Como reduzir a dívida pública
CORTAR NAS DESPESAS SOCIAIS OU AUMENTAR OS IMPOSTOS?
A opção dos partidos da direita, do PSD e do CDS-PP, não deixa lugar a dúvidas: todo o esforço de redução da dívida pública deve ser feito pela via da redução das despesas, sendo condenável qualquer subida de impostos. Baseia-se nisto a sua crítica do PEC proposto pelo governo.
O governo procura atacar nas duas frentes, mas aposta também sobretudo na redução da despesa: o PEC prevê uma redução da despesa na ordem dos 2,7%; o aumento das receitas previsto é de 0,8%.
O Memorando do Bloco de Esquerda apresentado no dia 10 de Março propõe um conjunto de medidas que se traduzem numa redução da despesa de 2,1% e num aumento da receita de 1,6%. Ou seja, a redução da despesa não é tão acentuada como na proposta do governo (há uma diferença de 0,6%) e o aumento da receita é maior em 0,8%.
Há, portanto, uma divergência evidente ao nível do peso relativo atribuído aos capítulos “redução das despesas” e “aumento das receitas". Mas, para além disso, ficam ainda de pé duas questões fundamentais.
Em primeiro, lugar, como reduzir a despesa? Aqui surgem de novo divergências notórias. Para o governo “reduzir despesas” significa lançar os custos da crise sobre os mais fracos: propõe-se a redução dos custos com pessoal em 2,7% (congelamento de salários, regra de 1 por 2 ou 3, no acesso à função pública, etc.) e a redução das prestações sociais em 0,6% (gastos com subsídio de desemprego, rendimento de reinserção social, comparticipações em medicamentos e despesas escolares, etc.), e redução do investimento público em 0,5% (com consequências negativas inevitáveis ao nível da retoma do desenvolvimento económico e do desemprego). 3,3%, portanto, contra uma redução dos consumos intermédios (outsourcing, despesas militares, etc.) de apenas 0,4%.
É claro que nem toda a despesa pública é virtuosa, mas é fundamental quando, num contexto de recessão económica, compensa a retracção do investimento privado e contribui para combater o desemprego e estimular a procura, e quando surge em defesa de serviços públicos indispensáveis e da protecção daqueles a quem a crise atirou para o desemprego e a pobreza. Com certeza nada disto impede que não se possam tomar medidas positivas neste domínio cortando no despesismo inútil e imoral que invade vários sectores da intervenção governativa, nas despesas de consumo intermédio, no adiamento de algumas das chamadas “grandes obras”, e, sobretudo, como propõe o memorando do Bloco, na renegociação das ruinosas parcerias público-privadas.
Em todos estes domínios o Bloco propõe medidas concretas. Contudo, ao recusar a descida dos salários reais, pelo menos nos escalões mais baixos da função pública, e a redução cega das despesas sociais, o BE aceita que a redução das despesas seja apenas de 2,1% e não de 2,7%, como propõe o governo.
Como compensar esta diferença de 0,6%? Resta uma solução: a subida dos impostos. Evidentemente, neste domínio há que ser selectivo. O Bloco concorda com a criação de um novo escalão do IRS para aqueles que têm rendimentos acima dos 150.000 euros anuais e propõe, ainda, a tributação das mais-valias obtidas com a especulação bolsista em 20%, tal como é norma na União Europeia, já em 2010, a anulação dos benefícios fiscais injustificados, um imposto de 25% sobre as transferências para offshores e a tributação em 50% dos prémios extraordinários de gestores e administradores das grandes empresas. Estas medidas permitiriam um aumento das receitas do Estado em 1,6%, contra os 0,8% previstos no PEC.
O PEC proposto pelo governo propõe-se reduzir o défice das contas públicas sobretudo à custa de cortes nos gastos sociais e, por isso, não é aceitável. Mas é preciso prevenirmo-nos contra as críticas que nos chegam dos partidos da direita: reduzir o défice sem cortar nos gastos sociais e, ao mesmo tempo, recusar qualquer aumento de impostos é como prometer a quadratura do círculo. Há uma crítica de esquerda ao PEC, como aquela que é protagonizada pelo Bloco, e uma crítica de direita que chora lágrimas de crocodilo diante da pobreza, enquanto defende os direitos intocáveis dos mais ricos.
Entre a redução dos gastos sociais do Estado e o aumento dos impostos há uma escolha que tem de ser feita. As diferenças entre a esquerda e a direita passam também por aí.
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