segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Cimeira de Copenhaga

A Cimeira de Copenhaga entra hoje na sua fase final. Poucos terão dúvidas acerca da importância daquilo que está em jogo. Mas, apesar das consequências do aquecimento global nos atingirem a todos, apesar de um eventual fracasso só deixar lugar para vencidos, nem por isso os principais responsáveis pela situação existente parecem ter desistido de regatear a factura daquilo que poderia ser um primeiro passo para uma solução. Somos como um doente que, às portas da morte, discute o preço do medicamento que o poderá salvar.

Não quero antecipar cenários. Veremos como decorrerão estes últimos dias. Entretanto, descubro entre os meus apontamentos um texto, escrito há anos e nunca publicado. Faço-o agora, admitindo que possa contribuir para um debate cujos contornos políticos e ideológicos são inevitáveis.


ECONOMIA, ECOLOGIA E SOCIALISMO

"Não é da benevolência do talhante que esperamos o nosso jantar, mas da sua consideração do interesse próprio”. A conhecida afirmação colhida da Riqueza das Nações resume as ideias de Adam Smith acerca da inexistência de uma contradição entre o interesse privado e o interesse público.

O interesse particular do empresário fá-lo querer obter lucros e acumular riqueza, mas isso só é possível na medida em que há uma grande procura daquilo que produz. E esse facto implica a condição desses produtos superarem os da concorrência pela sua qualidade e/ou preço. Assim, da conjugação da iniciativa privada com o mercado resultaria o desenvolvimento da produção e a satisfação das necessidades colectivas.

Mas Adam Smith vai mais longe. Considera ele que o aumento da produção cria um quantitativo de riqueza que excede de longe as capacidades de consumo dos empresários, acabando por ser, em grande parte, distribuída pela população em geral. De tal forma que, afirma, um pobre de um país industrializado dispõe de um nível de vida que um chefe de uma tribo africana não tem.

Portanto, e em conclusão, o enriquecimento da burguesia acabaria por se traduzir em benefício do povo.

Como se sabe, Marx denunciou a falsidade desta visão idílica do liberalismo. Neste momento, porém, não está nas nossas intenções proceder à análise das suas teses acerca da queda tendencial da taxa de lucro, da progressiva pauperização da classe operária ou do mecanismo das crises de superprodução. Bastar-nos-á constatar que, mesmo nos países economicamente mais desenvolvidos, como é o caso dos EUA, continuam a haver bolsas de pobreza extrema.

A questão que aqui gostaríamos de pôr é a de saber se as concepções de Adam Smith se aplicam à escala das relações entre diferentes países e regiões do mundo. Ou seja: se o enriquecimento dos países mais industrializados arrasta necessariamente consigo o dos países em vias de desenvolvimento, beneficiando os seus povos.

Hoje parece indesmentível que tal facto não acontece: o enriquecimento dos primeiros, não só não favorece o enriquecimento dos mais pobres, como implica a permanência dos países em via do terceiro mundo em níveis de pobreza inaceitáveis, sob pena de ocorrer uma catástrofe ecológica de proporções extraordinariamente gravosas.

Isto é assim porque existem limites ao crescimento económico impostos pela defesa do equilíbrio ecológico. Aquilo que Adam Smith não teve em conta foi que os recursos naturais são limitados, assim como são limitadas as capacidades do planeta e da atmosfera que o envolve para suportar os lixos decorrentes da produção e consumo de mercadorias.

Acontece que tais limites se encontram já ultrapassados. E isso acontece num momento em que grande parte da humanidade dificilmente é capaz de aceder a bens cujo usufruto se tornou vulgar nos países industrializados. Pergunta-se: o que ocorreria se, na China ou na Índia, países onde vive mais de um terço da população mundial, se aí a percentagem de automóveis por habitante fosse igual à dos Estados Unidos?

É certamente necessário mudar hábitos de vida e de consumo. Mas não é defensável que, em nome da defesa do ambiente, grande parte da população deva ser mantida no subdesenvolvimento para que uma minoria possa manter, no essencial, os seus padrões de vida actuais. O egoísmo dos mais ricos não é compatível, como pretendia Adam Smith, com o interesse dos mais pobres.

Por outro lado, as capacidades produtivas alcançadas são suficientes para garantir a todos, condições de vida satisfatórias. O fim da pobreza não é impossível. Apenas não é resolúvel em termos de um crescimento insustentável, mas de racionalidade económica e distribuição equitativa da riqueza.

Contudo, isto não depende da iniciativa privada e da intervenção do mercado. Exige uma política socialista. Ou seja, uma política onde, quer no plano da produção como no do consumo, se subordinam os interesses privados aos interesses colectivos.

1 comentário:

  1. "Mas não é defensável que, em nome da defesa do ambiente, grande parte da população deva ser mantida no subdesenvolvimento para que uma minoria possa manter, no essencial, os seus padrões de vida actuais. O egoísmo dos mais ricos não é compatível, como pretendia Adam Smith, com o interesse dos mais pobres."

    - Os países pobres têm de ter mínimos de poluição mais altos do que aqueles que colocaram o Planeta neste estado.

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