sexta-feira, 30 de abril de 2010

A propósito do TGV

Imaginemos alguém que viva no norte do país, por exemplo, no Porto. Querendo viajar para Madrid, vai apanhar um transporte para Liisboa para então seguir viagem para Espanha, ou limitar-se-á a apanhar um avião no aeroporto Sá Carneiro? De avião, chega a Madrid em menos de 1 hora; de comboio, precisará de cerca de 3 horas e meia para se pôr em Lisboa. O preço de uma viagem num voo low cost para Madrid ficar-lhe-á pouco mais caro do que a viagem no Alfa Pendular até Lisboa. Há motivos para hesitações?

Mas vejamos outro caso. Um lisboeta precisa de ir a Paris. Apanha o avião ou prefere fazer de TGV o percurso Lisboa-Madrid-Barcelona-Marselha-Paris? Não são precisas mutas contas em termos de tempo e dinheiro para poder prever a sua escolha.

É claro que, no futuro, todas as principais cidades europeias estarão ligadas pelo TGV. Mas, actualmente, não é essa a situação nem se prevê que venha a sê-lo tão cedo. Todos conhecemos a situação financeira do país. Calculamos os custos do lançamento da linha Lisboa - Caia, avaliamos o preço das importações implícitas na sua concretização e somos capazes de prever que a sua exploração será, pelo menos numa primeira fase, altamente deficitária. Nestas circunstâncias, será terrível adiar por mais alguns anos a realização deste projecto? Não será preferível apostar em investimentos públicos mais capazes de, a curto prazo, actuar como um factor de dinamização da economia nacional e de gerar mais emprego?

Para o governo, o TGV continua a ser um projecto prioritário e inadiável. Entretanto, poupa-se no subsídio de desemprego…

domingo, 25 de abril de 2010

No 25 de Abril

Passaram já 36 anos sobre o 25 de Abril! Parece-me que foi ontem, tão vivas são as minhas memórias de um jovem maoísta que, nas semanas que precederam a queda da ditadura se desdobrava em tarefas para convocar uma manifestação para o 1º de Maio. A FEML, a organização estudantil do MRPP, que começava apenas a dar os primeiros passos em Coimbra, tinha sido decapitada com a prisão, em Fevereiro de 74, do José Lamego e a opinião dos três (!) camaradas que a constituíam era a de que não havia condições para convocar uma manifestação. Contudo, as directivas que vinham de Lisboa eram peremptórias: a queda do fascismo é iminente e é necessário assumir a todo o custo uma posição de força nesse processo. A solução era a de organizar os simpatizantes do partido em comités exclusivamente organizados para aquele efeito. E assim foi: cerca de vinte jovens estudantes participaram corajosamente na convocatória duma manifestação que, afinal, não se chegou a realizar nas condições previstas, porque no dia 25 de Abril os portugueses conquistaram finalmente o direito de se manifestarem em liberdade e o 1º de Maio foi declarado Feriado Nacional.

Passaram, entretanto, 36 anos. Travaram-se muitas lutas, alcançaram-se muitas vitórias e somaram-se muitas derrotas. Outros farão esses balanços. Gostava apenas de dizer que comemorar o 25 de Abril significa antes de mais não deixar morrer os sonhos então vividos.

Recordei-me hoje duns versos de José Saramago que comecei por conhecer numa canção de Luís Cília. Cito apenas as duas primeiras estrofes do poema:

Há-de haver uma cor por descobrir,
Um juntar de palavras escondido,
Há-de haver uma chave para abrir
A porta deste muro desmedido.

Há-de haver uma ilha mais ao sul,
Uma corda mais tensa e ressoante,
Outro mar que nade noutro azul,
Outra altura de voz que melhor cante.

Há-de haver!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Medidas sérias” para prevenir a bancarrota

No post anterior referi a necessidade de se adoptar “medidas sérias” se quisermos evitar de facto à possibilidade da bancarrota do Estado. Faltava, com certeza, enunciar essas medidas. Não sou economista nem tenho a pretensão de redigir aqui um plano de salvação nacional, mas parece-me ser possível definir alguns parâmetros a partir dos quais se podem alcançar consensos alargados. Assim, medidas sérias de combate à crise devem passar:

1) pela acção conjunta dos países em risco (Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda), no sentido conseguir na UE meios de financiamento que os libertem da voragem predadora dos mercados financeiros internacionais;

2) por uma estratégia de contenção orçamental que não nos condene a uma situação de estagnação económica;

3) por medidas que não recaiam sobretudo sobre grupos sociais já duramente atingidos pela pobreza, isentando das suas obrigações os sectores mais favorecidos e privilegiados da sociedade.

