemplos. Mas parece-me evidente que o objectivo final de um partido de esquerda só pode ser a de um serviço público eficiente, de qualidade, universal e gratuito. E quando essa meta for atingida, ninguém precisará de deduzir despesas de saúde nos impostos simplesmente porque não haverá despesas a deduzir.

O Bloco quer mesmo nacionalizar toda a banca comercial?

Procurando oferecer do BE a imagem de um perigoso partido da extrema-esquerda, José Sócrates no debate com Francisco Louçã afirmou que o Bloco defendia no seu programa a nacionalização da banca comercial e das companhias de seguros. E citou o seu programa: “A banca, os seguros e todo o sector financeiro são decisivos para a actividade económica, para o crédito e para a vida das pessoas, e por isso devem ser públicos”. A frase citada não acabava assim, mas Sócrates não estava interessado no que vinha a seguir. Completo-a eu: “ou estar sobre o controle de políticas públicas” (O que quer o Bloco? 51 ideias para mudar Portugal. Lisboa: Bertrand, 2009, pág. 111).

O que é que significa a parte da frase omitida por Sócrates e sublinhada por mim? O seu significado fica esclarecido nos 4 itens que se seguem:

· “A CGD deve cobrar juros não especulativos que, protegendo a sua actividade, sejam indutores de uma concorrência que penalize os juros altos, tornando possível transferir qualquer contrato de crédito sem custos entre bancos;
. “A redução do custo do crédito para as pessoas e o apoio ao sector produtivo e às iniciativas da economia social, permite ao sistema bancário público dirigir a política de crédito no país”
· A CGD deve absorver o BPN, assegurando o emprego dos seus trabalhadores, terminando a marca e gerindo a sua carteira”
· Compete ao sistema bancário público apoiar o crédito bonificado para desempregados e outras socialmente justificáveis” (Ob. Cit., pág. 112).

Ou seja, para o Bloco, a CGD deve ser defendida e recapitalizada (o Programa do Bloco propõe que seja aplicado nisso o total do fundo disponível para o efeito, no valor de 4 mil milhões de euros), demarcando-se das propostas surgidas da área do PSD (Pedro Passos Coelho) que defendia a sua privatização. Além disso, critica a sua orientação presente, defendendo que a CGD deve praticar juros não especulativos de forma a obrigar a restante banca comercial a seguir-lhe o exemplo, baixando os seus spreads, sob pena de perder os seus clientes.

Entre isto e o fantasma de um novo PREC agitado por Sócrates há uma diferença abissal.

(A outra grande crítica de Sócrates ao Programa do Bloco incidiu sobre a questão dos benefícios fiscais. Tratarei disso num outro post.)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Serviço Nacional de Saúde no debate eleitoral

Duas atitudes face ao SNS estiveram presentes nos debates Francisco Louçã/Manuela Ferreira Leite e Jerónimo de Sousa/Paulo Portas. Nos dois casos, os líderes dos partidos da direita invocaram as listas de espera para consultas ou cirurgias para defender a contratualização de acordos com os privados de forma a permitir um atendimento mais rápido.

De facto isso já está a ser feito, mas, na sua opinião essa prática deveria ser reforçada. Postas as coisas nestes termos, nenhum doente em lista de espera discordará. Contudo, a questão não fica tão facilmente resolvida. É preciso saber se isso é uma solução de último recurso que permite ultrapassar carências provisórias ou se, pelo contrário, se insere numa estratégias de desinvestimento no SNS pela afirmação crescente da assistência médica privada.

Quando sabemos que se encerram maternidades em cidades onde, depois, se abrem clínicas onde se fazem partos pagos com dinheiros públicos, o que é que devemos concluir?

O serviço público garante um rigor orçamental que os privados, sujeitos à lógica do lucro máximo só beneficiam em violar. (Como hão-de eles resistir à tentação de multiplicar exames, análises e tratamentos desnecessários, sabendo que tudo isso vai ser pago pelo Estado?)

Por outro lado, o serviço público garante uma qualidade de atendimento em casos de maior gravidade ou de tratamentos mais dispendiosos que nenhum privado satisfaz. Quem ganha, portanto, com uma estratégia de desinvestimento no SNS?

É claro que nem tudo vai bem no SNS. Muitas pessoas não têm médico de família, as listas de espera são um facto e recordo que o PS reprovou na AR uma proposta do BE para acabar com as “taxas moderadoras” em cirurgias e internamentos.

Mas nada disso significa que a aposta num SNS de qualidade, universal e tendencialmente gratuito possa ser abandonada a favor de um financiamento público de clínicas privadas cujo objectivo é o de gerir um negócio que será tanto mais lucrativo quanto maior for o desinvestimento no serviço público. Como muito bem defenderam Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa.

sábado, 5 de setembro de 2009

Afinal, o que distingue o Bloco do PCP?

