segunda-feira, 29 de março de 2010

Passos Coelho, presidente do PSD

E AGORA?

Releio os jornais deste fim-de-semana e detenho-me nos artigos acerca da vitória de Passos Coelho. Analisam-se os resultados das directas, identificam-se vencedores e vencidos e examina-se a nova situação política criada. Daniel Oliveira afirma que o PS se encontra perante um dilema: perante um PSD claramente posicionado à direita, ou se demarca procurando reposicionar-se à esquerda (e nesse caso, terá de se libertar de Sócrates) ou defende-o e perde no confronto com um líder do PSD muito menos desgastado e mais consequentemente neoliberal. É claro que espera que o PS adopte a 1ª opção, mas talvez esteja a cair numa velha armadilha - a de confundir os seus desejos com a realidade. Na verdade, o PEC motivou mutas críticas de figuras destacadas, porém não surgiu ainda não surgiu nenhuma capaz de congregar em torno de si um movimento de oposição à actual direcção e José Sócrates não é daqueles que desista e saia pelo seu pé.

Pela minha parte, serei mais prudente. Admito que Sócrates possa tentar de novo o golpe de se apresentar como o único representante da “esquerda possível” contra a ofensiva duma direita radical. Com alguma cosmética eleitoral, vai tentar aparecer como o líder duma "esquerda moderada" e acusar uma "extrema-esquerda irresponsável" de fazer o jogo da direita. Já resultou uma vez, pode resultar de novo.

Quanto ao mais, de seguro, quem nós conhecemos é o “Pedro Passos Coelho, candidato a presidente do PSD” (por comodidade, chamemos-lhe PPP1). Falta-nos ainda conhecer o “Pedro Passos Coelho, chefe do maior partido da oposição” (PPP2) e o “Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro” (PPP3).

Não creio que devamos confundir estas três personagens. PPP1 votava contra o OGE, contra o PEC, ia encostar o PS à parede e não receava provocar a curto prazo uma crise política e a demissão do governo. Posicionava-se claramente à direita e assumia uma postura neoliberal. PPP2 será mais prudente e, claro está, porque é “responsável” e “patriota”, fará as concessões que tiverem de ser feitas. Entretanto, vai-se preparando para eleições antecipadas. A escolha do pretexto e do timing mais justo vai ser decisiva. E, caso as ganhe, o que vai fazer o PPP3? Contrariando o sábio conselho do João Pinto (“previsões só no fim do jogo”), arrisco aqui um prognóstico: no essencial, vai fazer o mesmo que José Sócrates.

JS tem contra si uma imagem muito desgastada. PPP tem a seu favor o factor novidade. Apesar disso, haverá quem pense que mais vale apostar na continuidade. Sabem com o que contam e nem todos se têm saído mal. Outros acharão que talvez seja necessário mudar qualquer coisa para que tudo fique na mesma. Quem reealmente quiser mudar terá que fazer outras opções.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Elogio de Manuela Ferreira Leite

Chega hoje ao fim o mandato de Manuela Ferreira Leite como presidente do PSD. Julgo que não será necessário reafirmar aqui a minha discordância com as suas concepções ideológicas e políticas. Nada disso me impede de reconhecer nela qualidades de carácter que se vão tornando raras em muitos dos nossos dirigentes partidários, nomeadamente naqueles que disputam a liderança dos dois maiores partidos e a chefia do governo.

Ninguém é capaz de ouvir José Sócrates sem se interrogar acerca do traçado da incerta fronteira que separa no seu discurso a verdade da mentira. Todos sabemos como ganhou a últimas eleições: escondendo factos essenciais a respeito da situação da dívida pública e prometendo fazer exactamente o contrário daquilo que, passados poucos meses, nos apresenta como indispensável.

Passos Coelho, o presumível futuro presidente do PSD, é um Sócrates 2. Alguém para quem a imagem e popularidade tudo justificam. Aparentemente, promete uma viragem à direita do PSD e um reforço da sua orientação neoliberal. Mas dirá tudo o que lhe pareça se útil para chegar ao poder – depois se verá.

Ambos têm a escola das “jotas”, onde aprenderam que o poder é tudo e todos os meios para o alcançar são legítimos. E talvez tenha sido por isso mesmo que José Sócrates lá chegou e Passos Coelho seja capaz de lá chegar. Os militantes do PS e do PSD sabem-no bem e, portanto, os dois têm os respectivos aparelhos nas mãos.

Confrontada com estas duas personagens Manuela Ferreira Leite é uma outsider. Decididamente não tem jeito para a política. Tem o defeito da frontalidade e da honestidade. Não é uma boa comunicadora e, imaginem, tem o hábito de dizer aquilo que julga ser justo, mesmo quando os eleitores gostariam de ouvir o contrário!

