sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Na Alemanha, algo de novo...

A relação de forças e a paisagem política que se observava na Alemanha ficou bastante alterada depois das eleições estaduais recentemente realizadas. A CDU perdeu a maioria absoluta com que governava no Sarre e na Turíngia e apenas conservará o poder na Saxónia, onde deverá coligar-se com o FDP. O SPD só ganhou votos na Turíngia, tendo descido no Sarre e mantido a sua votação na Saxónia. O Die Linke (A Esquerda) sai muito reforçado destas eleições, com votações acima dos 20% (21% no Sarre, 20,5% na Saxónia e 26% na Turíngia) e deverá formar governo coligado ao SPD e aos Verdes, no Sarre, e com o SPD, na Turíngia. Recorda-se que o governo da cidade-estado de Berlim resulta já de uma coligação SPD/Die Linke.

O que é o Die Linke?

O Die Linke é um partido fundado em 2007 a partir da fusão do PDS com o WASG. O PDS (Partido do Socialismo Democrático) foi formado, depois da queda do Muro de Berlim, em grande parte por ex-militantes do SED (Partido Socialista Unificado) que detinha o poder na RDA, ao qual vieram a aderir posteriormente outras pequenas organizações de esquerda fundadas na Alemanha ocidental. O WASG (Alternativa Eleitoral para o Trabalho e a Justiça Social) foi formado principalmente por sindicalistas e ex-militantes do SPD. Ou seja, é um partido que nasceu do reconhecimento do falhanço do “socialismo real” e da recusa da deriva neoliberal duma social-democracia conquistada pela “terceira via”. O Die Linke afirma-se na defesa do socialismo e da democracia. Após a sua fundação, tem vindo a crescer rapidamente, obtendo 8,7% dos votos nas últimas eleições federais e contando com 53 deputados no Bundestag. No plano europeu integra, tal como o Bloco de Esquerda, o Partido das Esquerdas Europeias e, no Parlamento Europeu o GUE/NGE (Grupo Unitário da Esquerda/Esquerda Nórdica Verde). Actualmente, tem uma presidência bicéfala formada por Oskar Lafontaine (ex-dirigente do SPD) e Lothar Bisky (ex-dirigente do PDS).

Com 76 139 membros (dados oficiais de Setembro de 2008), o Die Linke é já um partido de massas e, ao mesmo tempo, dada a grande diversidade de correntes político-ideológicas que o integram (ver a este propósito Die Linke, Wikipédia), um verdadeiro laboratório do pensamento da esquerda contemporânea.

Quais são as suas posições políticas fundamentais? (Para responder, vou basear-me fundamentalmente na série de artigos sobre o Die Linke e a situação política alemã que têm vindo a ser publicados por um português residente na Alemanha, João Alexandrino Fernandes, no Esquerda.net, nos últimos meses, e no discurso de Oskar Lafontaine na reunião dos dissidentes do Partido Socialista Francês que viriam a fundar o Parti de Gauche.)

Formado em parte por ex-militantes do PSU (de facto, 5% dos militantes do PSU integraram o PDS, enquanto que os restantes ou se filiaram noutros partidos, ou se afastaram da actividade política), o Die Linke sentiu ser necessário esclarecer de forma inequívoca a sua posição acerca da RDA que considerou como um projecto político falhado. Denunciou a injustiça da política e do sistema, a desconfiança sistemática da direcção política em relação ao próprio povo, a falta ostensiva de democracia e de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e a deficiente capacidade do sistema económico para satisfazer as necessidades de consumo da população.

Por outro lado, demarcou-se da deriva neoliberal do governo SPD/Verdes, liderado pelo social-democrata Gerhard Schröder e encontra-se actualmente na oposição ao governo do bloco central CDU/SPD.

Exige o aumento das prestações sociais, maior duração no pagamento do subsídio de desemprego, a introdução de um salário mínimo, a partir de um valor também mínimo de 8 euros/hora de trabalho, a ser rapidamente aumentado para 10 euros.

Defende a qualificação do trabalho, entendendo que este objectivo só pode ser atingido mediante o pagamento de bons salários, da possibilidade de os trabalhadores participarem nas decisões das empresas, da segurança no trabalho, de sindicatos fortes e de condições de higiene.

Exige solidariedade na saúde, a obter mediante a introdução de um seguro de saúde social, abrangendo tratamentos amplos para todos.

Defende o desenvolvimento do seguro de pensões legal, de forma a garantir não só a sobrevivência na velhice, mas também a manutenção do nível de vida.

Exige justiça fiscal, a conseguir através da elevação das taxas de imposto dos escalões superiores, da reforma do imposto sobre as sucessões e da reintrodução do imposto sobre fortunas.

Em matéria de alterações ao clima, exige a redução da emissão de gases prejudiciais na Alemanha em 40% até ao ano 2020 e em 90% até meio do século, tendo em ambos os casos por relação os valores de 1990. Pretende que a Alemanha realize a transição para as energias renováveis e que ao mesmo tempo poupe mais no consumo energético. O Die Linke é contra a construção de novas centrais de energia a carvão e a favor da transição para a energia solar, como forma de protecção global do ambiente e da redução da dependência da importação de petróleo e de gás. Estas medidas permitem fomentar o desenvolvimento económico regional e a criação de postos de trabalho. Entende ainda que um papel precursor da Alemanha nestas matérias daria um novo impulso às negociações climáticas paradas no seio da ONU e deveria estar na origem do um acordo que venha a suceder ao protocolo de Kyoto. E acima de tudo, compreende uma protecção climática consequente como um acto de solidariedade internacional com a parte da humanidade mais atingida pelas alterações ao clima.

Em matéria de política externa, luta pelo desarmamento. Entende que a Alemanha e a Europa devem renunciar ao desenvolvimento e produção de armas ofensivas. Defende a proibição de exportações de armamento, o fim do estacionamento de armas nucleares na Alemanha, a recusa da Alemanha em participar na espiral da corrida aos armamentos e no estabelecimento de sistemas de defesa antí-mísseis na Europa de acordo com os planos dos USA, o desarmamento mundial e a proibição das armas de destruição massivas e critica a intervenção militar da Alemanha no Afeganistão.

Que perspectivas se abrem à esquerda alemã na sequência das próximas eleições federais?

Uma sondagem recentemente divulgada pela Agência Lusa atribuía à CDU/CSU 36% dos votos, 14% ao FDP, 22% ao SPD, 12% aos Verdes e 10% ao Die Linke. É provável que o actual governo CDU/SPD da chanceler Ângela Merckl venha a ser substituído por um outro formado com base numa aliança CDU/FDP. O “bloco central” deverá dar lugar a uma aliança da direita. A possibilidade de construção duma futura alternativa de esquerda que inclua o Die Linke tem sido rejeitada pelo SPD. Veremos o que nos trará o futuro. Mas é bem possível que, no que se refere à recomposição da esquerda, interessantes novidades nos venham a surgir da Alemanha.

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