quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Les bonbons (1ª e 2ª versão)

C'est vrai que Germaine elle est cruel
Ça vous avez mille fois raison.

Mas, e se lhe oferecêssemos bombons?



Enfim, talvez não resulte. As técnicas de engate mudaram tanto de há 50 anos para cá... Aliás, já então... Je viens rechercher mes bonbons.



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Que Orçamento de Estado para 2011?

A discussão do OGE para 2011, que ainda não foi apresentado, tem dominado o debate político das últimas semanas.

Passos Coelho põe duas condições para o aprovar: não pode haver uma nova subida de impostos e são necessários mais cortes na despesa pública. Todos sentimos o peso da carga fiscal e todos temos conhecimento de muitos casos de desperdício de dinheiros públicos. Parece, portanto, ser uma proposta simpática, mas obrigar-nos a escolher entre mais impostos ou mais cortes na despesa pública coloca-nos perante um falso dilema.

Os mais ricos podem e devem pagar mais impostos. Aliás eximem-se muito facilmente a pagar aqueles a que estariam já obrigados pela legislação em vigor. Há deduções fiscais que põem todos os contribuintes a financiar o ensino privado e as clínicas particulares que são frequentadas apenas por aqueles que têm mais recursos. Seria bom pôr-lhes fim. E há investimento público positivo e necessário se pretendermos relançar a economia e combater o desemprego, embora concorde que, no contexto actual, o TGV não pode estar entre as nossas prioridades.

Por outro lado, o PEC II, aliás nascido dum acordo PS-PSD, atingiu fortemente os mais desfavorecidos quer no plano fiscal (com a subida do IVA, por ex.), quer nos no plano das prestações sociais (subsídio de desemprego, RSI, etc.) e é evidente que a redução da dívida pública não pode prosseguir por esse caminho. O agravamento das condições de vida da população portuguesa só pode atirar o país para a recessão económica, para o crescimento do desemprego, para a pobreza.

Não é possível ignorar que a dívida pública portuguesa continua a crescer e a meta dos 7,3% para 2010 apontada pelo PEC dificilmente será alcançada. A taxa do juro que pagamos sobre o financiamento externo bate recordes. Assoma o fantasma do incumprimento e quem nos empresta dinheiro está sobretudo preocupado com a possibilidade de não o poder reaver. O FMI está à porta.

Tanto no plano fiscal como no da redução da dívida pública há medidas urgentes que têm de ser tomadas. Mas nada disso nos permite escamotear que elas podem ser justas ou injustas, eficazes ou não. É sobre isto que o novo orçamento se tem de pronunciar. Agora, é Teixeira dos Santos quem tem a palavra. Aquilo que sabemos das opções tomadas no passado não nos deixa antever boas surpresas. E o facto do PSD ser, apesar das disputas mal-humoradas, o parceiro escolhido pelo governo para o viabilizar, também não.

Denunciar injustiças não chega. A esquerda só pode travar esta caminhada para o abismo se conquistar o apoio da opinião pública com propostas fundamentadas e viáveis no curto prazo. E só poderá defendê-las se souber criar as condições políticas necessárias à sua aplicação. O que é muito diferente de sonhar com situações ideais e ficar eternamente à espera de revoluções redentoras.

sábado, 11 de setembro de 2010

O pântano

Férias, problemas de saúde e uma razoável preguiça têm-me afastado da escrita. Além disso, a actualidade política portuguesa, que tem sido o assunto dominante deste blog, parece-me um tema cada vez menos motivador. Os problemas de hoje são os de ontem e os de há muito tempo atrás. Os dirigentes e os comentadores políticos repetem-se. As pessoas comuns parecem oscilar entre o conformismo e uma revolta surda e, no fim, ainda que sem entusiasmo nem esperança de dias melhores, preparam-se para votar nos do costume.

O último inquérito de opinião da Eurosondagem (1-7 de Setembro) exemplifica o que acabamos de afirmar:

PS – 36%, PSD – 35,8%, CDS/PP – 8,4%, CDU – 7,7%, BE – 7,1%.
Parece confirmar-se a ideia que, muito justamente, a opinião pública resolveu penalizar o PSD pelas suas propostas neoliberais de revisão constitucional. Quanto ao mais, tudo na mesma.