É claro que, com ela, o PSD nunca chegaria ao poder. Mas eu, que não sou do PSD e que estou pelos cabelos com esta situação em que a demagogia campeia e dá frutos, gostaria de lhe deixar aqui esta pequena homenagem.

terça-feira, 23 de março de 2010

Aguiar-Branco, Passos Coelho ou Paulo Rangel?

A campanha eleitoral para a presidência do PSD entra na recta final e a batalha disputa-se em várias frentes. Em que ponto nos encontramos?

a) Quem parece apostar mais na apresentação, a curto prazo, de uma moção de censura ao governo? 1º, Passos Coelho; 2º, Aguiar-Branco; 3º, Paulo Rangel.
b) Quem parece rejeitar mais liminarmente a possibilidade de se abster numa votação na AR acerca do PEC? 1º, Passos Coelho: 2º, Paulo Rangel; 3º, Aguiar-Branco.
c) Quem parece defender uma alternativa mais radicalmente neoliberal à actual política governamental? 1º, Passos Coelho; 2º Paulo Rangel; 3º Aguiar-Branco.
d) Quem parece estar mais alinhado com as posições políticas de Manuela Ferreira Leite? 1º) Aguiar-Branco; 2º Paulo Rangel; 3º Passos Coelho.
e) Quem parece apoiar com mais convicção a recandidatura de Cavaco Silva? 1º, Aguiar-Branco; 2º Paulo Rangel; 3º, Passos Coelho.

Posto isto, quem se apresenta como favorito? Evidentemente, Passos Coelho. Os militantes do PSD estão cansados de ser oposição e serão mais facilmente seduzidos por quem lhes prometer o poder ali já, ao dobrar da esquina.

Quem gostaria José Sócrates que vencesse? Passos Coelho. Sócrates quer eleições antecipadas porque supõe que sairia delas reforçado. Além disso, o discurso radicalmente neoliberal de Passos Coelho talvez lhe permitisse agitar de novo, como o fez nas últimas eleições, o espantalho do regresso da direita ao poder e apresentar-se junto do eleitorado do seu partido como o melhor representante da “esquerda possível”.

Quem preferiria Paulo Portas? Passos Coelho. Uma oposição radical do PSD ao governo, alargaria a margem de negociação do CDS-PP e deixaria o PS refém da sua vontade.

E o que deve pensar a esquerda de tudo isto? Na minha opinião, não deve levar as disputas entre os diversos candidatos à presidência do PSD demasiado a sério. Separa-os, sobretudo, divergências acerca da melhor forma de conquistar o partido. O que fará o vencedor é outra coisa. A grande questão que se lhe vai colocar é a de saber escolher o momento oportuno para a realização de eleições antecipadas. E para isso vão olhar, sobretudo, para as sondagens de opinião. Serão elas e não os seus actuais discursos quem vai determinar as suas escolhas.

Resta uma última questão. Se o PSD ganhar as próximas eleições, o que é que vai fazer no governo? É a pergunta mais difícil. Ainda se lembram do “choque fiscal” de Durão Barroso? Logo que chegou ao poder, tratou de subir os impostos. Mas se tenho que lhe responder, então arrisco esta hipótese: não será uma política radicalmente diferente daquela que já conhecemos pela mão de José Sócrates e de Teixeira dos Santos.

sábado, 20 de março de 2010

O dito e o feito (2)

“O programa eleitoral do PS foi uma brincadeira”

Pedro Adão e Silva afirmou que algumas das medidas preconizadas pelo PEC provam que “o programa eleitoral do PS foi uma brincadeira e que o governo incorporou as críticas mais ferozes ao RSI” feitas pelo CDS-PP. Eu não lhe chamaria brincadeira, mas sim uma fraude. Durante a campanha eleitoral, o PS afivelou uma máscara “de esquerda” para ganhar as eleições. De novo no governo, apressou-se a retomar muitas das por si tão execradas propostas defendidas pelos partidos da direita, contracção do investimento público, novas privatizações, cortes no subsídio de desemprego e no rendimento social de inserção.

Contudo, nem todos os socialistas admitem participar neste jogo onde vale tudo. Manuel Alegre dá-nos mais uma vez provas da sua coerência e verticalidade quando se pronuncia contra a privatização da REN, dos CTT e da TAP e quando afirma que o PEC do governo exige aos portugueses um esforço de contenção que está “desigualmente distribuído” e que nele há “consolidação a mais e crescimento a menos”.

