quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Adições e subtracções

António Vitorino conclui da votação de Manuel Alegre, apoiado pelo PS e pelo BE, que há coligações que subtraem votos em vez de os somar. Desde logo, parece-me abusivo falar-se, neste caso de um “coligação”. Que eu saiba, Alegre apresentou-se como candidato independente e com um programa que nem de perto nem de longe foi negociado entre ele e os partidos que apoiarem a sua candidatura.
Nas suas intervenções, insistiu persistentemente em duas ideias: 1) no actual contexto de profunda crise económica, é imperioso prevenir a possibilidade de, a curto prazo, a direita eleger um PR, alcançar uma maioria na AR e assumir o governo do país; 2) e isto porque, se assim for, ficariam reunidas todas as condições necessárias para a liquidação do nosso, já debilitado, Estado-previdência.
É um facto que esta mensagem parece não ter encontrado eco em parte do eleitorado do PS e do BE.
Desde logo, há no PS quem não atribua grande importância a estas ameaças, seja porque confia na manutenção da “convergência estratégica” que dominou as relações de Sócrates com Cavaco nestes últimos cinco anos, seja porque confia na sobrevivência deste governo caso continue a obedecer cegamente às directivas que lhe chegam de Bruxelas, seja ainda porque já desistiram da defesa de serviços sociais públicos de qualidade, tal como já desistiram da defesa dos direitos dos trabalhadores e da luta contra a precariedade laboral e o desemprego. Na minha opinião são más razões para recusar o apoio a Manuel Alegre e delas ninguém pode acusar o Bloco de Esquerda.
Mas houve também no BE quem se tivesse recusado a apoiar a candidatura de Manuel Alegre, seja porque defendem uma política de “quanto pior, melhor”, seja porque valorizam mais o radicalismo dos discursos do que os resultados efectivos que, em determinados contextos, podem, de facto, ser alcançados. São, também na minha opinião, más razões e, também delas, ninguém pode assacar culpas aos actuais dirigentes do Bloco.
Contudo, António Vitorino não deixa de ter razão, houve de facto uma subtracção. Resta saber se não será mesmo necessário subtrair alguma coisa no PS e no BE, para que a esquerda democrática possa juntar forças e construir uma verdadeira alternativa de esquerda à política de direita.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Uma vitória da direita, um futuro incerto
Cavaco Silva foi reeleito com 52,9% dos votos – menos 10% do que lhe era atribuído por algumas sondagens e a mais pequena percentagem obtida até hoje por todos os presidentes reeleitos. Mas venceu e, com ele ganharam o PSD, o CDS e todos aqueles que anseiam pelo cumprimento do sonho de Sá Carneiro: um Governo, uma maioria, um Presidente.
Assim, perante este triunfo da direita, pareceu-me no mínimo estranho assistir às manifestações de júbilo de Fernando Nobre e dos seus apoiantes, que cantavam vitória. Julgava eu que todos aqueles que se opunham à reeleição de Cavaco tinham perdido…
Em eleições presidenciais anteriores, votei em Ramalho Eanes (contra Soares Carneiro), em Mário Soares (contra Freitas do Amaral) e em Jorge Sampaio (contra Cavaco Silva). Julgo que, pelos mesmos motivos, a grande maioria do “povo da esquerda” fez então as mesmas opções. E foi por isso que os candidatos da direita, que era maioritária na AR, perderam essas eleições. O mesmo não aconteceu desta vez - que cada um assuma as suas responsabilidades.
Devo dizer que, no plano ideológico, me senti sempre mais próximo de Manuel Alegre do que qualquer um dos candidatos (e presidentes) citados. De forma, que foi também com estranheza que constatei a resistência de uma parte da esquerda em oferecer-lhe o seu voto. Uma esquisitice que lhe poderá sair cara.
Entretanto, novos combates se avizinham. Uma sondagem da Intercampus para a TVI, divulgada na noite das eleições, atribui a vitória ao PSD com 36,8% dos votos, em próximas legislativas. O CDS-PP obteria 5,8%, pelo que a direita não conquistaria a maioria na AR. Nestas circunstâncias, as pressões sobre Cavaco Silva para que convoque eleições legislativas antecipadas vão, temporariamente, atenuar-se. O Governo continuará a assar no lume brando da crise e das medidas de austeridade até à apresentação do próximo Orçamento de Estado.
Resta saber se, então, a esquerda crítica da actual política governativa saberá reunir forças e apresentar alternativas mobilizadoras que impeçam que esta vitória de Cavaco se complete, daqui a um ano, por uma nova vitória do PSD/CDS-PP.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Os silêncios de Cavaco ou coerência da incoerência e a clareza da obscuridade

