sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

2) Socialisme – notas à margem de algumas entradas do Dictionaire Albert Camus, de Jeanyves Guérin

“Não poderei ter prazer em viver num mundo onde tenha desaparecido aquilo a que chamaria a esperança socialista", confiou um dia Camus a Roger Quillot.

O que entende Camus por “socialismo”?

Em 1944, distinguia dois projectos: o que designava por “socialismo marxista”, defendido pelos partidos comunista e socialista, e aquele a que chamava “socialismo liberal” e que seria protagonizado pela Resistência, e interrogava-se acerca da possibilidade de, a partir do confronto entre os dois, se poder chegar a uma nova síntese.

Pensava então que o ponto fraco o ponto fraco do primeiro era o seu optimismo histórico, o paradigma do progresso inevitável, o mito do futuro radioso. E afirma não acreditar nas “doutrinas absolutas e infalíveis”, preferindo às ideologias, a luta pela “melhoria obstinada, caótica, mas incansável da condição humana”.

Em 1944, num artigo publicado no Combat, Camus afirma ser preciso conciliar a justiça com a liberdade. E explicita assim as suas ideias: “é preciso fazer reinar a justiça no plano da economia e garantir a liberdade no plano político”. E Camus, que defendia então a nacionalização (aliás, prefere o termo “socialização”) dos grandes bancos, das companhias de seguros, das minas de carvão e da electricidade, precisa: desejamos para a França uma economia colectivista e uma política liberal. Sem economia colectivista que retire ao dinheiro o seu privilégio para o entregar ao trabalho, uma política de liberdade é um engano. Mas sem a garantia constitucional da liberdade política, a economia colectivista arrisca-se a absorver toda a iniciativa e toda a expressão individuais”.

Camus está aparentemente próximo do partido socialista, mas critica a SFIO por confundir “a realização da sua doutrina com a obtenção de uma maioria na Assembleia” e, na década de 50, mostra-se cada vez mais descrente na possibilidade da sua regeneração. Ao mesmo tempo, demarca-se claramente dos comunistas, defensores de um Socialismo “cesarista” e “autoritário”, defendendo que, na União Soviética, a nacionalização dos meios de produção não instaurou uma economia socialista, mas um capitalismo de Estado, onde uma nova oligarquia se substituiu à antiga. Contra uma certa intelectualidade de esquerda que tende a justificar aquilo que se conhecia já das perseguições estalinistas, Camus afirmará sempre a sua recusa da ideia de que os fins justificam os meios. E será sempre um defensor intransigente e incondicional do sufrágio internacional, do pluralismo partidário, da independência da imprensa e da separação dos poderes.

Contudo, colocar-se-á entre aqueles que pensam que a crítica do totalitarismo não pode legitimar um capitalismo entregue à devastação social, indiferente à perenização das injustiças e fautor do crescimento das desigualdades. A luta contra a exclusão e a pobreza exige medidas de redistribuição e, para isso, defende o Estado providência, a planificação, as nacionalizações, a co-gestão e autogestão.

Nota à margem: Jeanyves Guérin afirma que o nome e os escritos de Camus poderiam servir ainda hoje de caução aos renovadores e aos refundadores da esquerda francesa. Só da francesa?

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