E só posso estar inteiramente de acordo com João Cravinho quando diz que “o PS entrou numa deriva à direita” e que vai ser muito difícil corrigi-la “sem que haja grandes alterações na [sua] direcção”.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Como reduzir a dívida pública

CORTAR NAS DESPESAS SOCIAIS OU AUMENTAR OS IMPOSTOS?


A opção dos partidos da direita, do PSD e do CDS-PP, não deixa lugar a dúvidas: todo o esforço de redução da dívida pública deve ser feito pela via da redução das despesas, sendo condenável qualquer subida de impostos. Baseia-se nisto a sua crítica do PEC proposto pelo governo.

O governo procura atacar nas duas frentes, mas aposta também sobretudo na redução da despesa: o PEC prevê uma redução da despesa na ordem dos 2,7%; o aumento das receitas previsto é de 0,8%.

O Memorando do Bloco de Esquerda apresentado no dia 10 de Março propõe um conjunto de medidas que se traduzem numa redução da despesa de 2,1% e num aumento da receita de 1,6%. Ou seja, a redução da despesa não é tão acentuada como na proposta do governo (há uma diferença de 0,6%) e o aumento da receita é maior em 0,8%.

Há, portanto, uma divergência evidente ao nível do peso relativo atribuído aos capítulos “redução das despesas” e “aumento das receitas". Mas, para além disso, ficam ainda de pé duas questões fundamentais.

Em primeiro, lugar, como reduzir a despesa? Aqui surgem de novo divergências notórias. Para o governo “reduzir despesas” significa lançar os custos da crise sobre os mais fracos: propõe-se a redução dos custos com pessoal em 2,7% (congelamento de salários, regra de 1 por 2 ou 3, no acesso à função pública, etc.) e a redução das prestações sociais em 0,6% (gastos com subsídio de desemprego, rendimento de reinserção social, comparticipações em medicamentos e despesas escolares, etc.), e redução do investimento público em 0,5% (com consequências negativas inevitáveis ao nível da retoma do desenvolvimento económico e do desemprego). 3,3%, portanto, contra uma redução dos consumos intermédios (outsourcing, despesas militares, etc.) de apenas 0,4%.

É claro que nem toda a despesa pública é virtuosa, mas é fundamental quando, num contexto de recessão económica, compensa a retracção do investimento privado e contribui para combater o desemprego e estimular a procura, e quando surge em defesa de serviços públicos indispensáveis e da protecção daqueles a quem a crise atirou para o desemprego e a pobreza. Com certeza nada disto impede que não se possam tomar medidas positivas neste domínio cortando no despesismo inútil e imoral que invade vários sectores da intervenção governativa, nas despesas de consumo intermédio, no adiamento de algumas das chamadas “grandes obras”, e, sobretudo, como propõe o memorando do Bloco, na renegociação das ruinosas parcerias público-privadas.

Em todos estes domínios o Bloco propõe medidas concretas. Contudo, ao recusar a descida dos salários reais, pelo menos nos escalões mais baixos da função pública, e a redução cega das despesas sociais, o BE aceita que a redução das despesas seja apenas de 2,1% e não de 2,7%, como propõe o governo.

Como compensar esta diferença de 0,6%? Resta uma solução: a subida dos impostos. Evidentemente, neste domínio há que ser selectivo. O Bloco concorda com a criação de um novo escalão do IRS para aqueles que têm rendimentos acima dos 150.000 euros anuais e propõe, ainda, a tributação das mais-valias obtidas com a especulação bolsista em 20%, tal como é norma na União Europeia, já em 2010, a anulação dos benefícios fiscais injustificados, um imposto de 25% sobre as transferências para offshores e a tributação em 50% dos prémios extraordinários de gestores e administradores das grandes empresas. Estas medidas permitiriam um aumento das receitas do Estado em 1,6%, contra os 0,8% previstos no PEC.

O PEC proposto pelo governo propõe-se reduzir o défice das contas públicas sobretudo à custa de cortes nos gastos sociais e, por isso, não é aceitável. Mas é preciso prevenirmo-nos contra as críticas que nos chegam dos partidos da direita: reduzir o défice sem cortar nos gastos sociais e, ao mesmo tempo, recusar qualquer aumento de impostos é como prometer a quadratura do círculo. Há uma crítica de esquerda ao PEC, como aquela que é protagonizada pelo Bloco, e uma crítica de direita que chora lágrimas de crocodilo diante da pobreza, enquanto defende os direitos intocáveis dos mais ricos.

