terça-feira, 28 de dezembro de 2010

“I Know not what tomorrow will bring”

O ano de 2011 vai iniciar-se sob um céu carregado de ameaças. Arrisco algumas previsões:
1) Cavaco Silva é reeleito Presidente da República.
2) O novo PR invoca o falhanço do governo no combate ao défice público e dissolve a Assembleia da República.
3) O PSD vence as eleições legislativas. Passos Coelho é o novo 1º ministro.
4) Portugal recorre ao FMI e agravam-se as políticas de austeridade – a recessão económica continua e o desemprego não pára de crescer.
5) O governo responsabiliza “o peso de Estado Social” nas contas públicas pela situação existente e põe em marcha o programa de “mudança” (desmantelamento do Estado-providência) que tinha já anunciado.
6) O fosso entre ricos e pobres não cessa de se alargar e aumenta o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza.
É possível evitar o cumprimento destas previsões? É. Como? Comece-se pelo princípio: importa que Cavaco Silva não seja reeleito.
A vitória de Manuel Alegre nas Presidenciais não é a solução mágica para todos os problemas, mas pode ser um primeiro passo da luta que todos teremos que travar para que não se cumpram aquelas negras previsões.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As Presidenciais, o voto de Passos Coelho e o meu

Já todos sabemos que, nas próximas eleições, Passos Coelho apoia Cavaco Silva. Numa reunião recente com militantes do seu Partido teve a bondade de nos explicar porquê. Já viram, disse ele, o que seria um governo do PSD, com um ambicioso projecto de mudança para o país, estando Manuel Alegre na Presidência?
De facto, isso poderia comprometer a “mudança”. Ou seja, a revisão do Código de Trabalho para facilitar despedimentos sem justa causa, a descapitalização do Serviço Nacional de Saúde e a sua transformação num regime de assistência médica para os mais pobres, o desinvestimento no Ensino Público a favor do ensino privado.
De facto, Manuel Alegre já afirmou que, na Presidência, vetaria quaisquer leis que fossem nesse sentido.
Portanto, Passos Coelho tem razão em votar Cavaco. Pelas mesmas razões, eu não hesitarei em votar Alegre.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sugestões para o Natal

No Natal oferecem-se e recebem-se presentes. Oferecer um presente é um pouco como conversar. Quando conversamos, trocamos ideias, damos algo de nós, recebemos algo dos outros. É por isso que é mais interessante conversar com alguém que tenha experiências diferentes das nossas (alguém que tenha qualquer coisa para nos ensinar), mas não com uma pessoa que seja tão diferente, com interesses tão diversos, que só tenha para nos oferecer aquilo que não nos interessa e não queira receber nada do que lhe poderíamos dar.
Conclusão: oferecer um presente a um desconhecido é uma impossibilidade. Mas como o Natal impõe que se dê “qualquer coisa” a certas pessoas que que, afinal, mal conhecemos, há todo um comércio de futilidades (chamam-se “lembranças”) que prospera nesta quadra.
Entretanto, estamos em época de “apertar o cinto” e talvez seja esta uma boa altura de que cada um definir bem os seus critérios. Dar o quê e a quem?
Os jornais estão cheios de sugestões. Arrisco-me a seguir-lhes o exemplo, partindo do princípio de que um blog é um espaço de partilha de opiniões e gostos entre pessoas com alguns interesses comuns.
Assim, aqui vai a minha proposta de uma pequena (e relativamente barata) lista de compras:
Livros (ficção): John Le Carré, Um Traidor dos Nossos, Publicações Dom Quixote. Livros (ensaio): Tony Judt, Um Ensaio sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, Edições 70. Cinema (DVD): Roberto Rosselini, Alemanha, Ano Zero ou Luis Buñuel, O Anjo Exterminador. Música (CD): Andreas Scholl, O solitude, Songs and Arias by Henry Purcell, Decca. Artes Plásticas (catálogo da exposição): Às artes, cidadãos, Museu Nacional de Arte Contemporânea (Fundação de Serralves).
Qual é a coerência destas escolhas? Em primeiro lugar, quem tem tido a paciência de seguir este blog, não desconhecerá o meu apreço pelos autores citados. Obras de todos eles já foram objecto de textos aqui publicados. A relação entra arte e política é um tema que me é caro e que, também, já foi por cá abordado mais do que uma vez. E, na idade em que estou, para o bem ou para o mal, os meus interesses, gostos e preconceitos, tendem a estabilizar-se. Além disso, a formiga de esopo é um blog político e esse é o denominador comum desta selecção.
Enfim, isto será menos evidente para o último CD de Andreas Scholl. Mas, sabendo que os meus amigos “de direita” me consideram um esquerdista e os meus amigos “de esquerda”, um direitista, como podia eu resistir a sugerir um CD que inclui essa belíssima canção de Purcell que se chama O solitude, my sweetest choice? E ainda por cima se ela é cantada pelo melhor contratenor dos nossos tempos?
E já agora, para quem ainda não o conhece: recuem até aos posts publicados em Julho deste ano e vão encontrar aí À sombra de um plátano. Ficam a conhecer Andreas Scholl (Ombra mai fu) e aproveitam para recordar o calor desses dias, que nos parece quase inacreditável nos tempos frios que correm. Ao fim e ao cabo, uma sensação algo parecida com aquela que experimentamos quando lemos o livro de Tony Judt…

