quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Livros – apontamentos à margem

Carlos Brito, Álvaro Cunhal, Sete fôlegos do combatente. Memórias. Lisboa: Edições Nelson de Matos, 2010


A propósito do PCP, é habitual salientar-se a “coerência”. Geralmente entende-se por isso a fidelidade intransigente a uma ortodoxia marxista-leninista (definida a partir do exemplo do PCUS) que informa a linha do partido pelo menos desde os anos 30 do século passado. Álvaro Cunhal teve um papel determinante na configuração ideológica do Partido e nenhum dos seus actuais dirigentes ousa pôr em causa esse legado. Contudo, os tempos que vivemos são outros e das mesmas ideias podem resultar consequências muito diversas.

As memórias de Álvaro Cunhal de Carlos Brito são muito interessantes a diversos títulos. Entre outras questões, permitem-nos seguir, a partir da análise dum espectador privilegiado, a evolução do PCP nas últimas décadas. Na minha opinião, pode retirar-se do livro de Carlos Brito a tese de que Álvaro Cunhal pensou sempre o PCP, mesmo durante o Fascismo, como um partido vocacionado para a tomada e o exercício do poder. Todas as suas opções tácticas eram determinadas por esse objectivo final. Com Jerónimo de Sousa, o PCP transformou-se num partido de protesto, desprovido duma orientação estratégica que tenha como alvo os mesmos objectivos.

Entendo por “esquerda de protesto” uma esquerda que pratica a denúncia sistemática e a luta contra as injustiças sociais, mas que se encontra fora da área do poder e que, portanto, se vê impedida de levar à prática políticas alternativas àquelas que são adoptadas pelo sucessivos governos a que se opõe. O PCP encontra-se hoje numa situação de isolamento político que o confina a esta condição e não se descobre na sua prática nada que indicie uma estratégia que vise contrariar este estado de coisas. Pelo contrário, parece conformado com esta situação. À sua volta não encontra aliados possíveis, mas apenas inimigos a abater. No seu próprio seio, uma onda de saneamentos e perseguições deixou claro o sinal de que nenhuma intenção renovadora seria tolerada.

É uma situação nova na longa história do partido. Álvaro Cunhal procurou sempre as alianças possíveis que evitassem o seu isolamento e permitissem situá-lo na área do poder. A estratégia definida no Rumo à Vitória apontava neste sentido. Uma revolução democrática e nacional poria fim ao fascismo. O passo seguinte seria a instauração duma democracia avançada capaz de promover a nacionalização dos monopólios e a reforma agrária. Essa democracia não devia (nem podia) confinar-se aos moldes das democracias ocidentais, mas deveria promover a transição para uma sociedade socialista. Em cada uma destas etapas o PCP estabeleceria as alianças necessárias e dispunha-se a fazer as concessões indispensáveis para que elas se efectivassem, sem nunca perder de vista o objectivo final da revolução. A intervenção do PCP na sequência do 25 de Abril e do 11 de Março está perfeitamente de acordo com esta estratégia. À aliança de todas as forças democráticas, segue-se a ruptura com Spínola e, depois, com Sá Carneiro e com Mário Soares. O PREC deveria avançar apoiado na aliança Povo-MFA. Mesmo quando, após o 25 de Novembro, o sucesso desta estratégia foi posto em causa, o PCP tentou, como assinala Carlos Brito, uma reaproximação a Melo Antunes e ao Grupo dos Nove com vista à defesa de algumas das posições anteriormente conquistadas. Mais tarde, encara a formação do PRD de Ramalho Eanes como uma forma de quebrar uma ameaça de isolamento a que o votava a ruptura com Soares. E, dará um apoio discreto à candidatura de Zenha à Presidência da República. Era importante não deixar que o partido fosse “encostado à parede” para poder continuar a influenciar as decisões do poder e defender as “conquistas da revolução”.

Contudo, o PCP estava já remetido para uma posição defensiva. A hipótese revolucionária estava comprometida. Cunhal sabe que já não tem muitos anos de vida e o descalabro da URSS e o enfraquecimento e descaracterização de muitos partidos comunistas fá-lo temer pelo fim do PCP.

Instala-se um complexo de fortaleza sitiada. A luta pela sobrevivência domina todas as preocupações. A revolução tinha sido vencida, as possibilidades esboçadas pelo Novo Impulso viram-se rapidamente abortadas e nenhuma estratégia alternativa àquela que tinha sido desenhada no Rumo à Vitória veio tomar-lhe o lugar.

O PCP passou á condição dum partido de protesto, com uma influência sindical significativa, mas cada vez mais incapaz de condicionar as decisões de quem governa. Até onde pode chegar um partido remetido para esta posição? Num contexto de crise e de grande sofrimento social, os 7,8% de votos conseguidos nas legislativas de 2009 têm sido confirmados pelas últimas sondagens (Eurosondagem de 1-6/7: 8%, Euroexpansão de 8-11/7: 6,3%, Intercampus de 16-20/7: 9,5%, Marktest de 20-26/7: 7,5%). Parece haver um tecto de crescimento para os partidos de protesto e o PCP já terá alcançado o seu. A partir daqui, restar-lhe-á tentar evitar perdas maiores. Até quando?

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