Entre a redução dos gastos sociais do Estado e o aumento dos impostos há uma escolha que tem de ser feita. As diferenças entre a esquerda e a direita passam também por aí.

terça-feira, 16 de março de 2010

O dito e o feito…

São conhecidas as grandes linhas orientadores do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC): redução do investimento público, baixa dos salários reais dos funcionários públicos (que se repercutirá inevitavelmente numa baixa equiparável nos salários praticados no sector privado), agravamento das condições de acesso ao subsídio de desemprego, à reforma e à saúde pública, aumento de impostos e novas privatizações.

A primeira coisa que se pode dizer a propósito disto é a de que se trata de um plano que compromete apenas o actual governo uma vez que foi apresentado como facto consumado a todos os portugueses. Mais ainda: o governo não só dispensou qualquer negociação séria com os parceiros sociais e todos os partidos da oposição, como também não o discutiu no seio do próprio PS, tendo já aparecido no seu seio destacados militantes, como Mário Soares, a distanciar-se criticamente do plano de privatizações previsto.

O Bloco de Esquerda propôs quinze medidas de alteração do PEC (ver www.esquerda.net/media/15medidas_100310.pdf) que, contrariando a fatalidade da receita que consiste em pôr os mais fracos a arcar com os maiores sacrifícios, sugere formas alternativas de reduzir a despesa pública e de aumentar as receitas do Estado. Até hoje, o governo fez ouvidos de mercador. Naturalmente, os partidos da direita não se reconhecerão no memorando apresentado pelo BE, restando saber como é que o os deputados do PS vão reagir. Submetem-se mais uma vez às ordens do governo e ficam á espera da abstenção do PSD ou vão olhar com atenção para as propostas que lhe chegam da esquerda?

Temos um governo apoiado por uma maioria relativa na AR e ninguém se encontra em condições de garantir que vai cumprir o seu mandato até ao fim. Nestas condições, parecia aconselhável que o PEC, que foi elaborado para vigorar até 2013, deveria reunir um consenso alargado. Porém, José Sócrates não está decididamente vocacionado para o diálogo. O mais provável é que se repita uma situação já conhecida: ou os partidos com assento na AR aceitam o PEC tal como está ou serão responsabilizados por serem fautores duma recusa que poderá ter consequências negativas para a imagem do país aos olhos da Comissão Europeia e dos mercados financeiros internacionais.

Poderia argumentar-se dizendo que qualquer discussão prévia do PEC estava limitada pelos compromissos assumidos pelo PS durante a última campanha eleitoral. No entanto, então ninguém ouviu os falar de congelamento de salários da função pública, nem de agravamento das condições de acesso e diminnuição do valor do subsídio de desemprego, nem de muitas das privatizações agora anunciadas, como, por exemplo, a dos CTT. O PS fez campanha sublinhando a importância do investimento público para o relançamento da economia e todos se lembrarão ainda do debate que Sócrates “ganhou” a Louçã insurgindo-se contra o ataque à classe média que estaria implícito na proposta do Bloco de redução das deduções fiscais. Como se sabe, o PEC suspende agora uma série de investimentos públicos, as deduções fiscais derivadas de despesas com a saúde e a educação foram substancialmente reduzidas a partir do 3º escalão do IRS e as deduções derivadas da subscrição de PPR's vão acabar.

Terá sido assim porque durante a campanha eleitoral o governo não estaria ainda consciente da situação das contas públicas? De facto, proclamava-se então que a dívida pública estava perfeitamente controlada e situava-se abaixo dos 6%. Mas, pouco tempo depois era o próprio governo a informar-nos que, afinal, a dívida estava próxima dos 9% e que a situação das contas públicas exigia um orçamento “redistributivo”. Não o saberia há três meses atrás? O que é que mudou entretanto? Que eu saiba, apenas o facto de já terem decorrido as eleições.

No Congresso do PSD, o presidente da Câmara de Mafra afirmou que se não mentisse nunca teria chegada onde chegou. Provavelmente tem razão. E parece que aquilo que se aplica às eleições autárquicas, também se aplica às legislativas. Resta saber durante quanto mais tempo os eleitores vão permitir que a mentira compense.

domingo, 14 de março de 2010

Sondagens – Presidenciais

As três últimas sondagens publicadas dão-nos os seguintes resultados: Aximage: Cavaco Silva, 56%; Manuel Alegre, 21,6%; e Fernando Nobre, 13,8%; Universidade Católica (CESOP): Cavaco Silva, 57%; Manuel Alegre, 19%; e Fernando Nobre, 8%. Eurosondagem: Cavaco Silva, 36,9%; Manuel Alegre, 25%; Fernando Nobre, 9,6%; e candidato indicado pelo PCP, 5%.

