domingo, 4 de março de 2012

A propósito de “A Morte de Danton”, de Georg Büchner

Sabemos como começa uma revolução, nunca sabemos como é que ela acaba. Pois bem, segundo Büchner, termina com a morte dos revolucionários. A revolução, tal como Saturno, devora os seus filhos.

O fantasma da morte está omnipresente em cada acto da sua peça. A condenação à morte dos reis, os massacres de Setembro, a instituição do tribunal Revolucionário, o Terror, a morte de Danton, de Desmoulins e dos “indulgentes”… E, por fim, não está lá, mas nós sabemos (e Büchner sabe que nós sabemos), a lâmina da guilhotina cai, tal como cai o grande lençol vermelho sobre o palco, no final da peça, sobre Robespierre e Saint-Juste.

A revolução triunfa aniquilando os seus inimigos. E, ao tempo, já tinham passado pela guilhotina os monárquicos e os herbetistas, os conservadores mais reaccionários e os radicais mais extremistas. Tinha chegado a hora daqueles que defendiam o fim do terror e a clemência. Contra os “indulgentes”, Robespierre proclama: “Quem me segurar o braço quando eu tirar a espada é meu inimigo, qualquer que seja a sua intenção, quem me impede de me defender mata-me, tal como se me tivesse atacado”.

Para o apóstolo da revolução, “a arma da República é o terror, a força da República, a virtude. A virtude porque sem ela é funesto o terror; o terror porque sem ele a virtude é impotente. O terror é uma emancipação da virtude, é a justiça inexorável, firme rápida. Dizem que o terror é a arma de um governo despótico: e que assim o nosso se assemelha ao despotismo. Sim, é verdade. Como a espada na mão de um herói da liberdade se assemelha ao sabre nas mãos de um tirano”.

Para que a revolução se possa cumprir todos os seus inimigos têm de ser aniquilados. Mas com eles é o respeito pelas liberdades individuais, o direito à diferença, que perecem. E, então, rapidamente, os carrascos de hoje se podem tornar nas vítimas de amanhã. A “razão revolucionária” tudo autoriza e o critério revolucionário da razão passa a ser, em última análise, o critério da força: a crítica das armas toma o lugar da arma da crítica.

Danton ama a vida e os prazeres sensuais. É um revolucionário, amado pelo povo, que num dado momento se detém, horrorizado, diante do espectáculo sangrento das cabeças decepadas. Torna-se num obstáculo que é necessário eliminar para que a máquina mortífera que ele próprio ajudou a construir possa prosseguir o seu trabalho.

Robespierre, “ o incorruptível”, é um santo e um asceta. Alguém que está disposto a tudo sacrificar no altar da Revolução. Sacrifica-se as si mesmo e revê-se na figura de Cristo quando, em nome do povo, condena à morte os seus amigos mais íntimos: “Meu Camille! Todos se afastam de mim… Está frio e deserto… e eu estou só”.

Bruchner escreveu a “ A Morte de Danton” em 1835. O pano de fundo é o da Revolução Francesa. Mas, nos nossos dias, não é possível ler a sua peça sem pensar na Revolução de Outubro. À aventura revolucionária, segue-se a instalação de uma nova ordem. E, uma vez liquidadas as liberdades e os direitos, quem triunfa não são os jacobinos, mas Napoleão; não são os bolchevistas, mas Estaline.

Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos ofereceram-nos, ontem em Guimarães um excelente espectáculo. No entanto, pareceu-me fria a recepção do público. Talvez a sobriedade do espaço cenográfico e a interpretação contida dos actores, a primazia dada ao belíssimo texto de Büchner, não tivesse cativado um público mais predisposto a deixar-se embebedar por belas imagens e vertigens emocionais, do que a reflectir sobre a beleza da palavra e a justeza das ideias.

Uma nota final: Bilhetes esgotados e muitas dezenas de cadeiras desocupadas. Como de costume.

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