Quase meio século de salazarismo deixou marcas visíveis nas mentalidades e na cultura política dos portugueses, que mais de três décadas de vida democrática não conseguiram ainda apagar. Nomeadamente, a ideia de que somos um povo incapaz de escolhas democráticas, restando-nos a esperança de um “salvador”, dotado de plenos poderes, que se substitua ao povo e “meta isto na ordem”.
É espantoso (ou não, dado o seu currículo político…) que Otelo Saraiva de Carvalho, que foi um dos chefes operacionais do 25 de Abril, venha agora defender soluções semelhantes.
Tem-no repetido por mais de uma vez. A última foi numa palestra que proferiu no Instituto de Contabilidade e Administração de Coimbra. No seu entender, a situação em que se encontra Portugal justifica “uma operação militar que derrube o governo que está em funções”. Não importa que esse governo tenha resultado de eleições democráticas. A opinião dos eleitores pouco lhe interessa. Os fiéis depositários do “interesse nacional” são meia dúzia de generais (ou xicos de outras patentes…) que ninguém elegeu, que ninguém conhece, mas que Otelo saberá com certeza quem são.
De facto, aquilo que nos propõe não é apenas o derrube do governo, mas o derrube da democracia representativa. É claro que isso significaria, necessariamente, a nossa saída da União Europeia. De novo, “orgulhosamente sós” mas, desta vez, sem colónias e sob a alçada da tropa.
É possível que nos seus sonhos mais loucos Otelo se imagine como uma espécie de Hugo Chávez da Europa…É claro que lhe falta o petróleo e, além disso, não tem meios que lhe permitam promover golpe de Estado nenhum.
Contudo, estas fantasias são como gasolina lançada na fogueira dos sentimentos anti-democráticos que despertam sempre nos momentos de crise. Quando Otelo apela a um “novo 25 de Abril”, haverá muita gente que sonha com um “novo 28 de Maio” que esfrega as mãos de contente.
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