quinta-feira, 29 de março de 2012

Facilitar os despedimentos favorece a criação de emprego?

O desemprego, nomeadamente entre os mais jovens, deve-se à “rigidez” das leis laborais que dificultam o despedimento. Os patrões têm medo de contratar mais trabalhadores porque, depois, não os poderão despedir caso se revelem incompetentes ou, a prazo, desnecessários.

Estas são as teses centrais daqueles que defendem o código das leis laborais que actualmente se encontra a em discussão na AR e que facilita e embaratece os despedimentos (a “inadaptação” passa a poder ser invocada mesmo que não haja alterações nas tarefas de que usualmente o trabalhador estava incumbido e sem que a entidade patronal seja obrigada a propor-lhe uma função alternativa e propõe-se uma redução substancial da indemnização a que o trabalhador despedido tenha direito).

De facto, as causas do desemprego que, segundo estimativas oficiais, atinge já 14,8% da população activa, estão na recessão económica, no encerramento diário de empresas que trabalham sobretudo para o mercado interno e que se confrontam com uma diminuição da procura dos bens e serviços que comercializam, dada a contracção do poder de compra de grande parte dos consumidores. Ou seja, dado os salários baixíssimos que se pagam em Portugal.

Em termos estatísticos, só há criação de emprego quando se verifica uma tendência para o crescimento do PIB de 2,5%. Neste momento, vivemos uma situação de crescimento negativo de 3,3%. Neste contexto, a precarização geral do emprego, não visa outra coisa senão favorecer a tendência para a baixa dos salários. Liberalizar os despedimentos, colocando o preço do salário à mercê do mercado, num momento em que a oferta de trabalho excede largamente a procura, não pode ter outra consequência.

Como sabem, por experiência própria centenas de trabalhadores precários, o patrão pensa assim: “Por que é que hei-de continuar a pagar 800 euros a este operário se o posso despedir facilmente, substituindo-o por outro que está disposto a fazer o mesmo por 500?” O problema é que, pensando todos da mesma maneira, o poder de compra de todos os operários continuará a descer e, então, a quem é que esses patrões vão vender a mercadoria que produzem? Se ficarem com ela, não realizarão quaisquer lucros, mas acumularão prejuízos e terão de encerrar as suas empresas, criando mais desempregados.

Facilitar os despedimentos, ao contrário do que diz o cartaz da JSD, não favorece a criação de emprego. As únicas coisas que crescerão serão a prepotência autoritária dos patrões sobre os trabalhadores, os salários de miséria e, por fim, o próprio desemprego.

sábado, 24 de março de 2012

Acerca da greve geral de 22 de Março

Nem neste blogue nem no meu mural do facebook, participei do coro geral que apelava à greve de 22 de Março. Também não me pronunciei contra a sua realização, por não querer de forma alguma contribuir para o seu fracasso. Agora que a poeira já assentou, permito-me dizer o que penso sobre o assunto.

Arménio Carlos afirmou que os níveis de adesão à greve não foram muito diferentes daqueles que se verificaram em graves anteriores. Quereria, talvez, dizer com isto que a adesão ou não da UGT é um factor irrelevante para o sucesso de uma greve geral. E, portanto, reafirmar o lugar da CGTP como a central sindical que verdadeiramente representa os trabalhadores. Se era essa a intenção, e se por acaso, não se enganou nos números, então a CGTP demonstrou o que queria demonstrar e pode estar satisfeita por isso..

Mas é possível ver as coisas por outro prisma. Na minha opinião, esta greve só teria um impacto político significativo se tivesse sido muito mais participada do que as anteriores. Sendo, simplesmente, "mais do mesmo" (como reconheceu Arménio Carlos) não me parece que se possa esperar dela resultados diferentes daqueles que já se conhecem das anteriores. E que, convenhamos, não foram famosos.

Aliás, é preciso reconhecer que estas greves não têm sido, de facto, “gerais”. Afectam, sobretudo empresas e serviços públicos e, em particular, os transportes. De uma maneira geral, muitos trabalhadores (muitas vezes, por medo das represálias dos patrões, outras porque não lhes reconhecem eficácia, outras ainda por trabalharem em pequenas e micro empresas onde a proximidade da sua relação com o patrão não favorece este tipo de confrontos) não têm participado nestas jornadas de luta.

Nestas circunstâncias, será correcto desgastar o seu sector mais combativo com greves sucessivas (a penúltima foi há quatro meses) apenas com o intuito de “marcar posição”, sem que haja qualquer expectativa de resultados práticos?

Há uma pergunta que tem que ser feita: quando Jerónimo de Sousa fala da greve como um “investimento para o futuro”, não estará a pensar na votação da CDU nas próximas eleições legislativas? Se conseguirem eleger mais dois ou três deputados, então o investimento terá tido uma boa rentabilidade?

O PCP pensa nos 10% de eleitores que considera “seus” e que quer conservar. Se possível, gostaria de ver aumentar essa percentagem em 2 ou 3 pontos, chamando a si, por exemplo, os “indignados” que se têm abstido. Mas quem quiser derrotar Passos Coelho tem de pensar na maioria da população, que se tem mantido alheada destas formas de luta.

Há razões que justifiquem a revolta popular? Sem dúvida. As leis laborais que vão ser votadas na AR são inadmissíveis? Com certeza. E “só é vencido quem desiste de lutar” – como se lê a todo o momento nos murais do facebook? É verdade.