De resto se ninguém está satisfeito com o estado actual das coisas, também ninguém está disponível para abrir uma crise política da qual nada de substancialmente diferente sairia, a não ser, talvez, a penalização em termos de resultados eleitorais daqueles que ousem provocá-la. Aliás, entramos já nos últimos seis meses do mandato do PR que está, portanto, constitucionalmente impedido de dissolver a AR e convocar eleições.

Nestas circunstâncias, as disputas entre o PS e o PSD a propósito do Orçamento de Estado só podem ser desvalorizadas. É claro que Passos Coelho vai regatear até ao último minuto a abstenção do grupo parlamentar do PSD, tentando satisfazer minimamente os interesses do núcleo duro do seu eleitorado. Mas a Comissão Europeia não veria com bons olhos o chumbo do OGE, os nossos financiadores muito menos (será preciso recordar que o Estado se mantém à custa dos créditos obtidos lá fora?), Cavaco Silva já apelou a um entendimento e, em última análise, aquilo que vier a ser proposto decorrerá do PEC que o próprio PSD viabilizou.

O OGE será, portanto aprovado, a revisão constitucional não trará nada de novo, Sócrates continuará à frente do governo, a política imposta pelo PEC continuará a ditar as suas leis e, já agora, provavelmente, Cavaco Silva será reeleito. Entretanto, o desemprego bate recordes, a precariedade pesa como chumbo sobre os ombros dos jovens, a pobreza assenta arraiais. E muitos, como eu, esperam que surjam ideias novas que motivem o nascimento duma alternativa de esquerda.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Livros – apontamentos à margem

Carlos Brito, Álvaro Cunhal, Sete fôlegos do combatente. Memórias. Lisboa: Edições Nelson de Matos, 2010


A propósito do PCP, é habitual salientar-se a “coerência”. Geralmente entende-se por isso a fidelidade intransigente a uma ortodoxia marxista-leninista (definida a partir do exemplo do PCUS) que informa a linha do partido pelo menos desde os anos 30 do século passado. Álvaro Cunhal teve um papel determinante na configuração ideológica do Partido e nenhum dos seus actuais dirigentes ousa pôr em causa esse legado. Contudo, os tempos que vivemos são outros e das mesmas ideias podem resultar consequências muito diversas.

As memórias de Álvaro Cunhal de Carlos Brito são muito interessantes a diversos títulos. Entre outras questões, permitem-nos seguir, a partir da análise dum espectador privilegiado, a evolução do PCP nas últimas décadas. Na minha opinião, pode retirar-se do livro de Carlos Brito a tese de que Álvaro Cunhal pensou sempre o PCP, mesmo durante o Fascismo, como um partido vocacionado para a tomada e o exercício do poder. Todas as suas opções tácticas eram determinadas por esse objectivo final. Com Jerónimo de Sousa, o PCP transformou-se num partido de protesto, desprovido duma orientação estratégica que tenha como alvo os mesmos objectivos.

Entendo por “esquerda de protesto” uma esquerda que pratica a denúncia sistemática e a luta contra as injustiças sociais, mas que se encontra fora da área do poder e que, portanto, se vê impedida de levar à prática políticas alternativas àquelas que são adoptadas pelo sucessivos governos a que se opõe. O PCP encontra-se hoje numa situação de isolamento político que o confina a esta condição e não se descobre na sua prática nada que indicie uma estratégia que vise contrariar este estado de coisas. Pelo contrário, parece conformado com esta situação. À sua volta não encontra aliados possíveis, mas apenas inimigos a abater. No seu próprio seio, uma onda de saneamentos e perseguições deixou claro o sinal de que nenhuma intenção renovadora seria tolerada.

É uma situação nova na longa história do partido. Álvaro Cunhal procurou sempre as alianças possíveis que evitassem o seu isolamento e permitissem situá-lo na área do poder. A estratégia definida no Rumo à Vitória apontava neste sentido. Uma revolução democrática e nacional poria fim ao fascismo. O passo seguinte seria a instauração duma democracia avançada capaz de promover a nacionalização dos monopólios e a reforma agrária. Essa democracia não devia (nem podia) confinar-se aos moldes das democracias ocidentais, mas deveria promover a transição para uma sociedade socialista. Em cada uma destas etapas o PCP estabeleceria as alianças necessárias e dispunha-se a fazer as concessões indispensáveis para que elas se efectivassem, sem nunca perder de vista o objectivo final da revolução. A intervenção do PCP na sequência do 25 de Abril e do 11 de Março está perfeitamente de acordo com esta estratégia. À aliança de todas as forças democráticas, segue-se a ruptura com Spínola e, depois, com Sá Carneiro e com Mário Soares. O PREC deveria avançar apoiado na aliança Povo-MFA. Mesmo quando, após o 25 de Novembro, o sucesso desta estratégia foi posto em causa, o PCP tentou, como assinala Carlos Brito, uma reaproximação a Melo Antunes e ao Grupo dos Nove com vista à defesa de algumas das posições anteriormente conquistadas. Mais tarde, encara a formação do PRD de Ramalho Eanes como uma forma de quebrar uma ameaça de isolamento a que o votava a ruptura com Soares. E, dará um apoio discreto à candidatura de Zenha à Presidência da República. Era importante não deixar que o partido fosse “encostado à parede” para poder continuar a influenciar as decisões do poder e defender as “conquistas da revolução”.

