quarta-feira, 6 de março de 2013



Fortalecer a democracia. Uma reforma necessária

Provavelmente, os números avançados pela organização das manifestações do dia 2 de Março foram exagerados. Para todos os efeitos, houve grandes manifestações, nomeadamente em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em Braga. De facto, nenhum partido (mesmo recorrendo, como é hábito, ao transporte gratuito de manifestantes em autocarros fretados para a ocasião) teria sido capaz de realizar manifestações tão participadas.

A revolta popular extravasa claramente as fronteiras partidárias e manifesta-se mesmo, muitas vezes, numa crítica anti-partidos. Uma sondagem da Universidade Católica revelava que, em Setembro de 2012, 87% dos portugueses estavam desiludidos com a democracia.

Churchill afirmava que a democracia era o pior dos regimes políticos excluindo todos os outros. E tinha razão. Mas isso não significa que tenhamos que nos conformar com os seus defeitos e que devemos desistir de aperfeiçoar o regime democrático. Desde logo, é necessário compreender que a democracia assenta no princípio da igualdade e que este não pode reduzir-se a um formalismo jurídico, mas implica uma efectiva redução das diferenças de rendimento que separam as diferentes classes sociais.

No entanto, não é sobre a relação entre liberdade e igualdade que eu gostaria agora de reflectir, mas acercas das normas de funcionamento do próprio sistema político democrático.

Antes de mais, quero deixar claro que o regime que defendo é a democracia representativa. Nas sociedades modernas, a democracia directa pode ter uma função complementar, mas, como sistema alternativo, só pode funcionar como instrumento de todos os populismos e antecâmara da instauração de regimes ditatoriais. Porém, sendo os partidos actores indispensáveis no quadro de uma democracia representativa, reduzir a cidadania a uma votação periódica nos candidatos que estes nos apresentam só pode traduzir-se num empobrecimento muito significativo da vida democrática.

É claro que, aos cidadãos, está também aberta a possibilidade de participar na vida sindical ou nos vários movimentos que se constituem como grupos de pressão a partir da defesa de interesses corporativos, culturais, ecologistas, etc. Mas esses movimentos estão centrados em questões parcelares e limitam-se a assumir uma função reivindicativa junto do poder político. Não o disputam, nem têm um programa de governação alternativo.

Actualmente, em Portugal, os cidadãos sem partido podem candidatar-se à Presidência da República e apresentar listas independentes para as autarquias locais. Penso que podemos ir mais longe e abrir a possibilidade de apresentação de candidaturas para a Assembleia da República a listas de cidadãos independentes. Por outro lado, os partidos só poderão sair reforçados se deixarem de ser reféns dos respectivos “aparelhos” e se souberem escutar os seus eleitores, por exemplo, realizando primárias, abertas a todos os simpatizantes, para a nomeação dos seus candidatos a certos cargos políticos
ou aprovando uma alteração à lei eleitoral para a Assembleia da República que permita aos eleitores reordenar de acordo com as suas preferências a sequência de nomes das listas de candidatos apresentadas pelos partidos.

Qualquer uma destas alterações foi já experimentada noutros países e não encontro motivos que impeçam a sua implementação em Portugal. Pelo contrário, permitiriam fortalecer uma participação mais efectiva de todos os cidadãos na vida democrática, com consequências positivas em termos da sua co-responsabilização pelas decisões tomadas nas diferentes instâncias políticas.

Em última análise, trata-se de tentar vencer o fosso cada vez mais aberto entre “nós” e “eles”. O fatalismo, o sentimento de impotência que actualmente ganha raízes convida à apatia política. Daí, à aceitação do poder ditatorial de um qualquer “salvador da pátria” vai apenas um passo. A crise em que estamos mergulhados não nos confronta apenas com problemas económicos e sociais. A defesa e reforço do regime democrático tem de estar entre as nossas prioridades.

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