Mas nada disso nos dispensa de adoptarmos as formas de luta mais convenientes, de acordo com as nossas forças e o nossos objectivos.

sábado, 17 de março de 2012

Acerca da detenção de George Clooney

As imagens da detenção de George Clooney, por ter participado numa manifestação não autorizada em frente da Embaixada do Sudão, por deram a volta ao mundo. Tratava-se de protestar contra os crimes de guerra praticados pelo governo de Cartum, no sul do país, e de chamar a atenção para a grave crise humanitária que aí se vive. Segundo palavras do actor, libertado depois de ter pago uma fiança de 100 dólares, “aparentemente, um dos meios [de alcançar aquele objectivo] é ser preso”.

Este exemplo coloca-nos, mais uma vez, perante a questão da legitimidade da desobediência civil no quadro de um regime democrático. Há quem considere que ela não existe na medida em que implica a infracção de leis aprovadas por representantes dos cidadãos que foram democraticamente eleitos. A desobediência civil violaria, assim, o princípio da vontade da maioria.

No entanto, a democracia não se esgota no respeito por esse princípio. Podem existir direitos legítimos que a maioria ignora porque afectam apenas grupos nacionais minoritários. Por exemplo, minorias raciais ou religiosas, ou então, como neste exemplo, situações vividas em países estrangeiros às quais não se atribui importância significativa.

Nesses casos, a desobediência civil pode ser uma forma eficaz de alertar a opinião pública para problemas que, doutra forma, tenderia a ignorar. Além disso, não é possível considerá-la anti-democrática, na medida em que quem assim se manifesta está disposto a sofrer as consequências legais da sua atitude. A desobediência civil é, então, tal como foi praticada por Gandhi ou por Martin Luther King, uma forma de resistência pacífica perfeitamente legítima.

A China é o principal parceiro de Cartum e tem no Sudão uma das suas fontes de fornecimento de petróleo. Hu Jintao desloca-se brevemente a Washington para conferenciar com Barak Obama. Aquilo que se pretende é que os EUA pressionem Pequim no sentido de uma tomada de posição favorável à paz na região.

A iniciativa de Clooney pode parecer-nos quixotesca, dada a desproporção entre os meios utilizados e os interesses envolvidos. Cabe à opinião pública americana e internacional dar-lhe o peso que ela merece.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Otelices – parte 3

Ainda a propósito da recente palestra de Otelo Saraiva de Carvalho em Coimbra, um apontamento breve sobre a sua referência à Islândia, um “caso notável de reacção popular recente”, onde o povo “prendeu os políticos, prendeu os banqueiros e disse que não pagava dívida nenhuma”.

Digamos que não é fácil reunir tantas asneiras em tão poucas linhas.

Em primeiro lugar, na Islândia, o povo não disse que “não pagava dívida nenhuma”. Realizaram-se dois referendos onde foi decidido não indemnizar o Reino Unido e a Holanda de 3,9 milhões de euros investidos por particulares desses países nas actividades especulativas de um banco islandês que faliu em 2008. As dívidas contraídas pelo Estado islandês estão, evidentemente, a ser pagas.

Em segundo lugar, “o povo” não prendeu “os políticos”. A Islândia é um Estado de Direito. Há leis que são respeitadas e um sistema judicial que funciona. Ninguém está acima das leis e o antigo primeiro-ministro foi chamado a tribunal e será condenado se se provar que as infringiu. Tal como aconteceu em Portugal, por exemplo, com Isaltino de Morais, que, aliás, contou com o apoio de Otelo nas últimas eleições autárquicas.

Em terceiro lugar, “o povo” também não prendeu “os banqueiros”. Há alguns administradores acusados, tal como o foi aqui Oliveira e Costa. Infelizmente, ainda continuamos à espera do desenvolvimento do “caso BPN”.

São justas as críticas que têm sido feitas à ineficácia do Ministério Público na investigação dos crimes “de colarinho branco” e à lentidão do sistema judicial português. Mas a solução não está nessa espécie de “justiça popular”, que não existe na Islândia nem em lado nenhum, a não ser na mente confusa de Otelo.

Uma nota final: já se iniciaram as negociações com vista à integração da Islândia na União Europeia. O que é que Otelo pensará disso?

Otelices perigosas – parte 2

Sabemos qual é a solução de Otelo para a crise: um golpe militar que demita o actual governo e ponha fim à democracia representativa. Falta saber o que é que viria depois.

Provavelmente, ele imagina-se a presidir à Junta Militar que então nos governaria mas, para “pôr as contas em ordem”, iria precisar de um especialista. Qual haveria de ser? É o próprio Otelo quem nos esclarece numa entrevista dada ao Jornal de Negócios, em Abril de 2011. No seu entender, para isso, Portugal precisa de um homem com inteligência e honestidade do ponto de vista de Salazar”. É claro que não seria um adepto do “fascismo italiano”, mas um Salazar benfeitor do povo.

Enfim, já disse que, por vezes, Otelo se imagina como um Hugo Chávez da Europa. Mas, neste homem dado ao teatro, há outro papel que também lhe cai bem: Otelo no papel de um General Gomes da Costa à procura de um "bom gestor de finanças".

Nos anos 30, projectos destes traduziram-se numa tragédia. Agora, esperemos que não passem de uma anedota.