Paulo Portas e Passos Coelho sabem que uma moção de censura ao Governo, apresentada pela direita na AR pode ser chumbada. Por isso, apoiam a reeleição de Cavaco: esperam dela a dissolução da AR e a convocação de eleições antecipadas. O que é que fará Cavaco se for reeleito?
O projecto de Paulo Portas e de Passos Coelho, uma vez no governo, é o de desmantelar o que resta do Estado social. Como reagirá Cavaco se for reeleito?
Se quisermos obter respostas para estas questões nas declarações de campanha do candidato Cavaco Silva, arriscamo-nos a ficar confusos. Já disse que a entrada do FMI em Portugal significa o falhanço do Governo e anunciou a abertura de uma crise política. E, assim, cativou os votos da direita que vê nele o salvador da pátria. Mas também já disse gostar pouco da “bomba atómica” e, assim, encheu de esperanças os socialistas que não querem acreditar que ele dissolva a AR e prossiga, num eventual 2º mandato, a política de “convergência estratégica” (quer dizer, a política de apoio às medidas de austeridade ditadas a Sócrates pelos “mercados”) que praticou nestes últimos anos.
Confusos? Não há razão para isso. Cavaco diz tudo aquilo que for preciso para captar os votos do eleitorado do CDS, do PSD e do PS. O que vier a seguir se verá…
A questão da defesa ou do desmantelamento do Estado social está no centro do debate político entre a esquerda e a direita. Qual é posição de Cavaco? Não diz. Deixa ao cuidado de cada um imaginar aquilo que mais lhe convém e, assim, pretende capturar o voto de todos. O que vier a seguir se verá…
É claro que, como não se cansa de repetir, é professor de finanças, um homem sensato e experiente… Portanto, há que ter confiança: decidirá o que for melhor.
Mas, se não estou em erro, já era um “professor de finanças”, “sensato” e “experiente” nos últimos anos. O que é que decidiu então? Ouviram-no criticar a política económica do governo, da Comissão Europeia, do banco Central Europeu? Ouviram-no defender medidas alternativas à ditadura dos “mercados”, à febre especulativa que estrangula qualquer hipótese de desenvolvimento económico? Alguém o viu sair em defesa dos desempregados e dos trabalhadores precários? Alguém sabe o que é que ele pensa do projecto de Passos Coelho que pretende eliminar a “justa causa” da lei dos despedimentos?
Sei apenas que a Comissão de Honra da sua candidatura está recheada de nomes que todos os dias clamam na comunicação social pelo FMI, ou seja, pelo agravamento das políticas de austeridade que já conhecemos.
É claro que sobre isto Cavaco também não diz nada. Ele sabe que se dissesse o que lhe vai na alma perderia votos e, provavelmente, as eleições. Calado, talvez as possa ganhar… E depois se verá.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As eleições presidenciais e o futuro do SNS

Outros trabalhos forçaram uma interrupção da minha colaboração neste blogue. E foi pena porque não faltaram temas que gostaria de ter comentado.
Como se sabe a direita tem um sonho: quer ver Cavaco na Presidência, Passos Coelho à frente do governo, o PSD e o CDS com maioria na AR e o FMI em Portugal. Recentemente, o relativo êxito da colocação de obrigações de dívida pública no mercado financeiro, foi um pequeno, mas aborrecido percalço, na sua concretização. Outros e mais graves lhe sucederão, espero eu.
Entretanto, gostaria de voltar aqui a um outro assunto que me é caro.
O Art. 69º da CRP, que define o Serviço Nacional de Saúde como sendo um serviço universal e tendencialmente gratuito, só pode ser alterado se, na próxima revisão constitucional, os votos do PS se somarem aos do PSD e do CDS. Não quero acreditar que isso aconteça.
Por outro lado, a realização eventual de eleições legislativas antecipadas poderá levar ao poder um governo sustentado na AR pelos partidos da direita tradicional e, nesse caso, será de esperar que, “pela porta do cavalo”, isto é, através de legislação ordinária, o PSD e o CDS tentem sacrificar o SNS no altar do “equilíbrio orçamental”, ou seja, tentem entregar grande parte da assistência médica aos cuidados das clínicas privadas e das seguradoras.
Caberá, então, ao novo PR decidir se veta politicamente ou se envia para o TC, os projectos ou propostas de lei que forem apresentadas com esta intenção.
O que faria Cavaco Silva nessas circunstâncias? O próprio, interrogado num inquérito apresentado a todos os candidatos pelo Público, recusou-se a esclarecer a questão (quando o candidato não quer, o Presidente não pode…). Mas não será por acaso que Passos Coelho, que defende o fim de um SNS tendencialmente gratuito, apela ao voto na sua candidatura. Das duas, uma: ou é Passos Coelho que anda enganado, ou quem se engana são todos aqueles que defendem o SNS e, ainda assim, consideram a reeleição de Cavaco como algo de somenos importância. Inclino-me para a 2ª hipótese.
Já agora: no mesmo inquérito, todos os outros candidatos afirmaram que se fossem eleitos vetariam qualquer projecto ou proposta de lei que pudesse pôr em causa o disposto no Art. 64º da CRP. E António Arnault, a quem devemos a paternidade do SNS, apoia a candidatura de Manuel Alegre.