Debate Paulo Portas – Francisco Louçã
Foi sem dúvida um dos debates mais interessantes do período pré-campanha eleitoral. Em cima da mesa estiveram, sobretudo três questões: a reestruturação da dívida, o desemprego e a pobreza. E sobre todas elas os dois tiveram oportunidade de expressar claramente as suas ideias.
Sobre a primeira, tudo indica que o tempo dará razão a Louçã. Um país lançado pelas medidas de austeridade que nos são impostas numa recessão prolongada (a expressão é do Banco de Portugal) não poderá pagar as dívidas que contraímos junto do FMI e ao BCE, com juros de agiotas (a expressão é de Bagão Félix). Louçã propõe uma auditoria a à divida (para onde foi o dinheiro?) e uma renegociação dos juros e dos prazos de pagamento. O contra-argumento de Portas (não pagar traria consequências económicas e sociais terríveis – “vejam o exemplo da Argentina”) parte de uma deturpação grosseira das propostas de Louçã. Não se trata de “não pagar” mas, pelo contrário, de criar condições favoráveis a um crescimento económico que permita que a dívida seja paga. De outra forma, dentro de três anos, estaremos a negociar um novo empréstimo e a aceitar novas e cada vez mais gravosas medidas de austeridade. O exemplo para o qual importa olhar não é o da Argentina, mas o da Grécia.
A questão do combate ao desemprego foi colocada por Portas desta maneira: mais vale um contrato a prazo que um trabalho pago a troco de recibos verdes e mais vale isto que o desemprego. Para os mais de 70 milhões de portugueses desempregados, isto pode parecer sensato. Simplesmente, acontece que os termos do acordo com a troika (que Portas assinou) lançará a economia numa profunda recessão, o que significa mais falências e mais desemprego (as previsões do Banco de Portugal apontam para a possibilidade de se chegar a 1 milhão de desempregados antes de 2013). E, sendo assim, a única forma eficaz de combater o desemprego é relançar o crescimento económico. Louçã apresentou, nesse sentido, propostas de investimento público nas áreas dos serviços sociais, das energias alternativas e na reablitação urbana. Portas apelou ao apoio às PME’s e referiu uma reivindicação apoiada por muitos empresários: o IVA não deveria ser pago no momento em que é passada a factura, mas quando se verifica o pagamento do serviço prestado. Quanto à precarização geral das relações laborais (implícita na ideia do despedimento por “inadaptação”, presente no memorando da troika, subscrito por Paulo Portas), ela terá como única consequência uma descida dos salários e um aumento das ameaças que pendem já sobre todos os trabalhadores ousem levantar-se em defesa dos seus interesses. Em termos eleitorais, é possível que os argumentos de Portas tenham eco junto de muitos eleitores desempregados, dispostos a tudo sacrificar em nome de um “desenrascanço” imediato. Entretanto, a perspectiva terrível do desemprego continuará a pesar como uma condenação para muitas centenas de milhar de pessoas A argumentação de Louçã não apela ao desespero, mas à inteligência. Sinceramente, não sei o que é que falará mais alto.
Por fim a questão da pobreza, que afecta já mais de dois milhões de pessoas: desempregados sem direito a qualquer subsídio (e são já mais de metade), mas também jovens com contratos precários, com salários tão baixos que não lhes permitem viver uma vida independente e, sobretudo, reformados, que, depois de uma vida de trabalho, recebem pensões miseráveis. Nesta matéria, Paulo Portas quis convencer-nos que foi a sua intervenção junto da troika que evitou o congelamento das reformas mais baixas que o PEC IV previa. Tenho dúvidas que a influência de Portas chegue a tanto, mas se assim é, então deve ser responsabilizado por ter aceitado o congelamento das pensões acima de 500 euros (quando a inflação está a 4%) e o corte das pensões de1500 euros, que Louçã considera inaceitáveis. Eleitoralmente, Portas sempre quis cativar o voto dos “velhinhos”. Estamos habituados a ver, nos períodos eleitorais, as suas peregrinações pelos lares de 3ª idade. Louçã afirmou que, nestas eleições apelava também ao voto no BE daqueles que têm votado no CDS e no PCP. Veremos se as suas palavras vão encontrar algum eco num eleitorado tradicionalmente conservador.
Portas voltou também à carga com a velha questão dos mandriões que vivem à custa do RSI, propondo que esse rendimento passasse a ser pago em vales de compras. Os beneficiários do RSI recebem, em média, 80 euros. Portas tem medo que os esbanjem em futilidades. Louçã considerou que o pagamento de RSI em vales de compras seria um estigma social que penalizaria na sua dignidade essas pessoas e recordou que a legislação que se encontra em vigor visando prevenir eventuais situações fraudulentas relacionadas com o RSI foi aprovado por um governo que tinha Paulo Portas como ministro. E não deixou de referir que, em última análise, as fraudes que importa combater não são as de 80 euros, mas aquelas que subtraiam ao fisco muitos milhões. Enfim, no que ao RSI se refere, Portas apela à desconfiança e à inveja, Louçã à compreensão e à solidariedade. Os resultados eleitorais dir-nos-ão a que é que os portugueses são mais sensíveis.
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