Uma leitura indispensável (1º parte)
O Tratado de Maastricht foi aprovado
em Dezembro de 1991 e Portugal decidiu incluir-se no “pelotão da frente” dos
países que decidiram criar o euro, tendo concluído o seu processo de adesão
oito anos depois. Essa decisão foi tomada por maioria qualificada na AR (votos
do PSD, do PS e do CDS). Assim, em 1999, acabou o escudo e, portanto, a
possibilidade de Portugal ter uma politica monetária autónoma. Os deputados que
votaram “Sim” estavam mandatados para representarem o povo enquanto entidade
soberana, mas não para abdicar de um instrumento da soberania que lhes tinha
sido confiada. Contudo, esta decisão foi tomada sem recurso a consulta popular
através de referendo. Como foi isto possível? Afinal, não tínhamos nenhum
exército inimigo às portas, pronto para invadir o país… É esta a pergunta que
nos faz João Ferreira do Amaral no seu último livro, Porque devemos sair do euro.
O livro de JFA não se dirige a
economistas, mas a um público não especializado. São pouco mais de cem páginas
de uma escrita clara e aliciante que, nas circunstâncias actuais, se tornaram
de leitura indispensável. A título de introdução, deixo aqui, um resumo de
algumas das teses defendidas pelo autor. Para maior comodidade dos leitores,
dividi este texto em duas partes.
Comecemos por uma ideia elementar: Ter
moeda própria é uma condição necessária para ter uma política monetária
autónoma, ou seja, de usar a possibilidade da sua (des)valorização cambial para
equilibrar a balança comercial com o exterior, ou para combater a inflação, ou
para promover o crescimento económico.
Por isso, qualquer novo Estado
independente cria a sua própria moeda. Apenas alguns liberais como Hayek, que
confiam em absoluto nas virtudes auto-reguladoras do mercado, consideram que o
Estado se deve abster de usar a moeda como um instrumento da política
económica.
Assim, como diferentes
economias nacionais enfrentam problemas distintos, cada Estado adopta a
política monetária que melhor se acorda com a conjuntura económica e com os
seus próprios objectivos.
A adopção por parte de um conjunto de
Estados de uma moeda única priva-os dessa possibilidade. Isso poder-se-ia justificar
se todos eles estivessem inseridos num espaço económico homogéneo, quer dizer,
se todos enfrentassem os mesmos problemas e tivessem objectivos comuns. Como
não é esse o caso da zona euro, a política monetária comum é necessariamente
desenhada de acordo com o interesse de alguns deles e prejuízo dos outros.
A condição fundamental da
homogeneidade reside na competitividade das diferentes economias nacionais. Avaliámo-la
em função do peso relativo das exportações e das importações e da produção de
bens transaccionáveis e não transaccionáveis, sendo que uma economia não é
competitiva se se verificar um peso excessivo dos segundos termos daquelas
equações. Por sua vez, a competitividade económica depende da qualidade daquilo
que é produzido, da inovação e da relação preços / produtividade / recursos.
No caso português, a competitividade
está sobretudo associada aos preços (que, note-se, não são exclusivamente nem
fundamentalmente determinados pelos salários, como muitas vezes se pretende, mas, de uma maneira geral, pelos chamados "custos de contexto", que incluem as despesas com energia, transportes, matérias-primas, etc.). Daí, a importância de adoptar
uma política monetária que favoreça a sua descida. A adopção de o euro, uma
moeda forte, associada aos efeitos da globalização, provocou uma perda de
competitividade que se traduziu no desequilíbrio da balança comercial (e,
portanto, num acelerado processo de endividamento).
O euro é uma moeda forte porque foi
criada à imagem do marco. Foi essa a condição imposta pela Alemanha para a sua
adesão à moeda única, aceite pela França de Mitterrand que pensava que assim
poderia “domesticar” o peso excessivo da Alemanha reunificada na Europa. Ora, a
RFA teme acima de tudo a inflação e possui uma economia cuja competitividade se
baseia fundamentalmente na qualidade e na inovação. Poder-se-á
contra-argumentar afirmando que a integração de Portugal no euro visava
precisamente uma evolução da nossa economia neste mesmo sentido. Contudo, a modernização
do nosso tecido industrial e da nossa agricultura só pode realizar-se controlando as chamadas “despesas de contexto”, o que exige precisamente a
adopção de uma política monetária adequada. Nas circunstâncias impostas pela
nossa integração na zona euro, aquilo que ocorreu naturalmente foi um processo
de transferência de capitais para a produção de bens não transaccionáveis (em
particular, para a construção civil). Os investidores nacionais defenderam-se,
assim, da concorrência de produtos que chegavam ao mercado nacional com preços
muito baixos e assistimos a um processo acelerado de desindustrialização.
De facto, este processo iniciou-se
logo que a adesão ao euro ficou decidida, impulsionado pela implementação das
medidas de convergência exigidas, nomeadamente a de redução da inflação para o
ritmo dos três países aderentes com menor inflação, o que se fez aumentando as
taxas de juro de forma a reduzir o acesso ao crédito e a desacelerar a procura
interna. A inflação desceu, mas o preço que pagamos por um escudo forte foi uma
perda de competitividade, traduzida num progressivo decréscimo do peso da
indústria e da agricultura no PIB.
A situação agravou-se com a adopção da
moeda única em 1999. Então, a descida das taxas de juro e facilidades de
financiamento sem precedentes favoreceram o apelo ao consumo, que conduziu a um
progressivo endividamento das famílias. Além disso, o abandono da indústria e a
aposta no investimento em bens não transaccionáveis, resultou num rápido aumento
das importações e numa subida astronómica do défice da balança comercial.
A crise internacional de 2008 iniciou-se
com a falência do Lehman Brothers. Na sequência disso, muitos outros bancos só conseguiram sobreviver à
custa de avultados financiamentos públicos. Instalou-se um clima de desconfiança
que conduziu à retracção do crédito e à recessão económica. As consequências sociais
da crise obrigaram os Estados a aumentar a despesa pública, agravando os seus défices
orçamentais. Além disso, tentaram, correctamente, contrariar a tendência recessiva
com a promoção de obras públicas.
Contudo, impedidos de se financiar emitindo
moeda e encontrando-se o BCE proibido de emprestar dinheiro aos Estados, as dificuldades
financeiras atingem os países com economias mais frágeis, com grandes défices externos,
como é o caso de Portugal, que se vê à beira da bancarrota.
É neste contexto que surgem os pedidos
de ajuda externa junto do FMI, da CE e do BCE. Mas das condições de concessão dos
empréstimos obtidos junto dessa troika e das suas consequências, trataremos na 2ª
parte deste texto.
Sem comentários:
Enviar um comentário