Contudo, o PCP estava já remetido para uma posição defensiva. A hipótese revolucionária estava comprometida. Cunhal sabe que já não tem muitos anos de vida e o descalabro da URSS e o enfraquecimento e descaracterização de muitos partidos comunistas fá-lo temer pelo fim do PCP.

Instala-se um complexo de fortaleza sitiada. A luta pela sobrevivência domina todas as preocupações. A revolução tinha sido vencida, as possibilidades esboçadas pelo Novo Impulso viram-se rapidamente abortadas e nenhuma estratégia alternativa àquela que tinha sido desenhada no Rumo à Vitória veio tomar-lhe o lugar.

O PCP passou á condição dum partido de protesto, com uma influência sindical significativa, mas cada vez mais incapaz de condicionar as decisões de quem governa. Até onde pode chegar um partido remetido para esta posição? Num contexto de crise e de grande sofrimento social, os 7,8% de votos conseguidos nas legislativas de 2009 têm sido confirmados pelas últimas sondagens (Eurosondagem de 1-6/7: 8%, Euroexpansão de 8-11/7: 6,3%, Intercampus de 16-20/7: 9,5%, Marktest de 20-26/7: 7,5%). Parece haver um tecto de crescimento para os partidos de protesto e o PCP já terá alcançado o seu. A partir daqui, restar-lhe-á tentar evitar perdas maiores. Até quando?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Crise, IRC, prestações sociais, submarinos. Opções políticas


No início dos anos 90, 33% das empresas portuguesas declaravam prejuízo eximindo-se assim do pagamento do IRC. Passados 20 anos aquele número subiu para 36%. Quantas empresas conseguem sobreviver a 20 anos de prejuízos? De facto, pouquíssimas. Contudo é gigantesco número daquelas que recorre sistematicamente à subfacturação para ocultar os seus lucros para fugir ao fisco.


O governo mostra-se incapaz de inverter esta situação, mas, em contrapartida é muito rápido em encontrar outras formas de contrariar o défice das contas públicas. Entraram já em vigor as medidas que se vão traduzir numa redução do número de pessoas que beneficiam do subsídio de desemprego e do RSI. Diz-se que se trata da aplicação de uma política mais rigorosa que visa corrigir eventuais abusos. S assim fosse, a exclusão dos abusadores, deveria ser compensada pela atribuição dessa prestações sociais a pessoas verdadeiramente necessitadas e que foram excluídas, pois desempregados e pobres não faltam. Mas, como se sabe, aquilo de que se trata é simplesmente de poupar dinheiro.


Quem pode pagar exime-se ao pagamento de impostos, quem precisa vê as prestações sociais do Estado serem-lhe retiradas.


Finalmente, a cereja em cima do bolo. Chegou o primeiro dos submarinos Tridente. Ninguém (a não ser o Chefe do Estado-Maior da Armada) sabe para o que servem. Sabe-se que têm de ser pagos, que não são um brinquedo barato e que o seu pagamento resultará num agravamento da dívida pública.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O que significa ser de esquerda?


A questão do Poder encontra-se no centro da acção política. Como conquistar o poder, como conservá-lo? Desde Maquiavel, sabemos todos que essa é a questão central. Nas sociedades modernas, a luta pelo poder parece ser travada pelos partidos políticos e pelos seus líderes, que disputam o apoio das massas populares. Mas essa é apenas a face mais visível das coisas, em última análise, trata-se duma luta entre classes e grupos sociais. Sendo assim, “ser de esquerda” significa que, nessa luta, se toma partido pelos “de baixo”, pelos dominados contras os poderosos, pelos explorados contra os exploradores, pelos excluídos contra os privilegiados.


