Fortalecer
a democracia. Uma reforma necessária
Provavelmente, os números avançados
pela organização das manifestações do dia 2 de Março foram exagerados. Para
todos os efeitos, houve grandes manifestações, nomeadamente em Lisboa, no
Porto, em Coimbra e em Braga. De facto, nenhum partido (mesmo recorrendo, como
é hábito, ao transporte gratuito de manifestantes em autocarros fretados para a
ocasião) teria sido capaz de realizar manifestações tão participadas.
A revolta popular extravasa claramente
as fronteiras partidárias e manifesta-se mesmo, muitas vezes, numa crítica
anti-partidos. Uma sondagem da Universidade Católica revelava que, em Setembro
de 2012, 87% dos portugueses estavam desiludidos com a democracia.
Churchill afirmava que a democracia
era o pior dos regimes políticos excluindo todos os outros. E tinha razão. Mas isso
não significa que tenhamos que nos conformar com os seus defeitos e que devemos
desistir de aperfeiçoar o regime democrático. Desde logo, é necessário
compreender que a democracia assenta no princípio da igualdade e que este não
pode reduzir-se a um formalismo jurídico, mas implica uma efectiva redução das
diferenças de rendimento que separam as diferentes classes sociais.
No entanto, não é sobre a relação
entre liberdade e igualdade que eu gostaria agora de reflectir, mas acercas das
normas de funcionamento do próprio sistema político democrático.
Antes de mais, quero deixar claro que
o regime que defendo é a democracia representativa. Nas sociedades modernas, a
democracia directa pode ter uma função complementar, mas, como sistema
alternativo, só pode funcionar como instrumento de todos os populismos e antecâmara
da instauração de regimes ditatoriais. Porém, sendo os partidos actores
indispensáveis no quadro de uma democracia representativa, reduzir a cidadania a
uma votação periódica nos candidatos que estes nos apresentam só pode
traduzir-se num empobrecimento muito significativo da vida democrática.
É claro que, aos cidadãos, está também
aberta a possibilidade de participar na vida sindical ou nos vários movimentos
que se constituem como grupos de pressão a partir da defesa de interesses corporativos,
culturais, ecologistas, etc. Mas esses movimentos estão centrados em questões
parcelares e limitam-se a assumir uma função reivindicativa junto do poder político.
Não o disputam, nem têm um programa de governação alternativo.
Actualmente, em Portugal, os cidadãos
sem partido podem candidatar-se à Presidência da República e apresentar listas
independentes para as autarquias locais. Penso que podemos ir mais longe e
abrir a possibilidade de apresentação de candidaturas para a Assembleia da República
a listas de cidadãos independentes. Por outro lado, os partidos só poderão sair
reforçados se deixarem de ser reféns dos respectivos “aparelhos” e se souberem
escutar os seus eleitores, por exemplo, realizando primárias, abertas a todos os
simpatizantes, para a nomeação dos seus candidatos a certos cargos políticos
ou aprovando uma alteração à lei
eleitoral para a Assembleia da República que permita aos eleitores reordenar de
acordo com as suas preferências a sequência de nomes das listas de candidatos
apresentadas pelos partidos.
Qualquer uma destas alterações foi já
experimentada noutros países e não encontro motivos que impeçam a sua
implementação em Portugal. Pelo contrário, permitiriam fortalecer uma
participação mais efectiva de todos os cidadãos na vida democrática, com
consequências positivas em termos da sua co-responsabilização pelas decisões
tomadas nas diferentes instâncias políticas.
Em última análise, trata-se de tentar
vencer o fosso cada vez mais aberto entre “nós” e “eles”. O fatalismo, o
sentimento de impotência que actualmente ganha raízes convida à apatia política.
Daí, à aceitação do poder ditatorial de um qualquer “salvador da pátria” vai
apenas um passo. A crise em que estamos mergulhados não nos confronta apenas
com problemas económicos e sociais. A defesa e reforço do regime democrático
tem de estar entre as nossas prioridades.
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