segunda-feira, 8 de março de 2010

Feminismo(s)

No dia 8 de Março de 1857, as operárias duma fábrica de tecidos de Nova Iorque entraram em greve, exigindo aumento de salários (ganhavam 1/3 do ordenado dum operário) e diminuição das horas de trabalho. O patrão chamou a polícia e as grevistas foram trancadas no interior da fábrica, que foi incendiada. Morreram 129 operárias. A partir de então um movimento reivindicativo centrado nos direitos das mulheres foi ganhando corpo e, em 1910, uma Conferência realizada na Dinamarca institui o dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.

Actualmente as comemorações do 8 de Março referem-se não só às reivindicações laborais das mulheres, mas relacionam-se num plano mais geral com as lutas travadas pelos movimentos feministas que põem em causa a “subordinação deliberada e sistemática das mulheres, como grupo, por parte dos homens, como gupo, dentro de um determinado contexto cultural” (Karen Offen, European feminism, 1750-1950. A political history. Stanford, Califórnia: Stanford University Press, 2000).

Considerando o movimento feminista no quadro das democracias ocidentais, várias autoras identificam três fases diferentes na sua evolução.

As suas origens estão no séc. XVIII, pois já em 1972 Mary Wollstonelcraft defendia contra Rousseau, em Reivindicação dos Direitos da Mulher, que a situação de dependênca em que se encontravam as mulheres não era determinada pela natureza, mas uma consequência da educação que sofriam, defendendo a igualdade de homens e mulheres como seres racionais e autónomos. Mas foi sobretudo a partir dos meados do séc. XIX que o feminismo alcançou a dimensão de um movimento social. A partir de então e até aos anos 20 do séc. XX, desenvolveu-se, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, um feminismo liberal que centrava as suas reivindicações na defesa da igualdade de direitos políticos (nomeadamente, ao direito ao voto), educativos (acesso aos estudos profissionais e educativos) e laborais (igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções).

Ao mesmo tempo, nasceu um feminismo socialista. Em 1884, Engels publicou A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, onde defendeu que a submissão feminina no quadro do casamento monogâmico resultou da necessidade de tornar inquestionável a paternidade dos descendentes e de, portanto, garantir a transmissão em regime sucessório, de pai para filho, do património acumulado pela família. Na sociedade capitalista, o trabalho feminino era duplamente explorado, no plano produtivo, como mão-de-obra barata, e no plano reprodutivo, alimentado o sistema com os seus filhos-operários. A emancipação da mulher deveria passar, portanto, pela revolução proletária e pelo fim do capitalismo.

A segunda vaga do movimento feminista teve em Simone de Beauvoir uma das suas principais porta-vozes. Em O Segundo Sexo (1949), defendeu que o género era uma construção social (“não se nasce mulher, faz-se”), que a maternidade não deveria limitar as possibilidades de desenvolvimento intelectual e profissional da mulher e que, para isso, era fundamental a repartição do trabalho doméstico no seio da família. Estas ideias, secundadas por outras autoras como Betty Friedman (A Segunda Fase, 1981), sublinham o facto da exploração da mulher não estar limitada ao mundo das relações laborais, mas de encontrar uma segunda dimensão no campo das relações familiares.

Neste sentido, demarca-se do marxismo que seria “cego ao sexo”, ou seja, às relações de dominação homem/mulher que nos confrontam com questões que não se esgotam nas relações de dominação burguesia/proletariado. O domínio patriarcal não era um mero subproduto do capitalismo, tal como o demonstrava a sua sobrevivência na União Soviética e nos outros países do chamado campo socialista.

Em última análise, o feminismo radical desta 2ª fase pretende alargar o campo da luta pela emancipação feminina do âmbito das relações públicas par o campo das relações privadas: “o pessoal é político”, é um dos seus slogans mais conhecidos. Sublinhando a importância da sexualidade na definição da condição feminina, as suas defensoras bateram-se pelo direito da mulher poder controlar a sua própria fecundidade pelo acesso aos meios contraceptivos e à legalização da interrupção voluntária da gravidez.

Foi ainda no contexto desta segunda vaga feminista que se desenvolveu o “feminismo da diferença” que, contrapondo-se ao "feminismo da igualdade", defendia existirem diferenças culturais distintivas entre os géneros. Seria caracteristicamente masculina uma cultura cujos traços fundamentais são, entre outros, a agressividade, a competitividade, a autoridade, o individualismo e a racionalidade; e feminina aquela que se caracterizaria pela empatia, a colaboração, a preocupação com os outros ou a atenção aos sentimentos. A luta das mulheres deveria orientar-se no sentido da valorização das suas qualidades específicas que, numa sociedade governada por homens, tendem a ser menosprezadas e a ser mesmo consideradas como justificação para o afastamento das mulheres dos cargos de maior responsabilidade nas áreas da actividade política e empresarial.

Se quisermos caracterizar o movimento feminista na actualidade, podemos dizer que uma 3ª vaga se afirmou a partir duma combinação das características próprias do feminismo da igualdade e do feminismo da diferença. Do primeiro retém a ideia de que as mulheres devem aceder ao âmbito público, nomeadamente aos centros do poder, enquanto que os homens devem participar, em pé de igualdade com as mulheres, no cuidado dos filhos e da família. Do segundo mantém a convicção de que as mulheres não devem adaptar-se às regras que informam o âmbito da acção pública, definidas em função dos valores masculinos, mas transformá-las de forma a reflectirem também os seus próprios valores.

Feito, assim, o ponto da situação ao nível da evolução do feminismo no plano ideológico, resta verificar como é que essas ideias se traduzem em práticas sociais, nomeadamente em Portugal. Mas esse seria assunto para um outro post. Fica prometido para mais tarde.

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