A crise do “modelo social europeu” e o discurso da direita
1 – O caso da Educação
Há um ensaio muito interessante de Tony Judt, “A boa sociedade: Europa vs. América”, publicado em 2006 na New York Review Of Books, traduzido em 2009 para português na sua obra O século XX Esquecido, Lugares e Memórias, da Edições 70.
Nele, Tony Judt sintetiza assim as críticas “americanas” ao chamado “modelo social europeu”: “A Europa encontra-se ‘estagnada’. Os seus trabalhadores, empregadores e regulamentação não têm a fllexibilidade e a adaptabilidade dos seus homólogos nos EUA. As despesas com os pagamentos e serviços públicos da segurança social europeia são ‘insustentáveis’. As populações envelhecidas e ‘mimadas’ da Europa são subprodutivas e presumidas. Num mundo globalizado, o “modelo social europeu” é uma miragem condenada. Mesmo os observadores ‘liberais’ norte-americanos costumam chegar a essa conclusão, só se diferenciando dos críticos conservadores (e neoconservadores) por não terem prazer nisso”.
Este discurso já não é só “americano”, mas tem feito caminho na direita (e numa certa “esquerda”) europeia. Em Portugal, ouvimo-lo insistentemente repetido, por exemplo, nos artigos de opinião de Vasco Pulido Valente ou de Miguel Sousa Tavares. No plano partidário, informa o programa político de Pedro Passos Coelho. Procura-se ganhar a opinião pública para a ideia de que o fim do “modelo social europeu” é inevitável. Em causa estão, portanto, os gastos do Estado com a educação, a saúde e a protecção social na reforma e no desemprego.
Comecemos pelo “caso da educação”. Em Portugal, isso significa que é inevitável o desinvestimento na educação pública, que ficaria reduzida a um serviço educativo mínimo destinado aos sectores mais desfavorecidos da população. Para os outros, fica o ensino privado.
Enfim, o “modelo social europeu” aproximar-se-ia do modelo americano. Talvez valha a pena recordar aqui as suas consequências. Voltamos a citar Tony Judt: “No conjunto, os Estados Unidos despendem muito mais em educação do que os países da Europa Ocidental; e têm de longe as melhores universidades de investigação do mundo. Contudo, um estudo recente [relatório de 2003 do PISA] sugere que por cada dólar gasto na educação, os Estados Unidos obtêm piores resultados do que qualquer outro país industrializado. As crianças americanas apresentam regularmente resultados inferiores às europeias, em literacia e numeracia”.
É claro que Pedro Passos Coelho não defende explicitamente o sistema educativo que impera nos EUA. Afinal tem umas eleições para ganhar! Quem procurar no seu livro Mudar propostas concretas que dêem corpo às mudanças que propõe apenas encontrará, para além de “diagnósticos” e vários lugares comuns, a defesa da ideia de que a prestação dos serviços sociais relativos à educação não tem que ser monopólio do Estado, mas deve contar com a iniciativa privada. O que quer dizer PPC com isso?
Simplesmente que o Estado pode desinvestir no ensino público desde que o ensino privado (claro que devidamente “apoiado” por todos os contribuintes) colmate as suas carências. Juntar-se-ia o útil ao agradável, pois reduzia-se a despesa pública e garantia-se a “liberdade de escolha”. Ou seja, as chamadas “escolas de elite”, que disputam afincadamente um lugar um lugar cimeiro nos rankings, deixariam de seleccionar os seus alunos e abririam as portas aos estudantes mais pobres, aos filhos dos imigrantes com problemas de integração social, aos jovens problemáticos oriundos de famílias disfuncionais, às crianças com deficiências físicas e mentais… Ou não? Ou será que continuariam a fazer exactamente o mesmo que fazem hoje, com a simples diferença de passarem agora a ser financiadas por todos?
E as outras escolas, incluindo as públicas, que almejassem entrar para o clube selecto das “escolas de elite”, deveriam seguir-lhes o exemplo e rejeitar os alunos com problemas de aprendizagem para poderem subir nos rankings?
Que medidas propõe PPC para que, em nome de valores estimáveis como a autonomia, a concorrência e a liberdade de escolha, não se institua um ensino de 1ª e um outro de 2ª, uma situação onde a escolaridade básica deixe de ter como objectivo a inclusão social, para passar a ser algo que faz da descriminação um princípio? Sobre isso, nada se diz no Mudar.
Longe de mim defender que tudo vai bem no ensino público em Portugal. Mas importa perguntar: “mudar” para onde? Consulte-se o relatório de 2003 do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) publicado pela OCDE em 6-12-2004 e analisem-se os resultados do sistema educativo americano.