Note-se que a sondagem da UC não pede uma indicação de voto, mas apenas uma opinião acerca de qual dos candidatos seria o melhor PR. Portanto, nada nos permite afirmar que quem emite essa opinião tenha a intenção de votar. A sondagem da Aximage não refere a percentagem de indecisos. O total apurado dá 90,4%. Já a CESOP refere a existência de 16% de indecisos e a Eurosondagem de 16,9%. Além disso, só a Eurosondagem inclui a possibilidade de votar num candidato indicado pelo PCP, embora o aparecimento desse candidato seja muitíssimo provável. 6,9% dos inquiridos por essa sondagem admitem votar ainda noutro candidato que vier a aparecer.

Posto isto, parece-me que, embora Cavaco Silva parta numa posição de favorito, a sua vitória final não é ainda um facto adquirido. De facto, à direita já está tudo definido. Logo, é pouco provável que haja uma percentagem significativa de indecisos que possa vir a votar Cavaco. Pelo contrário, a intenção de voto em qualquer uma das outras candidaturas têm um potencial de crescimento não desprezível, uma vez não se sabe ainda quem vai contar com o apoio oficial do PS e quem será o candidato do PCP. Se Cavaco Silva for obrigado a uma 2ª volta e se Manuel Alegre souber chamar a si os votos de Fernando Nobre e do PCP, então poderá falhar a sua reeleição.

Falo concretamente em Manuel Alegre porque é ele que aparece como o segundo candidato mais votado em qualquer uma das sondagens analisadas.

Parece, pois, que só ele se encontra em condições de disputar a vitória a Cavaco Silva. E este facto obriga-me a questionar a tomada de posição de um conjunto de aderentes do Bloco ligados a duas tendências, a da Ruptura/FER e a da Esquerda Nova, apoiantes das listas C e D, derrotadas na última Convenção, que apareceram recentemente a pedir a convocação de uma Convenção Extraordinária para rever o apoio dado pela Mesa Nacional do Bloco à candidatura de Manuel Alegre.

O seu argumento fundamental parece ser este: o BE não pode apoiar o candidato que o PS apoiar oficialmente. Note-se que Manuel Alegre já deu sobejas provas de independência política para poder ser apresentado como “o candidato de Sócrates”. Mas, pelos vistos, nada disso importa. Aqueles puristas pura e simplesmente não querem misturas. É claro que, desta forma, o Bloco acabaria por deixar de ter qualquer iniciativa política. Primeiro, teríamos que esperar pelo que Sócrates dissesse para, depois, dizer o contrário.

Mesmo um eventual apoio a Fernando Nobre ficaria contaminado por este princípio. Como se sabe, a candidatura de Fernando Nobre surgiu estimulada pela linha soarista do PS. Vamos imaginar que essa linha conseguia o apoio da direcção do Partido. Então, já não seria possível ao Bloco dar-lhe o seu apoio e Manuel Alegre poderia voltar a ser uma hipótese possível…

O BE deveria apresentar uma candidatura própria? É uma hipótese que também é avançada pelos defensores da Convenção Extraordinária. Contudo, ninguém pode obrigar nenhum dos membros da Comissão Política a candidatar-se contra a sua própria vontade. O mesmo se poderá dizer para a grande maioria dos membros da Mesa Nacional (onde a proposta de apoiar a candidatura de Alegre só teve dois votos contra e seis abstenções). Não vejo nenhum destacado dirigente do Bloco a aceitar assumir essa candidatura. Quem seria então o candidato do BE? Parece-me que resta àqueles que desejam uma Convenção Extraordinária fazer avançar o seu próprio candidato. Talvez o Gil Garcia…
Sondagens - Legislativas

Que leitura é possível fazer das sondagens recentemente publicadas acerca da intenção de voto em futuras eleições legislativas? Refiro-me nomeadamente às sondagens realizadas pela Intercampus, Universidade Católica e Eurosondagens baseadas em inquéritos realizados entre os finais de Fevereiro e os primeiros dias de Março.

Antes de mais, existe uma variação muito grande nos resultados obtidos, particularmente pelos partidos mais pequenos. Assim, o CDS-PP obteria 7,8% segundo a Intercampus, 10%, segundo a UC e 14%, segundo a Eurosondagens; e o BE teria, respectivamente, 10%, 6% e 8%.

Isto previne-nos para a necessidade de julgar com muitas reservas estes resultados. No entanto, há algumas invariantes sobre as quais talvez seja possível retirar algumas conclusões.

