Ciclo de Cinema na Velha-a Branca (4)
Vai chegar ao fim o ciclo de cinema que programei para as noites de 4ª feira com o neo-realismo e um filme de Visconti.
Texto de apresentação:
Luchino Visconti, A Terra Treme, 1948
O neo-realismo manifesta-se, tal como o expressionismo, o futurismo e o surrealismo, na literatura e nas artes plásticas. No cinema, aparece-nos como um movimento italiano nascido ainda durante a 2ª Guerra Mundial, mas que se afirmará sobretudo no pós-guerra, e que teve como principais protagonistas Luchino Visconti, (Obsessão, 1942), Roberto Rosselini (Roma, Cidade Aberta, 1945) e Vittorio de Sica (Ladrões de Bicicletas, 1948). Surge-nos influenciado pelo cinema realista francês (Jean Renoir) e pela tradição literária verista italiana (Giovanni Verga), bem como pelo marxismo e, nomeadamente, pelas concepções de Gramsci, para quem apenas “a verdade é revolucionária”. Surge-nos, ainda, como uma reacção contra o chamado cinema dos “telefones brancos”, dominante na época de Mussolini, cinema académico, de entretenimento, geralmente comédias que encenavam em estúdio ambientes abastados onde os tais telefones surgiam como um ícone incontornável.
Em contrapartida, os neo-realistas defendiam que o cinema deveria assumir uma função de testemunho social, centrando-se no quotidiano das pessoas comuns.
Em A Terra Treme, Visconti conta-nos a história da família Valastro, uma família de pescadores que possuem o seu próprio barco, mas que são obrigados a vender o pescado na lota ao preço baixíssimo imposto pelos grossistas. Antonio, o filho mais velho e o patrão da embarcação, revolta-se contra esta exploração que os condena a uma luta diária pela subsistência e é preso.
Libertado, lembra-se de hipotecar a casa da família para obter o capital de que necessita para poder libertar-se do jugo dos intermediários e comercializar em melhores condições o peixe que apanharem. A princípio tudo parece correr bem. Contudo, uma tempestade destrói o seu barco, a família arruína-se, desagrega-se, e Antonio, abandonado por todos, é obrigado a pedir trabalho como simples remador num barco propriedade dos grossistas cujos interesses ousou defrontar.
Numa primeira observação, Visconti permanece fiel ao mais puro credo neo-realista. Os actores não são profissionais, mas gente do povo que fala no seu próprio dialecto, pescadores que se deixam filmar nas funções que desempenham na vida real. As filmagens não decorreram em estúdio mas na própria povoação e os diálogos foram escritos em colaboração com os actores. Os comentários em off sublinham uma intenção de denúncia política.
No entanto, alguns críticos consideram que, ainda assim, a realização de Visconti não é estranha ao caligrafismo que se irá acentuar nos seus filmes posteriores. O caligrafismo é uma tendência do cinema italiano, nascida nos anos 40, que se pode opor tanto ao cinema dos “telefones brancos” como ao neo-realismo e que se exprime no interesse pelos temas literários ou históricos e por um requintado formalismo. Veja-se, como exemplo, Sentimento, que Visconti realizou em 1954, adaptando um conto de Camilo Boito.
De facto, a derrota de Antonio e o destino da família Valastro transportam-nos para o universo das tragédias gregas, onde aqueles que ousam desafiar os deuses atraem sobre si todas as desgraças do mundo. Assim, A Terra Treme surge-nos, paradoxalmente, como um dos mais militantemente comprometidos dos filmes neo-realistas e, ao mesmo tempo, como um primeiro exemplo do terrível pessimismo que é próprio do caligrafismo italiano e que podemos observar em muitas outras obras de Visconti.
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