1 – O caso da Educação
Há um ensaio muito interessante de Tony Judt, “A boa sociedade: Europa vs. América”, publicado em 2006 na New York Review Of Books, traduzido em 2009 para português na sua obra O século XX Esquecido, Lugares e Memórias, da Edições 70.
Nele, Tony Judt sintetiza assim as críticas “americanas” ao chamado “modelo social europeu”: “A Europa encontra-se ‘estagnada’. Os seus trabalhadores, empregadores e regulamentação não têm a fllexibilidade e a adaptabilidade dos seus homólogos nos EUA. As despesas com os pagamentos e serviços públicos da segurança social europeia são ‘insustentáveis’. As populações envelhecidas e ‘mimadas’ da Europa são subprodutivas e presumidas. Num mundo globalizado, o “modelo social europeu” é uma miragem condenada. Mesmo os observadores ‘liberais’ norte-americanos costumam chegar a essa conclusão, só se diferenciando dos críticos conservadores (e neoconservadores) por não terem prazer nisso”.
Este discurso já não é só “americano”, mas tem feito caminho na direita (e numa certa “esquerda”) europeia. Em Portugal, ouvimo-lo insistentemente repetido, por exemplo, nos artigos de opinião de Vasco Pulido Valente ou de Miguel Sousa Tavares. No plano partidário, informa o programa político de Pedro Passos Coelho. Procura-se ganhar a opinião pública para a ideia de que o fim do “modelo social europeu” é inevitável. Em causa estão, portanto, os gastos do Estado com a educação, a saúde e a protecção social na reforma e no desemprego.
Comecemos pelo “caso da educação”. Em Portugal, isso significa que é inevitável o desinvestimento na educação pública, que ficaria reduzida a um serviço educativo mínimo destinado aos sectores mais desfavorecidos da população. Para os outros, fica o ensino privado.
Enfim, o “modelo social europeu” aproximar-se-ia do modelo americano. Talvez valha a pena recordar aqui as suas consequências. Voltamos a citar Tony Judt: “No conjunto, os Estados Unidos despendem muito mais em educação do que os países da Europa Ocidental; e têm de longe as melhores universidades de investigação do mundo. Contudo, um estudo recente [relatório de 2003 do PISA] sugere que por cada dólar gasto na educação, os Estados Unidos obtêm piores resultados do que qualquer outro país industrializado. As crianças americanas apresentam regularmente resultados inferiores às europeias, em literacia e numeracia”.
É claro que Pedro Passos Coelho não defende explicitamente o sistema educativo que impera nos EUA. Afinal tem umas eleições para ganhar! Quem procurar no seu livro Mudar propostas concretas que dêem corpo às mudanças que propõe apenas encontrará, para além de “diagnósticos” e vários lugares comuns, a defesa da ideia de que a prestação dos serviços sociais relativos à educação não tem que ser monopólio do Estado, mas deve contar com a iniciativa privada. O que quer dizer PPC com isso?
Simplesmente que o Estado pode desinvestir no ensino público desde que o ensino privado (claro que devidamente “apoiado” por todos os contribuintes) colmate as suas carências. Juntar-se-ia o útil ao agradável, pois reduzia-se a despesa pública e garantia-se a “liberdade de escolha”. Ou seja, as chamadas “escolas de elite”, que disputam afincadamente um lugar um lugar cimeiro nos rankings, deixariam de seleccionar os seus alunos e abririam as portas aos estudantes mais pobres, aos filhos dos imigrantes com problemas de integração social, aos jovens problemáticos oriundos de famílias disfuncionais, às crianças com deficiências físicas e mentais… Ou não? Ou será que continuariam a fazer exactamente o mesmo que fazem hoje, com a simples diferença de passarem agora a ser financiadas por todos?
E as outras escolas, incluindo as públicas, que almejassem entrar para o clube selecto das “escolas de elite”, deveriam seguir-lhes o exemplo e rejeitar os alunos com problemas de aprendizagem para poderem subir nos rankings?
Que medidas propõe PPC para que, em nome de valores estimáveis como a autonomia, a concorrência e a liberdade de escolha, não se institua um ensino de 1ª e um outro de 2ª, uma situação onde a escolaridade básica deixe de ter como objectivo a inclusão social, para passar a ser algo que faz da descriminação um princípio? Sobre isso, nada se diz no Mudar.
Longe de mim defender que tudo vai bem no ensino público em Portugal. Mas importa perguntar: “mudar” para onde? Consulte-se o relatório de 2003 do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) publicado pela OCDE em 6-12-2004 e analisem-se os resultados do sistema educativo americano.
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