A propósito dum artigo de Sarsfield Cabral
A direita liberal, a esquerda totalitária e a esquerda democrática
Num texto publicado no Público (19-10-09), Sarsfield Cabral denuncia aquilo a que chama a “retórica da esquerda unida”, considerando que, de facto, “o PS está mais próximo do PSD e do CDS do que do Bloco e do PCP”. E argumenta a favor da sua tese considerando que os partidos à esquerda do PS têm como referência comum a “ideologia marxista” e o facto de ambos “serem contra a economia de mercado”. Isto é, são partidos “anticapitalistas”, embora, “por motivos tácticos”, não gostem de explícitar esta sua posição. Pelo contrário, as divergências políticas entre o PS e o PSD e o CDS, não radicariam na defesa de diferentes modelos sociais, mas seriam apenas diferenças “de grau” que separam uma esquerda que quer “mais Estado na vida económica, social, educativa, etc., dos que preferem o predomínio da vida privada e do mercado”.
Facilmente dou comigo a pensar que tanto no PS como no BE e no PCP haverá quem concorde com a sua análise. E, ao mesmo tempo, haverá, pelo menos no PS e no BE, quem discorde dela. No PS, existirão muitos militantes que ainda não se esqueceram que essa sigla quer dizer “Partido Socialista” e que entre o Capitalismo e o Socialismo haverá mais do que uma diferença de grau. No BE, existirão outros tantos que não rejeitam liminarmente a economia de mercado.
Na verdade, há posições inconciliáveis entre quem defenda neoliberalismo (ainda que, “por motivos tácticos”, não o assuma claramente) e o capitalismo como o fim da História, e quem defenda que o socialismo pode ser construído no quadro de uma democracia liberal e duma economia mista fundada sobre o funcionamento do mercado. Só entre estes últimos se pode falar de diferenças “de grau”.
Colocam-se, no seu seio, questões como:
1) Como defender os direitos e liberdades dos cidadãos em face dos poderes económicos? Como defender a democracia representativa quando muitas das opções políticas adoptadas pelos Estados nacionais são sobredeterminadas por decisões de instâncias internacionais não eleitas? Como aliar a democracia representativa à democracia participativa?
2) Qual é a importância relativa do sector público e do sector privado na organização económica de uma sociedade? O que deve ser privado e o que deve ser público? Como apoiar o sector cooperativo? Como combater a precarização das relações laborais e defender a contratação colectiva? Como promover a participação dos trabalhadores na gestão das empresas? Como defender o Estado Previdência? Como enfrentar o dumping social no quadro da globalização capitalista? Como redistribuir a riqueza?
3) Que instrumentos de regulação do mercado devem ser adoptados? Como combater a especulação financeira, a corrupção e a evasão fiscal? Como desmontar os mecanismos que conduziram à actual crise económica?
Estas são algumas das questões em debate no seio da esquerda democrática. O PSD e o CDS não são para aqui chamados. Existem também sectores do PS que lhe são totalmente alheios, pois estão reduzidos à gestão do "capitalismo real". E haverá, por certo, sectores do BE e do PCP, que permanecendo agarrados a uma concepção do socialismo fundada sobre a ideia da ditadura do proletariado, da colectivização dos meios de produção e de um regime económico de planificação central, também não.
Ainda assim, a divisão do espectro político nas duas metades que Sarsfield Cabral define parece-me simplista. Existe, entre uma direita neoliberal e uma esquerda totalitária, uma esquerda democrática repartida por diferentes partidos e que, provavelmente, terá uma expressão eleitoral maioritária sem ter ainda encontrado uma expressão política correspondente. Concedo que, em matéria de governação, neste momento, o equilíbrio de forças no seio do PS o faça pender mais facilmente para o lado do PSD e do CDS do que para o lado do BE ou do PCP. Mas esta realidade não é estática: pode e deve evoluir. O Bloco, que está longe de ser uma realidade política cristalizada na defesa de dogmas inquestionáveis, pode ter um papel determinante na transformação da paisagem política portuguesa. Assim os seus dirigentes e militantes se disponham a aprender com a história e com a vida tudo aquilo que ela nos tem para ensinar.