1º) Em todas elas o partido mais votado é o PS (Com 40,3%, 36,9% e 41%). Nas sondagens da Intercampus e da Eurosondagens apresenta-se mesmo com uma maioria próxima da maioria absoluta.

2º) Contudo, quando consultados a propósito da actuação do governo, a maioria dos inquiridos atribui-lhe nota negativa, o que nos leva a crer que, quando votam no PS, não o fazem por apoiarem a sua política, mas apenas porque não encontram alternativas favoráveis nos partidos da oposição.

3º) Este apoio baseado no princípio do “mal menor”, não autoriza o PS a encarar com optimismo futuras eleições. Tanto mais que se verifica em todas as sondagens citadas que a soma dos votos PSD com os do CDS-PP supera os resultados obtidos pelo PS e indicia mesmo a possibilidade duma eventual nova Aliança Democrática poder alcançar a maioria absoluta (42,1%, 41% e 43%). Essa hipótese tenderá a ganhar mais peso a partir do momento em que o PSD resolva o seu problema de liderança.

4º) Por outro lado, a possibilidade de contrapor a essa possível maioria de direita uma maioria de esquerda é pouco credível, uma vez que, repetidamente, se tem verificado que essa maioria não tem funcionado.

5º) O PS sempre que precisa de uma maioria parlamentar para fazer passar as suas propostas, prefere fazer acordos com os partidos à sua direita. O momento em que a direita vai recusar viabilizar leis fundamentais e exigir novas eleições chegará mais cedo ou mais tarde. E os eleitores, cansados de uma política de direita travestida de “socialista”, são bem capazes de querer experimentar o produto original e de dispensar este sucedâneo socrático.

Conclusão: ao colocar o BE e o PCP à margem de qualquer negociação que se relacione com a política económica e social do governo, o PS faz passar para a opinião pública a mensagem de que só são exequíveis as opções políticas apoiadas ou toleradas pela direita. E, sendo assim, está a preparar de facto o regresso do PSD e do CDS-PP ao poder.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Feminismo(s)

No dia 8 de Março de 1857, as operárias duma fábrica de tecidos de Nova Iorque entraram em greve, exigindo aumento de salários (ganhavam 1/3 do ordenado dum operário) e diminuição das horas de trabalho. O patrão chamou a polícia e as grevistas foram trancadas no interior da fábrica, que foi incendiada. Morreram 129 operárias. A partir de então um movimento reivindicativo centrado nos direitos das mulheres foi ganhando corpo e, em 1910, uma Conferência realizada na Dinamarca institui o dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.

Actualmente as comemorações do 8 de Março referem-se não só às reivindicações laborais das mulheres, mas relacionam-se num plano mais geral com as lutas travadas pelos movimentos feministas que põem em causa a “subordinação deliberada e sistemática das mulheres, como grupo, por parte dos homens, como gupo, dentro de um determinado contexto cultural” (Karen Offen, European feminism, 1750-1950. A political history. Stanford, Califórnia: Stanford University Press, 2000).

Considerando o movimento feminista no quadro das democracias ocidentais, várias autoras identificam três fases diferentes na sua evolução.

As suas origens estão no séc. XVIII, pois já em 1972 Mary Wollstonelcraft defendia contra Rousseau, em Reivindicação dos Direitos da Mulher, que a situação de dependênca em que se encontravam as mulheres não era determinada pela natureza, mas uma consequência da educação que sofriam, defendendo a igualdade de homens e mulheres como seres racionais e autónomos. Mas foi sobretudo a partir dos meados do séc. XIX que o feminismo alcançou a dimensão de um movimento social. A partir de então e até aos anos 20 do séc. XX, desenvolveu-se, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, um feminismo liberal que centrava as suas reivindicações na defesa da igualdade de direitos políticos (nomeadamente, ao direito ao voto), educativos (acesso aos estudos profissionais e educativos) e laborais (igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções).

Ao mesmo tempo, nasceu um feminismo socialista. Em 1884, Engels publicou A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, onde defendeu que a submissão feminina no quadro do casamento monogâmico resultou da necessidade de tornar inquestionável a paternidade dos descendentes e de, portanto, garantir a transmissão em regime sucessório, de pai para filho, do património acumulado pela família. Na sociedade capitalista, o trabalho feminino era duplamente explorado, no plano produtivo, como mão-de-obra barata, e no plano reprodutivo, alimentado o sistema com os seus filhos-operários. A emancipação da mulher deveria passar, portanto, pela revolução proletária e pelo fim do capitalismo.

