sábado, 5 de dezembro de 2009

Isaiah Berlin sobre a liberdade

No último post que publiquei aqui (Democracia pebiscitária ou ditadura da maioria?) afirmava que a regra democrática da maioria deve estar limitada pela defesa da autonomia da vida privada em face da autoridade dos poderes públicos. Entendia por “vida privada” aquela esfera de actividades que, sendo relevantes dum ponto de vista individual, afectam minimamente a vida dos outros e dava como exemplo o casamento entre homossexuais.

Por associação de ideias, isso levou-me a recordar as reflexões de Isaiah Berlin acerca da liberdade. A questão, clássica no âmbito da filosofia política, põe-se assim: Onde começa e acaba a minha liberdade como cidadão? Quem pode limitá-la e em nome de quê?

Berlin, que publicou a sua obra Two Concepts of Liberty num contexto de afirmação do nazismo e do estalinismo, assume-se como um liberal e, portanto, considera a liberdade um valor acima de qualquer outro. Reflectindo sobre o seu significado, distingue entre “liberdade negativa” e “liberdade positiva”.

A liberdade negativa, que Berlin considera como fundamental, resulta da não interferência dos outros na nossa área de acção individual, de forma que a nossa liberdade será tanto maior quanto mais bem defendida estiver a nossa privacidade da intervenção dos poderes públicos. Ela confere-nos o direito de decidir aquilo que nos parece ser melhor para nós mesmos.

A liberdade positiva resulta da vontade de controlar a nossa própria vida. Mas essa possibilidade, para os seus defensores, implica que sejamos capazes de dominar os nossos desejos primários para podermos elevá-los a um superior plano de racionalidade. Ora, aquilo que Berlin teme é que essa superação se faça pela subjugação daquilo que pensamos ser os nossos próprios interesses a uma definição de interesse colectivo que alguém dotado de poder afirmaria como condição da realização dos interesses de cada um. A aceitação dessa premissa poderia justificar práticas coercivas inaceitáveis. Ou seja, traduzir-se-iam, de facto, numa limitação da “liberdade negativa”.

Quando admitimos a possibilidade de referendar o casamento gay, estamos a considerar que podem existir valores mais “elevados”, socialmente assumidos, que se sobrepõem ao simples desejo dum casal homossexual querer contrair matrimónio. E não deixa de ser curioso que essa possibilidade seja admitida por muitos daqueles que se afirmam liberais defendendo, no plano económico, um mínimo de constrangimentos para a iniciativa privada. Verifica-se facilmente que o liberalismo económico nem sempre encontra correspondência com o liberalismo no plano dos costumes…

Pela minha parte, encontro-me na posição inversa: sou liberal quando se trata de minaretes ou do casamento homossexual, mas não defendo o “Estado mínimo” no plano da economia.

E isto porque me parece fundamental estabelecer uma distinção entre a liberdade de fazer algo e a liberdade para fazê-lo. Em sociedades onde desigualdades económicas e sociais mais ou menos profundas condicionam a existência individual desde o nascimento, só o Estado pode garantir a todos as condições básicas necessárias à realização dos seus desejos e ambições. Se não o fizer, a liberdade negativa exaltada por Berlin fica facilmente reduzida a um direito puramente formal. Ou, para citar Fassbinder, ao “direito do mais forte à liberdade”.

1 comentário:

  1. Olá; boa tarde.Partilho do seu ponto de vista.O meu lema é " vive e deixa viver" desde que,efectivamente, a minha liberdade não interfira com a dos outros, nem vice-versa.Também concordo com a sua opinião sobre a esfera económica. Sobre os casamentos gay tenho a mesma opinião, pois o casamento é um contrato entre duas pessoas. Tenho uma filha que casou faz agora um ano, tendo o casamento "católico" sido celebrado no Cabaré Maxime, aqui em Lisboa, e o "padre" foi o Manuel João Vieira, dos Ena Pá dois mil.Veja bem o valor que a isso atribuimos.O que valeu foi a festa.Houve quem não gostasse,paciência. Mas ninguém nos proibiu de fazer-mos o que gostámos, também não gosto que proibam os outros de fazerem o que gostam. Um abraço.
    Veríssimo

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