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem é esta gente que nos governa?

Depois da publicação das notícias do El País, elaboradas a partir de telegramas diplomáticos enviados pela Embaixada do EUA em Lisboa para o Departamento do Estado e que foram parar ao WikiLeaks, há algumas perguntas que qualquer português decente não pode deixar de fazer:
1) O que valem os direitos humanos para José Sócrates e Luís Amado?
2) O que vale a Assembleia da República?
Sobre a primeira questão, a resposta será: Muito pouco, uma vez que se dispuseram a autorizar a escala nos Açores de voos que transportavam seres humanos presos em Guantánamo, sem culpa formada nem autorização de nomear advogado de defesa, para centros de detenção clandestinos, em diferentes países do mundo, para aí serem submetidos a actos de tortura.
Sobre a segunda, a resposta não será muito diferente: A AR, diante da qual o governo deve prestar contas pelos seus actos, é um “sítio” onde, sem quaisquer problemas, esta gente está disposta a mentir, afirmando desconhecer aquilo que só se fez por sua expressa autorização.
Só há uma forma da vergonha que cobre estes procedimentos não ser extensível a todos os partidos aí representados – façam-nos o favor de despedir esta gente sem princípios e sem escrúpulos. Lembrem-se: governam porque ganharam as eleições, governam em nosso nome! Até quando?
(O pedido é extensível a todos os deputados do PS com vergonha na cara. Sigam o exemplo da Ana “Rotweiller” Gomes, para, mais tarde, possam afirmar com justiça: Dixi et salvavi animam meam.)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Contas em dia