Já vimos num post anterior que “ser de direita” significa acreditar que aquela divisão se inscreve na ordem natural da vida: sempre foi assim e sempre assim será. Ser de esquerda significa que, como nos propõe Brecht (A Excepção e a Regra), não temos que achar natural, aquilo que sempre acontece. Significa acreditar que as contradições de classe são uma realidade historicamente transitória e ter como horizonte a utopia duma sociedade igualitária.


Na oposição esquerda / direita confundem-se, portanto, diferentes interesses de classe com diferentes convicções ideológicas.


No plano social, pertencerão ao campo da esquerda as classes populares, a classe operária, o proletariado rural, os trabalhadores dos transportes, dos serviços e do comércio. Integram-no grupos sociais que gozam de diferentes condições materiais de vida e têm práticas sociais muito diversas, mas que estão unidos por um denominador comum: a defesa dos interesses de cada um dos seus membros não passa pela concorrência entre si (como acontece com os empresários e as profissões liberais), mas sobretudo pela sua capacidade de promover acções solidárias.


No plano político, é comum a distinção entre uma esquerda revolucionária e uma esquerda reformista ou entre uma esquerda totalitária e uma esquerda democrática. Por esquerda democrática, entende-se habitualmente aquela que não considera a liberdade individual, o pluralismo político e a democracia representativa como simples valores instrumentais, mas como parte integrante do seu próprio património, que considera ser possível construir uma sociedade mais igualitária sem pôr em causa os princípios fundamentais onde assentam as democracias liberais. A esquerda totalitária, pelo contrário, considera que uma sociedade igualitária só pode resultar dum acto de força, dum movimento de massas conduzido por uma vanguarda política que se assume como intérprete dos interesses do povo e do destino da história e que, por isso, se sente legitimada para eliminar politicamente todos aqueles que se atravessem no seu caminho. Essa vanguarda concentra em si não só todo o poder político, como o poder económico e o controle da comunicação social, das instituições culturais e de acção social.


Considerando uma experiência multivariada e já secular, verificamos que das vitórias alcançadas pela esquerda revolucionária resultou sempre a instauração de poderes totalitários. Por outro lado, a esquerda reformista tende a perder a perspectiva da utopia igualitária, conformando-se com um melhorismo que não põe em causa os fundamentos das sociedades que pretendia combater.


A possibilidade duma nova sociedade nascida duma esquerda democrática e revolucionária é algo que a experiência histórica não foi ainda capaz de demonstrar e este facto pesa duma forma decisiva sobra as opções políticas daqueles que aspiram a uma sociedade mais justa.


Assim, nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas, a esquerda revolucionária tende a confinar-se a uma “esquerda de protesto”, a quem as classes populares oferecem apoios pontuais, mas a quem não entregam o poder. Pelo contrário, a esquerda reformista afirma-se como uma esquerda “de governo”, mas, uma vez no poder, conforma-se facilmente com as regras da sociedade que deveria combater.


Em conclusão. A questão da direita está em saber como defender uma sociedade caracterizada pela existência de privilégios decorrentes do dinheiro, com o apoio das massas dos excluídos desses mesmos privilégios. A questão da esquerda está em saber como transformar profundamente aquela sociedade sem cair num “despotismo esclarecido” que, afinal, apenas é capaz de produzir novos privilégios e desigualdades.


A solução para a direita passa pela restrição das liberdades democráticas. Para a esquerda, só pode passar pelo seu alargamento. O socialismo é uma democracia radical.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

À sombra dum plátano

Depois dum post sobre “o que significa ser de direita?”, deveria seguir-se outro sobre “o que significa ser de esquerda?”. Mas, hoje, toda a minha inspiração se evaporou ao sol. Em vez dum árido texto político, ofereço aos meus leitores a doce sombra dum plátano.

Música de Handel (Xerxes), voz de Andreas Scholl.

Do poema de N. Minato (adapt. por S. Stampiglia):

Ombra mai fu
di vegetabili
cara ed amabile
soave più
.


Nunca a sombra de árvore alguma foi mais querida, mais doce, mais agradável.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O que significa ser de direita?

Há várias razões para ser de direita, mas, quase sempre, redundam numa posição conservadora: há ricos e pobres, poderosos e fracos, líderes e seguidores, mas as coisas são como são, sempre foram assim, é inútil e mesmo perverso pensar que possam ser doutra maneira.