A partir daqui, diferentes estratégias podem ser definidas e é normal e salutar que surjam diferentes propostas. O que não é possível é persistir-se numa política de facto consumado como aquela que esteve na origem do PEC apresentado pelo governo, que continua a ignorar com sobranceria as propostas que lhe são estranhas e, em particular, todas aquelas que são apresentadas pelos partidos à esquerda do PS.

A gravidade da situação em que nos encontramos exige um esforço de convergência em torno de opções fundamentais que não é compatível com a pequena política que é incapaz de ver além das rivalidades partidárias e dos dividendos eleitorais que cada um quer obter.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que significa ser de esquerda perante uma ameaça de bancarrota?

As visões catastrofistas da nossa situação económica interessam aos mercados financeiros internacionais, pois permitem aos bancos a cujo financiamento recorremos subir as taxas de juro dos empréstimos que contraímos e aumentar assim as suas margens de lucro. É, portanto, legítimo pensar que são eles próprios quem alimenta essas descrições da situação económica portuguesa.

Por outro lado, o endividamento público e privado, o défice da balança comercial, a perda de competitividade e o fraco crescimento económico – não são ficções. Subestimar a gravidade da situação significa não tomar as medidas necessárias à sua resolução.

Se medidas sérias não forem tomadas acabaremos por dar razão àqueles que, procurando tirar dividendos da situação, afirmam que o Estado português caminha para a bancarrota. O que só pode resultar nem novos aumentos dos juros que vamos pagar e, por via disso, na bancarrota de facto.

É necessário que se compreenda que, se chegarmos a essa situação, toda a população será duramente atingida e, particularmente, aqueles que são já hoje os mais desfavorecidos. Menos os muito ricos, é claro, aqueles que possuem fortunas depositadas em off-shores e que, por isso, se podem colocar à margem dos destinos do país.

Aqueles que pensam que, no contexto do capitalismo, quanto pior melhor, enganam-se redondamente. Apostam numa revolução, mas aquilo que com mais certeza vão conseguir é o esmagamento mais completo dos direitos sociais adquiridos, mais pobreza e sacrifícios. Tome-se como exemplo aqulo que sucedeu na Argentina, em 2001.

É por isso que uma política económica que previna a possibilidade da bancarrota terá de ser necessariamente adoptada pela esquerda.
Passos Coelho e a revisão constitucional

A actual Assembleia da República tem poderes constitucionais. Isto significa que pode introduzir alterações na lei fundamental, mas não que esteja obrigada a fazê-lo. Pelo contrário, é normal e vantajoso que a estabilidade constitucional se afirme como valor prioritário.

Contudo, Passos Coelho considera que rever a Constituição é uma prioridade e uma urgência nacional. Porquê?

Porque quer rever a lei eleitoral. Obrigando os partidos a apresentar listas abertas que permitam aos seus eleitores exprimir as suas preferências entre os candidatos apresentados? Criando círculos uninominais? Compensando a perda da representação proporcional dos vários partidos na AR com a criação de um círculo nacional? Diz-nos ser necessário e urgente mudar qualquer coisa. Exactamente o quê, em última análise não se sabe.

Outra prioridade consiste em rever a arquitectura do “Estado Social” pondo todos os contribuintes a financiar a Saúde e o Ensino privados. À custa de quê? Necessariamente do desinvestimento na Saúde e do Ensino públicos, os únicos que podem garantir o acesso de todos, independentemente da situação económica, social e geográfica de cada um.

Pretende ainda desgovernamentalizar a nomeação e fiscalização das entidades reguladores, fazendo-as depender da AR.

Se a primeira proposta é absolutamente vaga e a segunda é manifestamente infeliz, a terceira poderá reunir o consenso necessário à sua aprovação. Simplesmente, segundo vários constitucionalistas, nenhuma delas exige uma revisão constitucional.

Porquê, então, fazer da revisão constitucional uma prioridade?

Passos Coelho ganhou o PSD prometendo dar uma luta sem tréguas ao governo de José Sócrates. Agora, propõe-nos uma agenda política que passa por um entendimento com o PS. Contraditório? Não, se afinal nada disto passar de uma jogada política: “O país precisa urgentemente de rever a Constituição. Quem não quiser acompanhar o PSD neste propósito torna-se responsável pelas consequências negativas que daí advierem.”

