As propostas do Bloco para uma maior justiça fiscal (III)
Reformas, PPR’s e benefícios fiscais
O que diz a lei actualmente em vigor? Os contribuintes podem deduzir em sede de IRS 20% do capital investido num ano num PPR. O limite máximo dedutível varia com a idade. Para pessoas até 35 anos, a dedução máxima é de 400 euros, entre os 35 e os 50 anos é de 350 euros e com mais de 50 anos é de 300 euros.
Portanto, no caso do exemplo intermédio, quem quisesse poupar 350 euros em impostos, teria que adquirir um PPR no valor de 1750 euros. O que é que o banco vai fazer com esse dinheiro? Vai investi-lo em obrigações e em acções. Segundo o Jornal de Negócios (5 de Janeiro de 2009), em 2008, a descida do valor das acções cotadas em bolsa traduziu-se numa desvalorização média do capital investido em PPR’s em cerca de 10%. Ou seja, grande parte daquilo que se poupou em deduções fiscais foi perdido na roleta do casino bolsista.
Seja como for, estas considerações respeitam apenas àqueles que dispõem da possibilidade de acumular poupanças razoáveis no fim de cada ano e pouco importarão a quem tenha um vencimento próximo do ordenado médio nacional que, recordo, é de 887.50 euros. Estes teriam que poupar a totalidade do subsídio de férias e do 13º mês para adquirir um PPR de rentabilidade, no mínimo, duvidosa. De facto, a política de deduções fiscais sobre investimentos em PPR’s dirige-se ao sector mais bem pago dos trabalhadores por conta de outrem e das profissões liberais mais bem remuneradas e ignora as necessidades da grande maioria dos portugueses.
E aqui entramos no campo das opções políticas. Quando descontamos para a Caixa Geral de Aposentações, estamos a apostar numa política de solidariedade geracional e de redistribuição da riqueza: aqueles que hoje trabalham estão a pagar as pensões dos que trabalharam antes deles; os descontos dos que têm rendimentos mais altos revertem em parte a favor de quem toda a vida ganhou mal. Quando se defende que as nossas poupanças devem ser aplicadas em PPR’s está a fazer-se um apelo ao egoísmo dos mais ricos que consideram apenas as vantagens particulares que daí poderão obter.
Os dois sistemas poderão ser conjugados? A longo prazo parecem-me contraditórios. Cito: “Os rendimentos dos dois sistemas não se adicionam. Com efeito, um bom rendimento de um fundo colocado em obrigações supõe taxas de juros reais elevadas, o que é contrário ao crescimento e, portanto, ao emprego. No caso de um fundo comum colocado em acções, um bom rendimento supõe a compressão máxima da massa salarial. Nos dois casos, seriam os recursos do sistema de repartição a ser afectados” (Pierre Khalfa “A propósito da repartição dos rendimentos. O futuro das reformas”, in ATTAC, Uma Economia ao Serviço do Homem. Lisboa: Fim de Século, 2002) . Ou seja, o conjunto dos descontos para a CGA diminuiria e, com eles, diminuiriam as reformas de todos aqueles cujos rendimentos não lhes permitem subscrever PPR’s.
Em conclusão. Na medida em que todos os benefícios fiscais se traduzirão necessariamente numa redução das verbas disponíveis para o financiamento dos serviços públicos e das reformas, a sua defesa implicará sempre serviços públicos de menor qualidade e reformas mais baixas. Em troca, beneficiarão de eventuais vantagens aqueles que detêm maiores rendimentos e que, portanto, podem pagar serviços privados e investir em sistemas de reforma particulares. Uma justa política de redistribuição implica precisamente o contrário: as contribuições fiscais dos mais ricos devem permitir uma melhoria da qualidade de vida dos mais pobres.
Diga-se, em abono da verdade, que o Bloco de Esquerda, ao criticar a política de benefícios fiscais em vigor, não inventou nada de novo. Aquilo que propõe está de acordo com a melhor tradição social-democrata dos países do norte da Europa. É claro que, para o “socialista” José Sócrates, Olaf Palme deve ter sido um perigoso extremista.
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