Há pessoas que ocupam um lugar privilegiado na sociedade, o mesmo que era já ocupado pelos seus pais, pelos seus avós, etc. Quem pertence a uma dinastia de privilegiados sente o privilégio (e recorde-se que, numa sociedade capitalista, ele aparece sempre associado ao dinheiro) como um dom natural. E, portanto, pô-lo em causa é um acto contra-natura. Para estes direitistas, ser de esquerda só pode ser fruto da loucura. Um tipo sensato, bem formado, enfim, um sujeito normal, só pode ser de direita.

Há também quem seja de direita e “venha de baixo”, quem tenha “subido a pulso”. Estes apresentam outras razões para o seu direitismo. Por um lado, têm medo que a esquerda lhes subtraia aquilo que tanto lhes custou a conquistar, vivem no pânico de regressar às suas origens. Além disso, pensam que se conseguiram chegar onde chegaram, então qualquer um pode fazer o mesmo. Se não o fizerem será por preguiça, por desleixo, por intemperança – por estupidez. A pobreza é a pena justa que se paga por estes pecados. Pode acontecer que a crueza deste raciocínio seja temperada pela caridade. Aquilo que é intolerável é que os pecadores se assumam “de esquerda”, quer dizer, que, movidos pela inveja, se tornem ávidos dos bens que os justos foram capazes de reunir esforçadamente. Então, há que impedir que aquilo que revela da mais elementar justiça seja subvertido.

Há ainda quem seja de direita e seja “de baixo”. São aqueles que consideram que a única forma de melhorar as suas condições de existência depende da possibilidade de conquistar o favor dos poderosos. Não estão de todo enganados porque nenhuma elite social pode conservar o poder político sem o apoio da massa. E, portanto, os poderosos estão sempre dispostos a lançar alguns restos do seu banquete àqueles que os defendam. Os direitistas “de baixo” não só se contentam com isso, como se opõem a qualquer revolução social com medo de perder essas migalhas.

A relação entre estas classes sociais não está isenta de desconfiança. Há “famílias tradicionais” economicamente decadentes, saudosas de faustos passados que vivem humilhadas pelas necessidades presentes e famílias de “novos-ricos” que continuam a transportar consigo tiques comportamentais que denunciam a sua origem social. A convivência entre elas é muitas vezes assinalada por notas onde a inveja se mistura com o desprezo. Quanto aos “de baixo”, serão tanto mais queridos quanto mais respeitadores, obedientes e prestáveis, mas penalizados se não souberem “manter-se no seu lugar”,

Contudo, todos os direitistas, uns em nome dos privilégios naturalmente recebidos, outros em nome dos privilégios esforçadamente adquiridos, outros, ainda, em defesa dos pequenos ou grandes favores que souberam merecer dos poderosos, são defensores da Ordem. Ou seja, todos são contra todas as movimentações políticas e sociais que questionem a própria existência de privilegiados. Neste sentido, pode dizer-se que toda a direita é reaccionária.

sábado, 24 de julho de 2010

A banca portuguesa, a crise e o stress

As quatro instituições bancárias portuguesas (CGD, Millenium BCP, BES e BPI) submetidas aos testes de stress promovidos pelo BCE obtiveram resultados positivos.

São boas notícias. Se os resultados fossem negativos, isso traduzir-se-ia numa maior dificuldade de acesso ao crédito interbancário e, portanto, num agravamento das condições de acesso ao crédito pelas famílias e pelos investidores nacionais que recorrem aos maiores bancos portugueses. Logo, num travão ao crescimento económico com consequências inevitáveis em termos de desemprego.

Por outro lado, a boa saúde da banca obriga-nos a questionar os benefícios fiscais de que tem beneficiado. Como se justifica que um pequeno ou médio empresário, muitas vezes duramente afectado pela crise, pague uma taxa de IRC muito superior àquela que pagam estes saudáveis bancos portugueses?

Ninguém quer mais casos BPN e BPP. A solidez das nossas mais importantes instituições bancárias é uma boa notícia. Porém, importa que não o seja apenas para os seus administradores e accionistas, mas que tal facto encontre reflexos visíveis no desenvolvimento económico do país, no equilíbrio das finanças públicas e no bem-estar das pessoas.