É claro que fazer da revisão constitucional um foco do conflito partidário é a melhor forma de a inviabilizar. E ainda bem. É que nada daquilo que realmente preocupa os portugueses – o desemprego, a precariedade laboral, o congelamento de salários, a pobreza que atinge um número cada vez maior de famílias – se resolverá com uma revisão constitucional, seja ela qual for, e muito menos com aquela que o PSD nos propõe.

sábado, 17 de abril de 2010

A revisão da lei eleitoral ou a lei do eterno retorno

De vez em quando, as águas da nossa vida política agitam-se à volta de uma nova proposta de revisão da lei eleitoral. Agora chegou-nos pela voz de Passos Coelho. Já estamos habituados. Passado algum tempo de maior ou menor efervescência, fazem-se contas às perdas e ganhos, verifica-se que será difícil reunir os 2/3 de votos necessários, os espíritos aquietam-se e fica tudo na mesma. Até que, passados alguns anos, aparece alguém que volta a colocar a questão da governabilidade ou a da distância que separa eleitos de eleitores e de novo se afirma ser necessário rever a lei eleitoral.
Parece-me que a confiança que os eleitores depositam ou não nos seus representantes depende sobretudo da sua intervenção política. Ainda assim, não vou negar à partida a possibilidade duma substituição da actual lei eleitoral possa contribuir para um reforço da vida democrática. Analisemos, portanto, as duas hipóteses de alteração recentemente expostas pelo actual presidente do PSD.

Uma primeira proposta sugeria a possibilidade de um voto preferencial nas listas apresentadas ao eleitorado pelos partidos: os eleitores teriam a oportunidade de escolher entre os candidatos apresentados pelo partido em que votavam aqueles que gostariam mais de ver eleitos. Este sistema vigora já na Suécia e na Finlândia, ainda que de forma diferente. Na Suécia, os partidos sugerem uma ordenação, podendo os eleitores exprimir uma preferência que a altere; na Finlândia, os nomes são ordenados por ordem alfabética, competindo aos eleitores ordená-los como entenderem. Julgo tratar-se de uma hipótese interessante, pois oferece uma maior liberdade de escolha aos eleitores e pode contribuir para uma maior responsabilização individual dos candidatos.

Porém, pouco depois, já PPC admitia estar também aberto á possibilidade de criação de círculos uninominais. Ora, se a primeira proposta é inovadora e interessante, a segunda é velha e deplorável.

Para os seus defensores, com os círculos uninominais matavam-se dois coelhos com uma só cajadada: assegurava-se a governabilidade, pois quase só o PS e o PSD ficariam em condições de eleger deputados (a CDU elegeria alguns no Alentejo) e aproximavam-se os eleitores dos eleitos porque, em cada círculo eleitoral, aqueles não votariam simplesmente num partido, mas num candidato concreto facilmente identificável.

Evidentemente, a regra da proporcionalidade ficaria destroçada. Seria mesmo possível que o partido que obtivesse o maior número de votos a nível nacional elegesse um número de deputados inferior àqueles que foram eleitos pelo segundo partido mais votado. Mas, sobretudo, uma lei assim condenaria partidos como o CDS-PP e o BE a ficarem sem representação parlamentar, passando a ter a CDU uma representação residual. Ou seja, perto de 30% dos eleitores deixariam de estar representados na AR pelos partidos da sua preferência. Pode chamar-se a isto “aproximação dos eleitores aos eleitos”?

Sabemos pela experiência doutros países que este sistema eleitoral conduz ao bipartidarismo e que, uma vez marginalizado o eleitorado mais à esquerda ou à direita, os dois partidos dominantes tendem para a indiferenciação política, uma vez que ambos disputam o centro. Alternam-se no poder sem que nada de importante seja determinado por isso.

Finalmente, a questão da governabilidade. Nos últimos anos, tivemos, com o actual regime eleitoral, as duas maiorias absolutas de Cavaco Silva; duas maiorias relativas de António Guterres, que cumpriu o seu primeiro mandato e só não cumpriu o segundo porque decidiu demitir-se após uma derrota nas eleições autárquicas; a maioria absoluta PSD/CDS-PP de Durão Barroso e Santana Lopes; e a maioria absoluta de José Sócrates. Aqueles que consideram que não há estabilidade governativa sem maiorias absolutas (tese em si mesma muito discutível) não têm razão para se queixar da actual lei eleitoral.

De facto, as propostas de revisão da lei eleitoral têm estado subordinadas aos cálculos dos ganhos políticos imediatos pretendidos ora pelo PS, ora pelo PSD. Se se alterarem as regras do jogo e dadas as previsões eleitorais do momento, qual dos dois beneficiaria disso nas próximas eleições? Como, pelo menos no curto prazo, um deles ficaria a perder, não é fácil chegarem a consensos neste domínio. Metem-se os projectos na gaveta até uma próxima ocasião.