Esta questão já me foi colocada por vários amigos, antes e depois do debate Jerónimo/Louçã.

Deve dizer, antes de mais, que compreendo o “pacto de não-agressão” que parece ter estado implícito no referido “debate”. A rivalidade entre o BE e a CDU é perfeitamente secundária em face da sua oposição comum ao governo Sócrates e à alternativa Ferreira Leite. Neste contexto, fazer incidir o foco da crítica naquilo que os divide seria desviar a atenção do essencial para sublinhar aquilo que, no curto prazo, é secundário.

Contudo, o período eleitoral não justifica que eu possa deixar aqueles que me interrogam sem resposta. Por que é que estou no Bloco e não estou (nem nunca quis estar) no PCP? Afinal o que é que os distingue?

1º) O PCP tem uma doutrina oficial, o marxismo-leninismo. No Bloco coexistem diferentes correntes marxistas e há quem não seja marxista, leninista ou trotskista.

2º) A disciplina interna do PCP obedece ao chamado “centralismo democrático”, o que significa que as decisões assumidas pela direcção do Partido não podem ser contestadas publicamente. Aliás, mesmo internamente, em regra, as críticas traduzem-se na marginalização dos críticos. No Bloco, existem diferentes correntes e tendências organizadas, com liberdade para debater e divulgar as suas posições particulares. A Mesa Nacional é formada por aderentes de todas as tendências, representadas na proporção directa dos votos obtidos em votação secreta na Convenção Nacional.

3º) O PCP vê-se como a “vanguarda da classe operária”, julga-se predestinado a guiar o povo na sua marcha para o Socialismo e convive com dificuldade com todos aqueles que aceitem relutantemente o seu papel dirigente. O Bloco considera-se parte integrante de uma esquerda plural, onde têm lugar outros partidos, organizações e movimentos sociais.

4º) O PCP tem uma história de apoio sistemático à antiga União Soviética, inclusive na época em que o PCUS foi dirigido por Estaline. Em 1968, apoiou a invasão da Checoslováquia pelas forças do Pacto de Varsóvia. Nunca fez nenhuma autocrítica das posições então assumidas e nunca realizou um balanço crítico consistente das experiências do chamado “socialismo real”. Pelo contrário, mantém relações “fraternais” com os partidos comunistas no poder na R.P. da China, da Coreia do Norte, de Cuba, etc. O Bloco considera que o Socialismo e a Democracia são valores indissociáveis e, consequentemente, assume uma posição crítica em relação a esses regimes.
Pela minha parte, não obedeço a dogmas inquestionáveis nem estou disposto a aceitar o princípio da infalibilidade dos “chefes”. Liberdade, pluralismo, democracia são para mim valores fundamentais. Por isso, nunca fui do PCP e só estarei no Bloco enquanto eles permanecerem vivos no seu seio.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Na Alemanha, algo de novo...

A relação de forças e a paisagem política que se observava na Alemanha ficou bastante alterada depois das eleições estaduais recentemente realizadas. A CDU perdeu a maioria absoluta com que governava no Sarre e na Turíngia e apenas conservará o poder na Saxónia, onde deverá coligar-se com o FDP. O SPD só ganhou votos na Turíngia, tendo descido no Sarre e mantido a sua votação na Saxónia. O Die Linke (A Esquerda) sai muito reforçado destas eleições, com votações acima dos 20% (21% no Sarre, 20,5% na Saxónia e 26% na Turíngia) e deverá formar governo coligado ao SPD e aos Verdes, no Sarre, e com o SPD, na Turíngia. Recorda-se que o governo da cidade-estado de Berlim resulta já de uma coligação SPD/Die Linke.

O que é o Die Linke?

O Die Linke é um partido fundado em 2007 a partir da fusão do PDS com o WASG. O PDS (Partido do Socialismo Democrático) foi formado, depois da queda do Muro de Berlim, em grande parte por ex-militantes do SED (Partido Socialista Unificado) que detinha o poder na RDA, ao qual vieram a aderir posteriormente outras pequenas organizações de esquerda fundadas na Alemanha ocidental. O WASG (Alternativa Eleitoral para o Trabalho e a Justiça Social) foi formado principalmente por sindicalistas e ex-militantes do SPD. Ou seja, é um partido que nasceu do reconhecimento do falhanço do “socialismo real” e da recusa da deriva neoliberal duma social-democracia conquistada pela “terceira via”. O Die Linke afirma-se na defesa do socialismo e da democracia. Após a sua fundação, tem vindo a crescer rapidamente, obtendo 8,7% dos votos nas últimas eleições federais e contando com 53 deputados no Bundestag. No plano europeu integra, tal como o Bloco de Esquerda, o Partido das Esquerdas Europeias e, no Parlamento Europeu o GUE/NGE (Grupo Unitário da Esquerda/Esquerda Nórdica Verde). Actualmente, tem uma presidência bicéfala formada por Oskar Lafontaine (ex-dirigente do SPD) e Lothar Bisky (ex-dirigente do PDS).

