quinta-feira, 1 de março de 2012

Direitos fundamentais e direitos adquiridos (2)

Alguns daqueles direitos que actualmente consideramos adquiridos, por exemplo, o da igualdade de todos os homens perante a lei, foram ignorados durante grande parte da história da humanidade. Por outro lado, hoje negamos o direito de possuir escravos, outrora considerado como um direito natural.

Há, portanto, uma história dos direitos humanos e parece-me útil seguir-lhe os seus passos, nomeadamente ao longo da época contemporânea, quando hoje se põe em causa a continuidade dos direitos adquiridos ao longo destes últimos dois séculos.

A Revolução Americana de 1755 e a Revolução Francesa de 1789, instituíram como um direito fundamental o direito à liberdade individual, ou seja, o direito de cada um fazer as opções que considere melhor servir os seus interesses, com a única reserva de, desta forma, não violar o direito dos outros de agir da mesma maneira. Tratava-se, antes de mais, de proteger a esfera do privado, tanto na actividade económica como na vida social, de qualquer intromissão abusiva dos poderes públicos.

O Estado, por sua vez, deixou de ser o instrumento do poder mais ou menos arbitrário de um Senhor que o detinha pela força ou por direito hereditário, mas passou a encontrar-se obrigado ao cumprimento das leis aprovadas por uma Assembleia que representava a nação.

Note-se que a consagração das liberdades individuais e do governo da lei não implicou sempre a democracia. Durante muito tempo, o liberalismo conviveu com o voto censitário (ou seja, o direito de eleger e de ser eleito estava reservado aos proprietários ou aos detentores de um certo nível de rendimentos), com a recusa do direito ao voto das mulheres e até mesmo com a escravatura.

Entretanto, em muitos Estados, o sufrágio universal tornou-se também um direito adquirido. Mais tarde, compreendeu-se que o direito à liberdade e à democracia, não passavam de direitos formais, enquanto sobrevivessem profundas desigualdades sociais. Sem possibilidades de estudar, tanto pelo facto de não possuírem capacidade económica para frequentar os estabelecimentos de ensino, como por não desfrutarem do tempo de lazer necessário ao estudo, a maior parte da população estava condenada à ignorância e, portanto, mostrava-se numa situação de desigualdade de facto diante das classes com maior poder económico.

Se a realização plena da liberdade individual implicava a democracia, permitindo a cada um participar activamente na definição do contrato social que regulava o funcionamento da sociedade, esta teria que pressupor uma efectiva igualdade de oportunidades, ou seja, a possibilidade de todos poderem desenvolver as suas potencialidades, sem ficarem constrangidos pela condição social da família onde nasceram.

Quando hoje falamos de direitos fundamentais, não podemos restringi-los aos direitos políticos (liberdade de informação, de opinião, de associação, de eleição e fiscalização dos governantes), mas temos que os alargar ao conjunto de direitos económicos e sociais que, garantem a todos as condições efectivas do exercício dessas liberdades básicas. Ou seja, trata-se dos direitos que nos permitem ir além de uma concepção de “liberdade negativa” (a liberdade de rejeitar imposições que violem a nossa autonomia), para nos oferecerem uma possibilidade real de cumprirmos as nossas aspirações, sem sermos disso impedidos por condicionalismos pelos quais não somos eticamente responsáveis.

Consideramos fundamentais o direito à educação, o direito ao trabalho e ao lazer, o direito à habitação, o direito à reforma, o direito à saúde, o direito à protecção social em situação de desemprego ou de doença. Ou seja, o direito de todos, independentemente da sua condição económica e social, a uma vida digna, mesmo numa situação de infortúnio.

Quando nos dizem que há “direitos adquiridos” de que temos de abdicar em nome da modernidade, estão a referir-se precisamente a estes direitos económicos e sociais, na ausência dos quais a pobreza se torna uma maldição transmitida de geração em geração, como uma doença hereditária. No fundo, em nome da modernização, aquilo que os defensores da falência dos direitos adquiridos nos oferecem é uma condição política onde a liberdade não é mais do que um artigo de luxo, reservado àqueles que têm meios para o adquirir, e a democracia se reduz ao direito dos oprimidos escolherem, periodicamente, os seus carrascos.

Nos nossos dias, a questão da validade e da actualidade dos direitos adquiridos pelos trabalhadores ao longo de muitos anos de luta divide claramente a direita e a esquerda. A direita libertária quer reduzir os direitos fundamentais aos termos da liberdade individual e consideram mesmo que a defesa da igualdade, na medida em que implica uma intervenção do Estado no plano da redistribuição dos rendimentos, é necessariamente atentatória dessa mesma liberdade, uma vez que implicaria a expropriação forçada de parte dos frutos do trabalho de cada um. A esquerda, pelo contrário, considera que a igualdade é uma condição necessária do exercício pleno e efectivo dessa mesma liberdade individual.

Neste sentido, o programa da direita consiste na redução dos direitos adquiridos, enquanto o programa da esquerda se baseia na sua defesa e alargamento. O capitalismo liberal significa a restrição dos direitos sociais, o socialismo terá que resultar do aprofundamento da democracia pela sua valorização.

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