Num texto publicado no Público (19-10-09), Sarsfield Cabral denuncia aquilo a que chama a “retórica da esquerda unida”, considerando que, de facto, “o PS está mais próximo do PSD e do CDS do que do Bloco e do PCP”. E argumenta a favor da sua tese considerando que os partidos à esquerda do PS têm como referência comum a “ideologia marxista” e o facto de ambos “serem contra a economia de mercado”. Isto é, são partidos “anticapitalistas”, embora, “por motivos tácticos”, não gostem de explícitar esta sua posição. Pelo contrário, as divergências políticas entre o PS e o PSD e o CDS, não radicariam na defesa de diferentes modelos sociais, mas seriam apenas diferenças “de grau” que separam uma esquerda que quer “mais Estado na vida económica, social, educativa, etc., dos que preferem o predomínio da vida privada e do mercado”.
Facilmente dou comigo a pensar que tanto no PS como no BE e no PCP haverá quem concorde com a sua análise. E, ao mesmo tempo, haverá, pelo menos no PS e no BE, quem discorde dela. No PS, existirão muitos militantes que ainda não se esqueceram que essa sigla quer dizer “Partido Socialista” e que entre o Capitalismo e o Socialismo haverá mais do que uma diferença de grau. No BE, existirão outros tantos que não rejeitam liminarmente a economia de mercado.
Na verdade, há posições inconciliáveis entre quem defenda neoliberalismo (ainda que, “por motivos tácticos”, não o assuma claramente) e o capitalismo como o fim da História, e quem defenda que o socialismo pode ser construído no quadro de uma democracia liberal e duma economia mista fundada sobre o funcionamento do mercado. Só entre estes últimos se pode falar de diferenças “de grau”.
Colocam-se, no seu seio, questões como:
1) Como defender os direitos e liberdades dos cidadãos em face dos poderes económicos? Como defender a democracia representativa quando muitas das opções políticas adoptadas pelos Estados nacionais são sobredeterminadas por decisões de instâncias internacionais não eleitas? Como aliar a democracia representativa à democracia participativa?
2) Qual é a importância relativa do sector público e do sector privado na organização económica de uma sociedade? O que deve ser privado e o que deve ser público? Como apoiar o sector cooperativo? Como combater a precarização das relações laborais e defender a contratação colectiva? Como promover a participação dos trabalhadores na gestão das empresas? Como defender o Estado Previdência? Como enfrentar o dumping social no quadro da globalização capitalista? Como redistribuir a riqueza?
3) Que instrumentos de regulação do mercado devem ser adoptados? Como combater a especulação financeira, a corrupção e a evasão fiscal? Como desmontar os mecanismos que conduziram à actual crise económica?
Estas são algumas das questões em debate no seio da esquerda democrática. O PSD e o CDS não são para aqui chamados. Existem também sectores do PS que lhe são totalmente alheios, pois estão reduzidos à gestão do "capitalismo real". E haverá, por certo, sectores do BE e do PCP, que permanecendo agarrados a uma concepção do socialismo fundada sobre a ideia da ditadura do proletariado, da colectivização dos meios de produção e de um regime económico de planificação central, também não.
Ainda assim, a divisão do espectro político nas duas metades que Sarsfield Cabral define parece-me simplista. Existe, entre uma direita neoliberal e uma esquerda totalitária, uma esquerda democrática repartida por diferentes partidos e que, provavelmente, terá uma expressão eleitoral maioritária sem ter ainda encontrado uma expressão política correspondente. Concedo que, em matéria de governação, neste momento, o equilíbrio de forças no seio do PS o faça pender mais facilmente para o lado do PSD e do CDS do que para o lado do BE ou do PCP. Mas esta realidade não é estática: pode e deve evoluir. O Bloco, que está longe de ser uma realidade política cristalizada na defesa de dogmas inquestionáveis, pode ter um papel determinante na transformação da paisagem política portuguesa. Assim os seus dirigentes e militantes se disponham a aprender com a história e com a vida tudo aquilo que ela nos tem para ensinar.
Não vou comentar,venho apenas dizer que aprecio e concordo com as suas análises e que gosto de o ler.
ResponderEliminarUm abraço.
Vital