A segunda vaga do movimento feminista teve em Simone de Beauvoir uma das suas principais porta-vozes. Em O Segundo Sexo (1949), defendeu que o género era uma construção social (“não se nasce mulher, faz-se”), que a maternidade não deveria limitar as possibilidades de desenvolvimento intelectual e profissional da mulher e que, para isso, era fundamental a repartição do trabalho doméstico no seio da família. Estas ideias, secundadas por outras autoras como Betty Friedman (A Segunda Fase, 1981), sublinham o facto da exploração da mulher não estar limitada ao mundo das relações laborais, mas de encontrar uma segunda dimensão no campo das relações familiares.

Neste sentido, demarca-se do marxismo que seria “cego ao sexo”, ou seja, às relações de dominação homem/mulher que nos confrontam com questões que não se esgotam nas relações de dominação burguesia/proletariado. O domínio patriarcal não era um mero subproduto do capitalismo, tal como o demonstrava a sua sobrevivência na União Soviética e nos outros países do chamado campo socialista.

Em última análise, o feminismo radical desta 2ª fase pretende alargar o campo da luta pela emancipação feminina do âmbito das relações públicas par o campo das relações privadas: “o pessoal é político”, é um dos seus slogans mais conhecidos. Sublinhando a importância da sexualidade na definição da condição feminina, as suas defensoras bateram-se pelo direito da mulher poder controlar a sua própria fecundidade pelo acesso aos meios contraceptivos e à legalização da interrupção voluntária da gravidez.

Foi ainda no contexto desta segunda vaga feminista que se desenvolveu o “feminismo da diferença” que, contrapondo-se ao "feminismo da igualdade", defendia existirem diferenças culturais distintivas entre os géneros. Seria caracteristicamente masculina uma cultura cujos traços fundamentais são, entre outros, a agressividade, a competitividade, a autoridade, o individualismo e a racionalidade; e feminina aquela que se caracterizaria pela empatia, a colaboração, a preocupação com os outros ou a atenção aos sentimentos. A luta das mulheres deveria orientar-se no sentido da valorização das suas qualidades específicas que, numa sociedade governada por homens, tendem a ser menosprezadas e a ser mesmo consideradas como justificação para o afastamento das mulheres dos cargos de maior responsabilidade nas áreas da actividade política e empresarial.

Se quisermos caracterizar o movimento feminista na actualidade, podemos dizer que uma 3ª vaga se afirmou a partir duma combinação das características próprias do feminismo da igualdade e do feminismo da diferença. Do primeiro retém a ideia de que as mulheres devem aceder ao âmbito público, nomeadamente aos centros do poder, enquanto que os homens devem participar, em pé de igualdade com as mulheres, no cuidado dos filhos e da família. Do segundo mantém a convicção de que as mulheres não devem adaptar-se às regras que informam o âmbito da acção pública, definidas em função dos valores masculinos, mas transformá-las de forma a reflectirem também os seus próprios valores.

Feito, assim, o ponto da situação ao nível da evolução do feminismo no plano ideológico, resta verificar como é que essas ideias se traduzem em práticas sociais, nomeadamente em Portugal. Mas esse seria assunto para um outro post. Fica prometido para mais tarde.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Quem paga a crise?

Resposta: os do costume. Antes de mais, os funcionários públicos. Depois, por reflexo, todos os trabalhadores por conta de outrem, porque o congelamento dos salários dos primeiros acabará por se reflectir nos vencimentos de todos.

Terá de ser obrigatoriamente assim? Onde estão os estudos que identifiquem fontes de despesismo inútil e imoral? Que potenciais fontes de receitas, até hoje ignoradas, podem ser exploradas podem fazer face à dívida pública? O Bloco de Esquerda já apontou muitas. Pela parte do governo, parece que não existem. É que há interesses intocáveis. Exigir a todos aquilo que se pede aos mais fracos parece que é demagogia. Somos o segundo país da União Europeia com maiores desigualdades sociais, apenas ultrapassados nesse campeonato pela Letónia. Contudo, tal facto parece inscrever-se na rubrica das fatalidades inelutáveis. Aliás, verifica-se no gráfico apresentado hoje no Público que o fosso entre ricos e pobres se manteve praticamente inalterado entre 1997 e 2008. Acredito que se tenha agravado nos últimos dois anos e que se venha a agravar ainda mais nos próximos com as medidas se austeridade que nos são propostas.

Além disso, será que o estrangulamento do mercado interno pela redução do poder de compra de grande parte dos consumidores é a melhor forma de estimular o crescimento económico? Ou, pelo contrário, acabará por ter como consequência o encerramento de mais empresas e o aumento do desemprego? E, portanto, o aumento das despesas públicas, com maiores gastos ao nível do subsídio de desemprego ou do RSI?

