José Saramago
Caim
Caminho, 2009.
Apetece-me começar como Rui Tavares na sua crónica publicada no Público de 28 de Outubro: “Chego à polémica sobre o novo livro de José Saramago com mais de uma semana de atraso. Espero que me perdoem. Aproveitei para ler o livro” – salvo o meu atraso ser maior, revejo-me perfeitamente na ironia.
Pôr alguém, Caim, a interpelar directa e asperamente Deus – e sabe-se que Saramago diz, e creio-o, não ser um homem de fé – é ir mais além que a maioria de crentes, mais ou menos ortodoxos, mais ou menos praticantes, de todas as missas domingueiras, esponjas sôfregas de todo o que lhe servem numa atitude passiva, acrítica e por isso irreflectida. Atitude não poucas vezes infundada porque, estou convencido, nunca leram a Bíblia ou qualquer outro texto sagrado (leia-se religioso) e não têm interesse ou curiosidade em o fazer. E não é possível reflectir sobre o que não se conhece, sobre o que não se leu. Sabemos que Saramago leu-os.
Quase duas décadas após a provocação de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (Caminho, 1991), num clima de grande controvérsia e forte contestação às suas críticas à Bíblia, e à religião de uma forma mais lata, voltamos a assistir ao desfilar de beatos da nossa paróquia a falarem do que não sabem porque não leram. E a fazerem gáudio disso, sem vergonha na cara, sem outro a-propósito a não ser a auto-promoção, os 5 segundos de TV (porque para os 15 m de fama é preciso algo mais), o grudar, eles sim, à publicidade gratuita de um prémio Nobel que não percebem nem merecem.
A este que vos escreve nunca passaria pela cabeça afirmar sobre um livro, ou o que quer que seja: “não não li, nem o vou ler, nem preciso fazê-lo para ter opinião”. Não sei quem disse que a ignorância pode ser uma bênção, mas é certamente muito mais sábio que eu, pois a mim escapa-me completamente. Uma coisa percebo: a esta gente, seja Secretário de Estado ou Deputado Europeu, não falta desfaçatez.
Só há um país no mundo que tem um Saramago, esse país é o meu. E o dele. E é uma sorte, porque de mérito estamos falados.
Quanto ao livro, leiam-no. É provocador. Parece-me que esta histeria, este berreiro, esta irracionalidade deriva mais da autoria que o livro tem, que ao seu conteúdo.
É este ódio de estimação que arrasa à partida que mais me deixa perplexo e assusta.
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