sexta-feira, 20 de março de 2009

APONTAMENTOS À MARGEM (2):
LIVRO, NOVIDADE

Camilo Castelo Branco
O Morgado de Fafe em Lisboa


Edições Opera Omnia, 2008

Confesso estar a iniciar a leitura desta obra, pelo que não poderei registar nestas linhas a minha opinião, que fica para outra ocasião.

Dou-a "à estampa" neste momento porque uma nova edição desta comédia camiliana da editora “Opera Omnia”, vai ser apresentada já amanhã, sábado, dia 21 de Março, pelas 17h00, no Centro de Estudos Camilianos, junto à Casa-Museu de Camilo, em S. Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão.

Depois da apresentação da obra literária, segue-se a encenação de alguns quadros da jocosa peça camiliana, pelo grupo de teatro Nova Comédia Bracarense.

Em agradável e prático formato de bolso, com capa dura, esta nova edição (com introdução crítica, estabelecimento do texto e notas) é da responsabilidade de Cândido Oliveira Martins.

Inaugurando uma nova colecção de teatro da “Opera Omnia”, o grande objectivo da editora é captar novos públicos para a leitura de autores clássicos como Camilo Castelo Branco. Dentro do espírito do Plano Nacional de Leitura, pretende-se seduzir variadas camadas de leitores, quer através da leitura do texto editado, quer através da representação da peça.

Estaremos aqui para conferir o sucesso da iniciativa, e o sucesso desta etiqueta recente: Opera Omnia.

Em jeito de "desculpas" por não estar capaz de omitir opinião, aqui deixo um breve trecho para aguçar apetites. Sirvam-se.

"1ª Dama - Conte-nos a passagem, senhor Morgado... estamos ansiosas.
Morgado - Estão? (erguendo-se) Ora eu vou contar. Há-de haver dez anos que eu fui ao Porto para contratar o meu casamento com o pai de uma me­nina, que, não desfazendo em ninguém que me ouve, tinha um palmo de cara que se podia ver; tocava realejo, e dançava o sólio inglês e a gaivota, que eram poucos os olhos da cara p'ra verem. Deu-me no goto a moça, e resolvi casar-me. É verdade que lá no Porto diziam que o pai fazia em casa o dinheiro que lhe era preciso para os seus gastos; mas isso que tinha?! Fazer dinheiro é um modo de vida que não me consta que desfizesse casamento em parte nenhuma... Pelo contrário, meu mano frade diz que tem feito muitos.
As três Damas (ao mesmo tempo)
1ª Dama - Pois casou.
2ª Dama - Ah! casou?!
3ª Dama - Ditosa esposa! Oh! Quanto a invejo!
Morgado - Falam todas à pancada! Ora, diga lá cada uma por sua vez o que tem na ideia.
3ª Dama - Eu disse que invejava a sorte da sua esposa.
Baronesa- Menina! (com severidade) Seja comedida no seu entusiasmo, e não (descendo) interrompa.
Morgado - Liberdade de imprensa, minha rica senhora. Deixe-a falar. Eu não casei com a tal menina, minha senhora.
As três Damas (falando simultaneamente)
2ª Dama - Ah! Não!
3ª Dama - Traiu-o, talvez; que injustiça!
1ª Dama - E que mau gosto!
Morgado - Não há que ver; são como as rãs; em falando uma falam todas.
Soares - É muito grosseiro! (à parte, a D. Leocádia)
Barão - Deixem falar o senhor Morgado, meninas.
Morgado - Chamava-se Maria, a menina; mas ela gostava que lhe chamassem Márcia, porque Márcia é poético; e lá a casa do pai dela ia um poeta jantar que lhe chamava Márcia. Estava marcado o dia do casamento, quando fui jantar a casa de meu sogro. A noiva ficou à minha esquerda, e estava vermelha como uma ginja. Era a inocên­cia, pelos modos; mas eu cuidei que seria indisposição de dentro, e perguntei-lhe se estava entoirida com o jantar. Disse-me que não tinha provado nada; e eu, cuidando que era fraqueza o seu mal, botei-lhe ao prato uma perna de peru. E que há-de ela fazer? Ergue­-se assarapantada, e foge. O que é, o que não é, que será, erguem­-se todos; uns vão, outros vêm, tudo se mexe menos eu, que fiquei comendo o peito do peru, bocado por que sou doido. Tratei de saber o que tivera a moça. Vi o poeta e perguntei-lhe: "O senhor sabe dizer-me o que teve a sra. D. Márcia?" Que há-de dizer-me o homem? "A menina retirou-se porque V S.a a envergonhou com a perna do peru." - "Homem, essa! - disse-lhe eu - Aposto que o senhor poeta, lá nos seus versos, lhe disse que uma menina inocente devia envergonhar-se da perna de um peru?!" No dia seguinte, meus caros senhores, escrevia uma carta ao pai de Márcia, dizendo-lhe que em minha casa se comia muita soma de peru, e que eu não estava para ir atrás de minha mulher todas as vezes que viesse à mesa um peru com pernas. - Enquanto a mim, a moça fugiu envergonhada de ver que eu comia à portuguesa, ao passo que o poeta e outros que lá estavam, com os guardanapos postos à laia de babeiros, diziam uma coisa, que eles chamavam espichos, do tamanho da légua da Póvoa, e lavavam os dedos numa tigela de água, que eu ia bebendo, por não saber que é moda agora fazer da mesa lavatório. Isto veio ao caso de dizer que não sou homem de cerimónias. Como em casa dos amigos enquanto tenho vontade, e quem vai à minha casa há-de comer até lhe tocar com o dedo. As meninas querem disto? (puxa de um cartucho de rebuçados, que quer repartir aos punha­dos) São de avenca legítimos; trouxe-os do Porto. Sirvam-se.
(As damas, sufocando o riso, saem de corrida da sala).
Baronesa - São crianças, senhor Morgado, não faça caso."

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