Para o governo (que, aliás, nessa matéria, é secundado pelos economistas que todos os dias nos esclarecem na televisão) nada disto constitui problema. É certo nem todos concordam eles. Veja-se, por exemplo. A entrevista de José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, ao Público de 1-3-10. O que acontece é que os economistas que não lêem por aquela cartilha não têm tempo de antena. Talvez por não terem passado os últimos anos da sua vida pelos governos que, com tanto êxito, nos têm guiado… Falta-lhes, portanto, currículo.

Tudo isto a propósito da greve da função pública. Segundo os sindicatos filiados na CGTP e na UGT, a adesão foi de 80%. O governo, como é habitual, nega estes números. Entretanto novas formas de luta estão previstas.

O que se vai seguir? O governo vai, mais uma vez, tentar voltar a população contra os funcionários públicos, esses privilegiados que, com a excepção de 2009, vêem os seus salários reais descerem há dez anos e se sentem legitimamente ameaçados de assim continuarem nos próximos três. Apoiar a sua luta, pelo contrário, pode ser o princípio de um movimento capaz de pôr em questão aquele estafado princípio: os pobres que paguem a crise!

quarta-feira, 3 de março de 2010

O debate Pedro Passos Coelho / Paulo Rangel

Depois do que tive a paciência de ver, depois do que li, sento-me ao computador para comentar o debate PPC/PR e assalta-me uma dúvida: será que vale a pena? Devemos levar a sério aquilo que cada um deles diz diante das câmaras da televisão?

Na minha opinião, cada um afirma simplesmente aquilo que lhe parece poder cair melhor junto dos filiados do PSD que vão ser chamados a eleger o próximo presidente do partido. E como supõem, presumivelmente bem, que detestam José Sócrates, todos se quererão mostrar mais anti-socráticos que o seu adversário.
“Mudar” ou “Romper”? É claro que, feita a escolha, o vencedor, que nunca quis eleições antecipadas porque sabe que, pelo menos a curto prazo, elas se saldariam por uma nova vitória do PS, rapidamente trocarão de verbos. Conciliar, ganhar tempo, apostar no desgaste a prazo do governo… E, entretanto, os mercados financeiros internacionais assim o obrigam, deixar passar OGE e o PEC.

É claro que há-de ser necessário discutir o programa de governo do PSD… daqui a uns dois anos. Mas, nessa altura, muita gente se lembrará ainda daquilo que afirmam hoje os candidatos à presidência do partido? Talvez se descubra então que, ganhe quem ganhar, esse programa não andará muito longe daquele que, nestes últimos dois anos, Manuela Ferreira Leite andou a pregar sem sucesso. Em última análise, é tudo uma questão de timing e de retórica.

terça-feira, 2 de março de 2010


Livros – Apontamentos à margem

John le Carré, A Gente de Smiley. Lisboa: Dom Quixote, 2009

Os “motivos de força maior” que me mantiveram durante uns tempos afastado do computador não me separaram dos livros. Por exemplo, tive a oportunidade de reler A Gente de Smiley. A edição de bolso da Europa-América (que agora só conseguiria ler com o auxílio de uma lupa), substituída pela edição recente da Dom Quixote, valorizada por um interessante Prefácio do autor.

É dele que retiro esta observação a propósito da luta entre os serviços de informação dos dois blocos no contexto da Guerra Fria. Jonh le Carré descreve-o como sendo “o mais estéril, o menos produtivo e o mais viciante de todos os jogos que os espiões disputam, visto que não esclarece nem beneficia o mundo real que lhes dá o pão de cada dia e transforma o ofício da espionagem, basicamente muito simples, num interminável labirinto de espelhos ao qual só os profissionais têm acesso, e ninguém parece ganhar nada com isso”. Pelo contrário, um dos seus resultados mais evidentes é “a corrupção moral que a Guerra Fria deixava na sua esteira, tanto no mundo ocidental como no mundo comunista” (p. 10).

Já aqui fiz referência nuns “apontamentos à margem” do último romance de Jonh le Carré, Um Homem Muito Procurado, para o pendor moralizante que informa toda a sua obra. A qualidade literária e a mestria da narrativa não serão surpresa para ninguém.


Razões mais subjectivas levam-me a concluir com mais uma citação: “Hoje, porém, ao perscrutar calmamente o seu coração, Smiley percebeu que não era liderado, e talvez fosse mesmo iliderável; que as únicas restrições que se lhe impunham eram as da sua própria razão e a da sua própria humanidade (…). Investi a minha vida em instituições – pensou sem rancor – e a única coisa que me resta sou eu próprio” (p. 201).