Com estas condicionantes, a revisão da lei eleitoral está condenada à lei do eterno retorno.

sábado, 10 de abril de 2010

Regresso a casa (3)

Sobre os vencimentos de António Mexia já está tudo dito. Afinal, o que são 3,1 milhões de euros num ano? Não sabíamos já todos que os gestores das grandes empresas portuguesas eram muito bem pagos? O presidente da Administração da EDP não podia fugir à regra: entre os seus congéneres europeus está classificado num honroso 3º lugar; ganhando cerca de metade estão, por exemplo, o seu colega espanhol ou francês. É claro que, na opinião do próprio tudo se justifica pelas suas qualidades de gestor, que permitiram alcançar e ultrapassar os objectivos fixados por ele próprio. Só não se compreende por que é que as eléctricas do resto da Europa ainda não vieram cá contratar esta sumidade. Se fosse futebolista, já estava no Real Madrid. Infelizmente, não é o caso e, portanto temos de o manter a jogar neste triste campeonato, onde dois milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza, o salário médio ronda os 700 euros e o governo ataca sem piedade os mandriões que vivem do subsídio de desemprego ou do RSI.

Que raio de semana! Nem o Benfica nos salvou de tanta tristeza. Fazia-me bem mais uma semana de férias. Talvez na Nova Zelândia…

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Regresso a casa (2)

Continuo a folhear jornais da semana passada. Comparado com o caso dos submarinos, a questão dos projectos de Sócrates para a Guarda não passa de um fait-divers. Aliás, sinto-me inclinado a concordar com as suas explicações quando afirma que se tratava de uma actividade não remunerada e, por isso, compatível com o estatuto de dedicação exclusiva que tinha então como deputado da AR. De facto, é bem possível que Sócrates não seja o autor daqueles horrendos projectos, mas que se tenha limitado a “assumir a sua responsabilidade”, como ele diz. Isto é, a assiná-los na vez do seu verdadeiro autor que, por qualquer motivo (não possuir as habilitações necessárias, trabalhar no gabinete técnico da Câmara…) estava inibido de o fazer.

Não sei. Enfim, ficam aqui duas hipóteses: ou o eng.º José Sócrates se asume como um dos patos-bravo que têm desfigurado a paisagem deste país com os seus projectos de arquitectura ou confessa que cometeu reiteradamente actos que, no mínimo, são deontologicamente reprováveis. Ele que escolha a que mais lhe convém.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Regresso a casa

Depois de uns dias de férias, passo em revista os jornais da semana. Dois temas parecem ter dominado a comunicação social: os casos de pedofilia em instituições da Igreja Católica e o caso dos submarinos.

Sobre o primeiro, o mais espantoso é o facto de ser polémico. Os casos estão comprovados e são muitos, em muitos países e ocorreram (ainda ocorrem?) ao longo de muitos anos. Não há desmentidos. Para além das questões éticas implícitas, trata-se de práticas criminosas. Pareceria normal que os responsáveis fossem incriminados, julgados e punidos, fossem eles autores de crimes de abuso sexual de menores ou encobridores dessas práticas. Seria assim se se tratasse do senhor José ou do senhor João. Por que é que há-de ser diferente tratando-se do padre Manuel ou do bispo D. António? A lei é igual para todos. E, no entanto, só se conhecem as vítimas. Os culpados são anónimos e ficam impunes.

A notícia que gostaria de ler seria assim: “A autoridade religiosa X, tendo tomado conhecimento da ocorrência de casos de abuso sexual de menores praticados na instituição Y, denunciou as pessoas implicadas à Justiça”. Eximia-se assim de qualquer acusação de cumplicidade e dispensava-se das figuras tristes que tem feito, procurando aparecer como vítima de uma campanha anti-católica. Mas esta notícia não se encontra na comunicação social e duvido que venha a ser escrita.

Quanto ao caso dos submarinos, surgiram novos desenvolvimentos originados pala investigação levada a cabo pela revista Der Spiegel. Antes disso, já tinham sido colocadas questões que nunca encontraram respostas minimamente satisfatórias. Desde logo, ninguém sabe para que é que Portugal precisa de submarinos. Depois, porque é que foi aceite sem grandes protestos que a empresa alemã que os vendeu se tenha rapidamente esquecido das contrapartidas negociadas. Novidade (mas sem surpresa) foi saber-se que o negócio envolveu o pagamento de luvas. Falta saber (e saber-se-á alguma vez?) a lista de todos os felizes contemplados.

Também sobre isto sou capaz de imaginar uma boa notícia: “Dado o incumprimento do contrato assinado entre o Estado português e a Man Ferrostaal e as práticas fraudulentas que envolveram a sua assinatura, o governo renuncia á compra dos dois submarinos Tridente”. Talvez se poupasse assim, pelo menos, parte dos 880 milhões de euros, o preço desses dois dispendiosos brinquedos. Mas esta notícia, provavelmente, também nunca será escrita.

Outras notícias, mais recentes, referem-se aos projectos assinados pelo eng.º técnico José Sócrates e aos vencimentos de António Mexia. Ficam para um próximo post.