A propósito de uma polémica com o João Delgado
SERÁ QUE EU SOU MESMO UM SOCIAL-DEMOCRATA?
Numa polémica recente com o João Delgado, fui por ele classificado como “social-democrata.” Na minha resposta, apressei-me a recusar essa etiqueta. Contudo, nem por isso deixei de ficar a pensar: será que ele tem razão?
Devo dizer que não considero o termo necessariamente pejorativo. Afinal, nasce da síntese de dois conceitos que me são caros, o de socialismo e o de democracia. E, no entanto…
Consideremos duas personalidades políticas contemporâneas como paradigmas da social-democracia: Olof Palme e Tony Blair. Reconheço-me na acção política de algum deles?
Não tenho problemas em afirmar que na Suécia, nomeadamente no tempo em que foi governada por Olaf Palme, se foi mais longe do que em qualquer outro país europeu (os de Leste inclusive) na defesa dos valores que, na minha opinião, devem subjazer a qualquer definição de socialismo – a liberdade, a democracia, a solidariedade, o bem-estar e a justiça social.
Mas a experiência social-democrata vivida nos anos 60-70 nos países da Europa do Norte não pode ser compreendida fora do contexto histórico em que ocorreu:
1) um ciclo de crescimento económico que vai dos anos 40 aos 70;
2) a divisão do mundo em dois blocos políticos e militares e a ocorrência da Guerra Fria;
3) a possibilidade de existência de acordos entre representantes da burguesia e das classes populares em torno da criação de um sistema de segurança social apoiado na acção do Estado e financiado por uma carga fiscal com um forte efeito redistributivo, tornados possíveis quer pelo contexto económico, quer pela necessidade sentida pelas democracias ocidentais de subtrair os movimentos populares à esfera de influência soviética.
Acontece que, a partir dos anos 70, a situação económica e política se alterou radicalmente. Passamos a viver num contexto de recessão económica, o bloco soviético desfez-se, a globalização capitalista trouxe consigo o dumping social e a facilidade de transferência de capitais para sociedades bancárias off-shore. Assistiu-se, então, a uma ofensiva das ideias e práticas neoliberais e a possibilidade de chegar a consensos em torno da defesa do Estado Providência tornou-se muito difícil. O capitalismo abdicou da sua máscara “socialista” e assumiu a sua verdadeira face.
E é então que nos surge uma social-democracia reciclada numa “terceira via”, exemplificada aqui por Tony Blair. Volto a perguntar-me: de que me servem estes exemplos?
O de Olaf Palme não me pode servir como receita, desde logo porque a doença de que o mundo de hoje padece ainda não se tinha então declarado. O de Blair também não, porque ele personifica a própria doença e não a sua superação.
Na verdade, no nosso tempo, a esquerda confronta-se quer com o fracasso do “socialismo real”, como com o da social-democracia. Parece-me que, perante problemas diferentes, teremos que inventar soluções novas. Seria mais fácil se pudéssemos dispor de receitas pré-fabricadas, prontas para usar… Para mim, seria muito confortável poder aceitar a “etiqueta” social-democrata que o João Delgado me quis colocar – tinha boa parte das minhas dúvidas resolvidas. Mas, infelizmente, parece-me que não consigo resolver tão facilmente os problemas que a mim mesmo me coloco.
SERÁ QUE EU SOU MESMO UM SOCIAL-DEMOCRATA?
Numa polémica recente com o João Delgado, fui por ele classificado como “social-democrata.” Na minha resposta, apressei-me a recusar essa etiqueta. Contudo, nem por isso deixei de ficar a pensar: será que ele tem razão?
Devo dizer que não considero o termo necessariamente pejorativo. Afinal, nasce da síntese de dois conceitos que me são caros, o de socialismo e o de democracia. E, no entanto…
Consideremos duas personalidades políticas contemporâneas como paradigmas da social-democracia: Olof Palme e Tony Blair. Reconheço-me na acção política de algum deles?
Não tenho problemas em afirmar que na Suécia, nomeadamente no tempo em que foi governada por Olaf Palme, se foi mais longe do que em qualquer outro país europeu (os de Leste inclusive) na defesa dos valores que, na minha opinião, devem subjazer a qualquer definição de socialismo – a liberdade, a democracia, a solidariedade, o bem-estar e a justiça social.
Mas a experiência social-democrata vivida nos anos 60-70 nos países da Europa do Norte não pode ser compreendida fora do contexto histórico em que ocorreu:
1) um ciclo de crescimento económico que vai dos anos 40 aos 70;
2) a divisão do mundo em dois blocos políticos e militares e a ocorrência da Guerra Fria;
3) a possibilidade de existência de acordos entre representantes da burguesia e das classes populares em torno da criação de um sistema de segurança social apoiado na acção do Estado e financiado por uma carga fiscal com um forte efeito redistributivo, tornados possíveis quer pelo contexto económico, quer pela necessidade sentida pelas democracias ocidentais de subtrair os movimentos populares à esfera de influência soviética.
Acontece que, a partir dos anos 70, a situação económica e política se alterou radicalmente. Passamos a viver num contexto de recessão económica, o bloco soviético desfez-se, a globalização capitalista trouxe consigo o dumping social e a facilidade de transferência de capitais para sociedades bancárias off-shore. Assistiu-se, então, a uma ofensiva das ideias e práticas neoliberais e a possibilidade de chegar a consensos em torno da defesa do Estado Providência tornou-se muito difícil. O capitalismo abdicou da sua máscara “socialista” e assumiu a sua verdadeira face.
E é então que nos surge uma social-democracia reciclada numa “terceira via”, exemplificada aqui por Tony Blair. Volto a perguntar-me: de que me servem estes exemplos?
O de Olaf Palme não me pode servir como receita, desde logo porque a doença de que o mundo de hoje padece ainda não se tinha então declarado. O de Blair também não, porque ele personifica a própria doença e não a sua superação.
Na verdade, no nosso tempo, a esquerda confronta-se quer com o fracasso do “socialismo real”, como com o da social-democracia. Parece-me que, perante problemas diferentes, teremos que inventar soluções novas. Seria mais fácil se pudéssemos dispor de receitas pré-fabricadas, prontas para usar… Para mim, seria muito confortável poder aceitar a “etiqueta” social-democrata que o João Delgado me quis colocar – tinha boa parte das minhas dúvidas resolvidas. Mas, infelizmente, parece-me que não consigo resolver tão facilmente os problemas que a mim mesmo me coloco.
Excelente. Quanto ao epíteto, de certeza que já te chamaram nomes mais feios - maoista, estalinista, leninista ou fascista/social-
ResponderEliminarPois Cruz Mendes, há tantos anos que nos conhecemos e estava eu perfeitamente convicto que te consideravas um social-democrata, da declinação nórdica. Mea culpa.
ResponderEliminarFaria, "etiqueta", como diz o Cruz Mendes, aceito, "epíteto" ou "chamar nomes" não é o meu estilo.
E já agora, misturar leninista com maoísta, estalinista ou fascista/social é capaz de ser muita audácia.
Certo é que nenhum de nós os três esteve noutro partido em que pudesse manter esta conversa em público e em liberdade, e isso é provavelmente o verdadeiro cimento do BE.
E se muitos há que se angustiam com este pluralismo bloquista, certamente para nós é um dado adquirido e preservável acima de tudo.
Palavra de ordem: Nem mais uma linha justa para o proletariado!
(era a brincar, ok?)