“O
povo é quem mais ordena”
Ao longo da história, o conceito de
democracia tem assumido diferentes significados. Contudo, será sempre
indissociável do de poder popular. Democracia é o governo do povo. Na
antiguidade, em Atenas, esse poder realizava-se sob a forma de uma democracia
directa, nas sociedades modernas, onde a Cidade-Estado deu lugar aos Estados
Nação, adoptou-se a a forma da democracia representativa. Nos séculos XVIII e
XIX, a democracia representativa apareceu associada à vontade de retirar à “populaça”
poder decisório, remetendo-o exclusivamente para uma elite social cujo traço
distintivo consistia no facto de ser detentora de propriedade ou de um certo nível
de riqueza. Foi a época do voto censitário. Pensou-se que esta perversão do
ideal democrático, habitual nos primórdios do liberalismo, seria vencida com a
generalização do sufrágio universal. De facto, não foi assim.
Num post aqui publicado há alguns dias
atrás denunciei o sequestro da democracia pelos aparelhos partidários e defendi
a revisão da Constituição no sentido de ser autorizada a apresentação de
candidaturas independentes à Assembleia da República.
Depois disso, foi publicado uma
Manifesto para a Democratização do Regime onde se defende, não só a possibilidade
de candidaturas independentes à AR, mas também listas partidárias onde a ordem
dos candidatos possa ser alterada pelos eleitores e eleições primárias, abertas
a todos os simpatizantes dos diferentes partidos, para escolha dos seus
candidatos a certos cargos políticos como, por exemplo, o de Presidente da Câmara.
Acrescento, agora, uma outra sugestão:
a da limitação dos mandatos de todos os cargos políticos, inclusive o
de deputado da AR. Nenhuma destas medidas é motivada por qualquer hostilidade
ao sistema de partidos. Sabemos bem que, no nosso tempo, não são conhecidos
exemplos de regimes democráticos sem eleições competitivas disputadas por
diferentes formações partidárias. Trata-se, antes, de recusar uma democracia reduzida
a uma partidocracia e de dar um contributo contra a formação de uma “classe política”, geradora
de interesses próprios, agindo cada vez mais segundo uma lógica da sua perpetuação
nas estruturas do poder.
Qualquer partido se pode impor a
limitação dos mandatos dos deputados sem aprovação de qualquer legislação específica.
Estou convencido que a execução desta reforma acabaria por fortalecer aqueles
que a implantasse, libertando-os da lógica auto-reprodutiva dos “aparelhos”.
Actualmente, vivemos uma situação
paradoxal: temos um governo que não merece a confiança dos eleitores e uma
oposição que não é capaz de construir uma alternativa, porque parece mais
interessada na defesa dos seus diferentes interesses partidários do que no
interesse nacional. Este bloqueio do sistema político é particularmente perigoso
e pode por em risco a própria sobrevivência do regime democrático.
Para além da crise económica, vivemos
uma crise política. Exigem-se reformas que vão no sentido de dar mais poder ao
povo e que permita vencer o fosso cada vez mais profundo que se está a abrir
entre governantes e governados, entre as elites partidárias e os cidadãos
comuns. A dicotomia “nós” e “eles” vem do tempo de Salazar e tem fortes raízes
na sociedade portuguesa. Nos nossos dias, continua a existir quem pense assim.
Talvez a profunda crise social que vivemos tenha a virtude de abrir portas que
permitam a todos compreender que a política é uma questão comum. Só assim, fará
sentido que se continue a cantar a “Grândola”.
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