segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O que significa ser de esquerda?


A questão do Poder encontra-se no centro da acção política. Como conquistar o poder, como conservá-lo? Desde Maquiavel, sabemos todos que essa é a questão central. Nas sociedades modernas, a luta pelo poder parece ser travada pelos partidos políticos e pelos seus líderes, que disputam o apoio das massas populares. Mas essa é apenas a face mais visível das coisas, em última análise, trata-se duma luta entre classes e grupos sociais. Sendo assim, “ser de esquerda” significa que, nessa luta, se toma partido pelos “de baixo”, pelos dominados contras os poderosos, pelos explorados contra os exploradores, pelos excluídos contra os privilegiados.


Já vimos num post anterior que “ser de direita” significa acreditar que aquela divisão se inscreve na ordem natural da vida: sempre foi assim e sempre assim será. Ser de esquerda significa que, como nos propõe Brecht (A Excepção e a Regra), não temos que achar natural, aquilo que sempre acontece. Significa acreditar que as contradições de classe são uma realidade historicamente transitória e ter como horizonte a utopia duma sociedade igualitária.


Na oposição esquerda / direita confundem-se, portanto, diferentes interesses de classe com diferentes convicções ideológicas.


No plano social, pertencerão ao campo da esquerda as classes populares, a classe operária, o proletariado rural, os trabalhadores dos transportes, dos serviços e do comércio. Integram-no grupos sociais que gozam de diferentes condições materiais de vida e têm práticas sociais muito diversas, mas que estão unidos por um denominador comum: a defesa dos interesses de cada um dos seus membros não passa pela concorrência entre si (como acontece com os empresários e as profissões liberais), mas sobretudo pela sua capacidade de promover acções solidárias.


No plano político, é comum a distinção entre uma esquerda revolucionária e uma esquerda reformista ou entre uma esquerda totalitária e uma esquerda democrática. Por esquerda democrática, entende-se habitualmente aquela que não considera a liberdade individual, o pluralismo político e a democracia representativa como simples valores instrumentais, mas como parte integrante do seu próprio património, que considera ser possível construir uma sociedade mais igualitária sem pôr em causa os princípios fundamentais onde assentam as democracias liberais. A esquerda totalitária, pelo contrário, considera que uma sociedade igualitária só pode resultar dum acto de força, dum movimento de massas conduzido por uma vanguarda política que se assume como intérprete dos interesses do povo e do destino da história e que, por isso, se sente legitimada para eliminar politicamente todos aqueles que se atravessem no seu caminho. Essa vanguarda concentra em si não só todo o poder político, como o poder económico e o controle da comunicação social, das instituições culturais e de acção social.


Considerando uma experiência multivariada e já secular, verificamos que das vitórias alcançadas pela esquerda revolucionária resultou sempre a instauração de poderes totalitários. Por outro lado, a esquerda reformista tende a perder a perspectiva da utopia igualitária, conformando-se com um melhorismo que não põe em causa os fundamentos das sociedades que pretendia combater.


A possibilidade duma nova sociedade nascida duma esquerda democrática e revolucionária é algo que a experiência histórica não foi ainda capaz de demonstrar e este facto pesa duma forma decisiva sobra as opções políticas daqueles que aspiram a uma sociedade mais justa.


Assim, nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas, a esquerda revolucionária tende a confinar-se a uma “esquerda de protesto”, a quem as classes populares oferecem apoios pontuais, mas a quem não entregam o poder. Pelo contrário, a esquerda reformista afirma-se como uma esquerda “de governo”, mas, uma vez no poder, conforma-se facilmente com as regras da sociedade que deveria combater.


Em conclusão. A questão da direita está em saber como defender uma sociedade caracterizada pela existência de privilégios decorrentes do dinheiro, com o apoio das massas dos excluídos desses mesmos privilégios. A questão da esquerda está em saber como transformar profundamente aquela sociedade sem cair num “despotismo esclarecido” que, afinal, apenas é capaz de produzir novos privilégios e desigualdades.


A solução para a direita passa pela restrição das liberdades democráticas. Para a esquerda, só pode passar pelo seu alargamento. O socialismo é uma democracia radical.

Sem comentários:

Enviar um comentário