domingo, 17 de março de 2013



“O povo é quem mais ordena”

Ao longo da história, o conceito de democracia tem assumido diferentes significados. Contudo, será sempre indissociável do de poder popular. Democracia é o governo do povo. Na antiguidade, em Atenas, esse poder realizava-se sob a forma de uma democracia directa, nas sociedades modernas, onde a Cidade-Estado deu lugar aos Estados Nação, adoptou-se a a forma da democracia representativa. Nos séculos XVIII e XIX, a democracia representativa apareceu associada à vontade de retirar à “populaça” poder decisório, remetendo-o exclusivamente para uma elite social cujo traço distintivo consistia no facto de ser detentora de propriedade ou de um certo nível de riqueza. Foi a época do voto censitário. Pensou-se que esta perversão do ideal democrático, habitual nos primórdios do liberalismo, seria vencida com a generalização do sufrágio universal. De facto, não foi assim.

Num post aqui publicado há alguns dias atrás denunciei o sequestro da democracia pelos aparelhos partidários e defendi a revisão da Constituição no sentido de ser autorizada a apresentação de candidaturas independentes à Assembleia da República.

Depois disso, foi publicado uma Manifesto para a Democratização do Regime onde se defende, não só a possibilidade de candidaturas independentes à AR, mas também listas partidárias onde a ordem dos candidatos possa ser alterada pelos eleitores e eleições primárias, abertas a todos os simpatizantes dos diferentes partidos, para escolha dos seus candidatos a certos cargos políticos como, por exemplo, o de Presidente da Câmara.

Acrescento, agora, uma outra sugestão: a da limitação dos mandatos de todos os cargos políticos, inclusive o de deputado da AR. Nenhuma destas medidas é motivada por qualquer hostilidade ao sistema de partidos. Sabemos bem que, no nosso tempo, não são conhecidos exemplos de regimes democráticos sem eleições competitivas disputadas por diferentes formações partidárias. Trata-se, antes, de recusar uma democracia reduzida a uma partidocracia e de dar um contributo contra a formação de uma “classe política”, geradora de interesses próprios, agindo cada vez mais segundo uma lógica da sua perpetuação nas estruturas do poder.

Qualquer partido se pode impor a limitação dos mandatos dos deputados sem aprovação de qualquer legislação específica. Estou convencido que a execução desta reforma acabaria por fortalecer aqueles que a implantasse, libertando-os da lógica auto-reprodutiva dos “aparelhos”.

Actualmente, vivemos uma situação paradoxal: temos um governo que não merece a confiança dos eleitores e uma oposição que não é capaz de construir uma alternativa, porque parece mais interessada na defesa dos seus diferentes interesses partidários do que no interesse nacional. Este bloqueio do sistema político é particularmente perigoso e pode por em risco a própria sobrevivência do regime democrático.

Para além da crise económica, vivemos uma crise política. Exigem-se reformas que vão no sentido de dar mais poder ao povo e que permita vencer o fosso cada vez mais profundo que se está a abrir entre governantes e governados, entre as elites partidárias e os cidadãos comuns. A dicotomia “nós” e “eles” vem do tempo de Salazar e tem fortes raízes na sociedade portuguesa. Nos nossos dias, continua a existir quem pense assim. Talvez a profunda crise social que vivemos tenha a virtude de abrir portas que permitam a todos compreender que a política é uma questão comum. Só assim, fará sentido que se continue a cantar a “Grândola”.

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