sexta-feira, 12 de abril de 2013




Uma leitura indispensável (1º parte)

O Tratado de Maastricht foi aprovado em Dezembro de 1991 e Portugal decidiu incluir-se no “pelotão da frente” dos países que decidiram criar o euro, tendo concluído o seu processo de adesão oito anos depois. Essa decisão foi tomada por maioria qualificada na AR (votos do PSD, do PS e do CDS). Assim, em 1999, acabou o escudo e, portanto, a possibilidade de Portugal ter uma politica monetária autónoma. Os deputados que votaram “Sim” estavam mandatados para representarem o povo enquanto entidade soberana, mas não para abdicar de um instrumento da soberania que lhes tinha sido confiada. Contudo, esta decisão foi tomada sem recurso a consulta popular através de referendo. Como foi isto possível? Afinal, não tínhamos nenhum exército inimigo às portas, pronto para invadir o país… É esta a pergunta que nos faz João Ferreira do Amaral no seu último livro, Porque devemos sair do euro.

O livro de JFA não se dirige a economistas, mas a um público não especializado. São pouco mais de cem páginas de uma escrita clara e aliciante que, nas circunstâncias actuais, se tornaram de leitura indispensável. A título de introdução, deixo aqui, um resumo de algumas das teses defendidas pelo autor. Para maior comodidade dos leitores, dividi este texto em duas partes.

Comecemos por uma ideia elementar: Ter moeda própria é uma condição necessária para ter uma política monetária autónoma, ou seja, de usar a possibilidade da sua (des)valorização cambial para equilibrar a balança comercial com o exterior, ou para combater a inflação, ou para promover o crescimento económico.

Por isso, qualquer novo Estado independente cria a sua própria moeda. Apenas alguns liberais como Hayek, que confiam em absoluto nas virtudes auto-reguladoras do mercado, consideram que o Estado se deve abster de usar a moeda como um instrumento da política económica.

Assim, como diferentes economias nacionais enfrentam problemas distintos, cada Estado adopta a política monetária que melhor se acorda com a conjuntura económica e com os seus próprios objectivos.

A adopção por parte de um conjunto de Estados de uma moeda única priva-os dessa possibilidade. Isso poder-se-ia justificar se todos eles estivessem inseridos num espaço económico homogéneo, quer dizer, se todos enfrentassem os mesmos problemas e tivessem objectivos comuns. Como não é esse o caso da zona euro, a política monetária comum é necessariamente desenhada de acordo com o interesse de alguns deles e prejuízo dos outros.

A condição fundamental da homogeneidade reside na competitividade das diferentes economias nacionais. Avaliámo-la em função do peso relativo das exportações e das importações e da produção de bens transaccionáveis e não transaccionáveis, sendo que uma economia não é competitiva se se verificar um peso excessivo dos segundos termos daquelas equações. Por sua vez, a competitividade económica depende da qualidade daquilo que é produzido, da inovação e da relação preços / produtividade / recursos.

No caso português, a competitividade está sobretudo associada aos preços (que, note-se, não são exclusivamente nem fundamentalmente determinados pelos salários, como muitas vezes se pretende, mas, de uma maneira geral, pelos chamados "custos de contexto", que incluem as despesas com energia, transportes, matérias-primas, etc.). Daí, a importância de adoptar uma política monetária que favoreça a sua descida. A adopção de o euro, uma moeda forte, associada aos efeitos da globalização, provocou uma perda de competitividade que se traduziu no desequilíbrio da balança comercial (e, portanto, num acelerado processo de endividamento).

O euro é uma moeda forte porque foi criada à imagem do marco. Foi essa a condição imposta pela Alemanha para a sua adesão à moeda única, aceite pela França de Mitterrand que pensava que assim poderia “domesticar” o peso excessivo da Alemanha reunificada na Europa. Ora, a RFA teme acima de tudo a inflação e possui uma economia cuja competitividade se baseia fundamentalmente na qualidade e na inovação. Poder-se-á contra-argumentar afirmando que a integração de Portugal no euro visava precisamente uma evolução da nossa economia neste mesmo sentido. Contudo, a modernização do nosso tecido industrial e da nossa agricultura só pode realizar-se controlando as chamadas “despesas de contexto”, o que exige precisamente a adopção de uma política monetária adequada. Nas circunstâncias impostas pela nossa integração na zona euro, aquilo que ocorreu naturalmente foi um processo de transferência de capitais para a produção de bens não transaccionáveis (em particular, para a construção civil). Os investidores nacionais defenderam-se, assim, da concorrência de produtos que chegavam ao mercado nacional com preços muito baixos e assistimos a um processo acelerado de desindustrialização.

De facto, este processo iniciou-se logo que a adesão ao euro ficou decidida, impulsionado pela implementação das medidas de convergência exigidas, nomeadamente a de redução da inflação para o ritmo dos três países aderentes com menor inflação, o que se fez aumentando as taxas de juro de forma a reduzir o acesso ao crédito e a desacelerar a procura interna. A inflação desceu, mas o preço que pagamos por um escudo forte foi uma perda de competitividade, traduzida num progressivo decréscimo do peso da indústria e da agricultura no PIB.

A situação agravou-se com a adopção da moeda única em 1999. Então, a descida das taxas de juro e facilidades de financiamento sem precedentes favoreceram o apelo ao consumo, que conduziu a um progressivo endividamento das famílias. Além disso, o abandono da indústria e a aposta no investimento em bens não transaccionáveis, resultou num rápido aumento das importações e numa subida astronómica do défice da balança comercial.

A crise internacional de 2008 iniciou-se com a falência do Lehman Brothers. Na sequência disso, muitos outros bancos só conseguiram sobreviver à custa de avultados financiamentos públicos. Instalou-se um clima de desconfiança que conduziu à retracção do crédito e à recessão económica. As consequências sociais da crise obrigaram os Estados a aumentar a despesa pública, agravando os seus défices orçamentais. Além disso, tentaram, correctamente, contrariar a tendência recessiva com a promoção de obras públicas.

Contudo, impedidos de se financiar emitindo moeda e encontrando-se o BCE proibido de emprestar dinheiro aos Estados, as dificuldades financeiras atingem os países com economias mais frágeis, com grandes défices externos, como é o caso de Portugal, que se vê à beira da bancarrota.

É neste contexto que surgem os pedidos de ajuda externa junto do FMI, da CE e do BCE. Mas das condições de concessão dos empréstimos obtidos junto dessa troika e das suas consequências, trataremos na 2ª parte deste texto.

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