Doutra forma, as principais instituições bancárias passarão nos testes de stress, nós é que reprovaremos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A revisão constitucional
Entre o neoliberalismo e a defesa do Estado social

“É necessário libertar a Constituição da sua carga ideológica”. Esta é uma afirmação recorrente no discurso dos partidos da direita em tempos de revisão constitucional. Passo mentalmente em revista várias Constituições. A Constituição liberal de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a Constituição setembrista de 1838, o Acto Adicional de 1852, a Constituição republicana de 1911, a Constituição de 1933 que institui o Estado Novo... Não encontro nenhum exemplo despido de “carga ideológica”. Todas reflectem o corpo de ideias dominantes no seu tempo e nenhuma estipula regras gerais supostamente independentes da correlação política de forças existente na época em que vigoraram. De facto, todas elas surgiram na sequência de revoluções, guerras civis, golpes de Estado, e foram a expressão legal das mudanças originadas por actos de força que deixaram no campo da luta política vencedores e vencidos. A neutralidade dum texto constitucional é uma ficção.

A Constituição de 1976 não é excepção. Aprovada pelo PS, pelo PPD e pelo PCP, exprime, sem dúvida, o “espírito do tempo” ao definir a sociedade portuguesa como uma democracia política, económica, social e cultural, a caminho do socialismo.

Evidentemente, o conceito de “socialismo”, não tinha para todos aqueles partidos o mesmo significado. O PCP defendia que, em Portugal, era impossível a consolidação duma democracia do tipo ocidental e a Constituição lançava as bases do que poderia ser uma “democracia avançada” que, apesar do desmentidos de Cunhal (“Olhe que não! Olhe que não!”) tanto o PS como o PSD associavam às “democracias populares” do Leste. Para estes partidos, “socialismo” era sinónimo de social-democracia.

A Constituição foi aprovada já depois do 25 de Novembro. O PCP encontrava-se isolado, numa posição defensiva dificilmente sustentável e as revisões constitucionais que se seguiram trataram de eliminar todas as dúvidas. Acabou-se com o Pacto MFA-Partidos e com o Conselho da Revolução e a irreversibilidade das chamadas “conquistas da revolução” (as nacionalizações, a reforma agrária) acabou por ser expurgada do texto constitucional.

A Constituição passou claramente a exprimir a vitória daqueles que entendiam a democracia nos moldes dos regimes dominantes na Europa Ocidental. Contudo, a vertente social-democrata manteve-se, por exemplo, na definição dum SNS universal e tendencialmente gratuito.

É precisamente isso que agora se questiona com a proposta de revisão constitucional avançada pela equipa de Passos Coelho que põe em causa o princípio da universalidade e da gratuitidade do ensino e da saúde públicas.

Sempre em nome da desideologização do texto constitucional, o PSD, que já foi socialista e social-democrata, apresenta-se agora como neoliberal. Não estará a interpretar correctamente o novo “espírito da época”? Uma revisão constitucional exige 2/3 dos votos dos deputados da AR. A resposta está, portanto, nas mãos do PS que, até agora, se tem desmultiplicado em afirmações de repúdio das propostas de Passos Coelho.

Contudo, todos nós sabemos que aquilo que não pode entrar pela porta da frente, acaba muitas vezes por entrar pela das traseiras. Nos últimos anos, com um progressivo aumento das propinas, verificamos que a frequência do ensino superior se encontra cada vez mais condicionada por factores de ordem económica. No ensino básico e secundário, à degradação da qualidade do ensino público tem correspondido o reforço do ensino privado, reservado a uma elite económica e social. Na Saúde, multiplicaram-se as Parcerias Público-Privadas, as taxas moderadoras e tem crescido a percentagem dos portugueses que, seduzidos pelas deduções em sede de IRS, cansados das listas de espera e procurando um maior conforto em situações de doença, estão a ser empurrados para contratos com seguradoras associadas a clínicas privadas, com benefícios clínicos muito duvidosos.

As propostas de Passos Coelho não introduzem novidades absolutas, mas limitam-se a radicalizar uma tendência que se tem afirmado nos últimos anos e com a qual o PS tem estado comprometido. Compete à esquerda assumir uma defesa intransigente do Estado social, rejeitando quaisquer medidas que visem a descapitalização e desvalorização de serviços públicos fundamentais, remetendo-os para uma função assistencial reservada aos sectores mais pobres da população. Se o souber fazer, talvez o PSD tenha perdido aqui a possibilidade de regressar ao poder com uma maioria absoluta que parecia ir cair-lhe no colo.