Com 76 139 membros (dados oficiais de Setembro de 2008), o Die Linke é já um partido de massas e, ao mesmo tempo, dada a grande diversidade de correntes político-ideológicas que o integram (ver a este propósito Die Linke, Wikipédia), um verdadeiro laboratório do pensamento da esquerda contemporânea.

Quais são as suas posições políticas fundamentais? (Para responder, vou basear-me fundamentalmente na série de artigos sobre o Die Linke e a situação política alemã que têm vindo a ser publicados por um português residente na Alemanha, João Alexandrino Fernandes, no Esquerda.net, nos últimos meses, e no discurso de Oskar Lafontaine na reunião dos dissidentes do Partido Socialista Francês que viriam a fundar o Parti de Gauche.)

Formado em parte por ex-militantes do PSU (de facto, 5% dos militantes do PSU integraram o PDS, enquanto que os restantes ou se filiaram noutros partidos, ou se afastaram da actividade política), o Die Linke sentiu ser necessário esclarecer de forma inequívoca a sua posição acerca da RDA que considerou como um projecto político falhado. Denunciou a injustiça da política e do sistema, a desconfiança sistemática da direcção política em relação ao próprio povo, a falta ostensiva de democracia e de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e a deficiente capacidade do sistema económico para satisfazer as necessidades de consumo da população.

Por outro lado, demarcou-se da deriva neoliberal do governo SPD/Verdes, liderado pelo social-democrata Gerhard Schröder e encontra-se actualmente na oposição ao governo do bloco central CDU/SPD.

Exige o aumento das prestações sociais, maior duração no pagamento do subsídio de desemprego, a introdução de um salário mínimo, a partir de um valor também mínimo de 8 euros/hora de trabalho, a ser rapidamente aumentado para 10 euros.

Defende a qualificação do trabalho, entendendo que este objectivo só pode ser atingido mediante o pagamento de bons salários, da possibilidade de os trabalhadores participarem nas decisões das empresas, da segurança no trabalho, de sindicatos fortes e de condições de higiene.

Exige solidariedade na saúde, a obter mediante a introdução de um seguro de saúde social, abrangendo tratamentos amplos para todos.

Defende o desenvolvimento do seguro de pensões legal, de forma a garantir não só a sobrevivência na velhice, mas também a manutenção do nível de vida.

Exige justiça fiscal, a conseguir através da elevação das taxas de imposto dos escalões superiores, da reforma do imposto sobre as sucessões e da reintrodução do imposto sobre fortunas.

Em matéria de alterações ao clima, exige a redução da emissão de gases prejudiciais na Alemanha em 40% até ao ano 2020 e em 90% até meio do século, tendo em ambos os casos por relação os valores de 1990. Pretende que a Alemanha realize a transição para as energias renováveis e que ao mesmo tempo poupe mais no consumo energético. O Die Linke é contra a construção de novas centrais de energia a carvão e a favor da transição para a energia solar, como forma de protecção global do ambiente e da redução da dependência da importação de petróleo e de gás. Estas medidas permitem fomentar o desenvolvimento económico regional e a criação de postos de trabalho. Entende ainda que um papel precursor da Alemanha nestas matérias daria um novo impulso às negociações climáticas paradas no seio da ONU e deveria estar na origem do um acordo que venha a suceder ao protocolo de Kyoto. E acima de tudo, compreende uma protecção climática consequente como um acto de solidariedade internacional com a parte da humanidade mais atingida pelas alterações ao clima.

Em matéria de política externa, luta pelo desarmamento. Entende que a Alemanha e a Europa devem renunciar ao desenvolvimento e produção de armas ofensivas. Defende a proibição de exportações de armamento, o fim do estacionamento de armas nucleares na Alemanha, a recusa da Alemanha em participar na espiral da corrida aos armamentos e no estabelecimento de sistemas de defesa antí-mísseis na Europa de acordo com os planos dos USA, o desarmamento mundial e a proibição das armas de destruição massivas e critica a intervenção militar da Alemanha no Afeganistão.

Que perspectivas se abrem à esquerda alemã na sequência das próximas eleições federais?

Uma sondagem recentemente divulgada pela Agência Lusa atribuía à CDU/CSU 36% dos votos, 14% ao FDP, 22% ao SPD, 12% aos Verdes e 10% ao Die Linke. É provável que o actual governo CDU/SPD da chanceler Ângela Merckl venha a ser substituído por um outro formado com base numa aliança CDU/FDP. O “bloco central” deverá dar lugar a uma aliança da direita. A possibilidade de construção duma futura alternativa de esquerda que inclua o Die Linke tem sido rejeitada pelo SPD. Veremos o que nos trará o futuro. Mas é bem possível que, no que se refere à recomposição da esquerda, interessantes novidades nos venham a surgir da Alemanha.