segunda-feira, 11 de janeiro de 2010



1) Gauche – notas à margem de algumas entradas do Dictionaire Albert Camus, de Jeanyves Guérin


Em 1955, Camus escreveu: “Je suis né dans une famille, la gauche, où je mourrai, mais dont il m’est difficile de ne voir pás la déchéance”. Na verdade, a sua relação com os partidos da esquerda francesa nunca foi pacífica. Condenava no PCF a sua submissão ao PCUS e ao estalinismo, numa época onde a sua influência quer no movimento operário como no seio dos intelectuais de esquerda era claramente dominante. Volta-se para os socialistas de quem espera que combatam a hegemonia ideológica e cultural dos comunistas na esquerda, mas a SFIO continua a reivindicar-se do marxismo ao mesmo tempo que se aproxima politicamente dos partidos da direita. Perde assim “em todos os tabuleiros”.

Camus tentará distinguir uma esquerda moderada de uma esquerda extremista sem derrapar para a direita, como fez Raymond Aron. Segundo Jeanyves Guérin, “esta teoria das duas esquerdas anuncia aquela que foi defendida por Michel Rocard no fim dos anos 70” e que “cruza duas distinções, a que separa a democracia do totalitarismo e a que opõe modernidade e arcaísmo”.

A ambição de Camus apontava no sentido de uma união da esquerda que englobaria socialistas modernistas, sindicalistas independentes e anarquistas. Mas a derrota da estratégia da “frente republicana” proposta por Pierre Mendès France em 1955-56 tornou clara a sua inviabilidade. Restava-lhe constatar a “decadência” e a “esquizofrenia” da esquerda. Pouco antes da sua morte, afirmou que ser de esquerda “malgré lui” e “malgré elle”.

Nota à margem, a pensar na actual situação política portuguesa: será mesmo verdade que a história não se repete?

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