Problemas de saúde – sem gravidade de maior, mas suficientemente aborrecidos – afastaram-me do computador durante uns dias e, agora, que regresso ao activo, confronto-me com muito trabalho de casa que ficou por fazer. Como nem todos perderam tempo, saúdo-os por isso e aproveito desde já para recomendar, por exemplo, as crónicas de Rui Tavares no Público (ruitavares.net) onde se podem ler excelentes artigos sobre o caso wikiLeaks ou post "Aniquilar por fases" de Filipe Tourais (paisdoburro.blogspot.com) sobre essa extraordinária medida que o governo se prepara para aprovar e que consiste em usar os nossos impostos para criar um fundo que substitua os patrões no pagamento das indemnizações devidas por despedimento.
Vou deter-me apenas na entrevista de Daniel Bessa ao Público do dia 9-12-10 e que poder ser facilmente encontrada pesquisando “Daniel, Bessa, o Estado social está a aniquilar a economia”. Nessa entrevista, o antigo ministro de Guterres, actual Director-Geral da COTEC e membro da comissão de hora da candidatura de Cavaco (um percurso extraordinário!) começa por afirmar que os problemas de financiamento do nosso défice público têm a sua origem no lento crescimento do PIB. Até aí estamos de acordo. Mas não o diz para criticar as medidas de austeridade que têm vindo a ser adoptadas e que têm um evidente efeito recessivo. Na sua opinião, se o PIB não cresce, então o défice público terá que descer “rapidamente” para zero. Como? Liquidando o Estado social e, em particular, o SNS.
Para este “consultor do capitalismo do desastre”, como nos diz João Rodrigues (ladrõesdebicicletas.blogspot.com), o Estado social só é útil para tapar os buracos abertos por bancos falidos. Para o SNS, para que é que hão-de contribuir aqueles que têm dinheiro para pagar seguros privados de saúde? Afinal, poupar-se-ia imenso se aplicássemos a receita de Pedro Passos Coelho de um SNS que se limitasse a assegurar serviços mínimos aos pobrezinhos. Quanto à classe média, se quer contar com cuidados de saúde que os pague como puder.
Daniel Bessa faz parte do clube de economistas que defendem as medidas de austeridade que provocarão mais recessão, o que obrigará a novas medidas de austeridade… Jorge Bateira (ladrõesdebicicletas.blogspot.com) denuncia mais uma vez a inanidade desta estratégia em “Daniel Bessa aponta o caminho”. Muitos outros economistas têm-no feito inúmeras vezes, melhor do que eu alguma vez o faria. Não vou repeti-los.
Recordo apenas algumas ideias básicas. A prosperidade da Europa ocidental no pós-guerra assentou num mercado regulado, em impostos fortemente progressivos e num sentimento de partilha e integração social que, em larga medida assentava na rede de solidariedade social que se exprimia na universalidade dos serviços disponibilizados pelo Estado-providência. O neoliberalismo ressuscitou o mito da auto-regulação dos mercados, abriu um fosso gigantesco entre ricos e pobres, atirou milhões de trabalhadores para o desemprego e na maior crise económica de sempre depois da crise dos anos 30. É claro que nem todos ficaram a perder e portanto, continua a ter adeptos. Na sua opinião, o Estado deveria limitar-se a proteger os capitais e as negociatas dos ricos e a manter a populaça na ordem. Para a geração do pós-guerra, o Estado-providência significou a vitória da democracia sobre os totalitarismos. Para aqueles que hoje consideram natural que sejam os “mercados” a ditar a política dos governos, a democracia o que é? Receio bem que não seja mais do que uma aborrecida formalidade. Afinal, como nos diz Daniel Bessa, “noutros tempos, [isto] resolvia-se com uns militares”.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Maio de 68 – trinta e dois anos depois

Realizou-se na Universidade do Minho um colóquio sobre, os acontecimentos de Maio de 68 em França, com a presença do Professor Carlos Silva e de Manuel Afonso, activista estudantil da Universidade de Coimbra. Há dois anos, realizou-se também aqui uma outra conferência sobre o mesmo tema, onde esteve presente Francisco Louçã. Compreendo que haja sectores da esquerda interessados em reviver esses tempos, tanto mais que o movimento estudantil parece atravessar, em Portugal, por uma fase de apatia e conformismo, precisamente numa altura em que tantas conquistas democráticas se encontram hoje ameaçadas nas Universidades portuguesas. No entanto, passados mais de trinta anos, terá chegado a altura ultrapassar a visão romântica das barricadas do Quartier Latin, para olhar de uma forma mais fria e distanciada sobre aqueles acontecimentos e tentar perceber o seu significado no contexto da história recente da Europa e do mundo.
Comecemos por nos situar. Antes de 68, ficaram os “trinta gloriosos”, as três décadas que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial – anos de crescimento económico e, ao mesmo tempo, de diminuição do fosso entre ricos e pobres. O mito do mercado auto-regulado desfez-se com a crise dos anos 30. O Estado passou a intervir na vida económica, praticou-se uma política de impostos altamente progressiva e o Estado-Providência impôs-se por toda a Europa ocidental. O ensino público, a saúde pública, a protecção da segurança social, na reforma e no desemprego, que os seus pais alcançaram, tornaram-se factos adquiridos para os jovens dos anos 60.
E, no entanto, dizia-se: “a França aborrece-se”. O Estado surge aos olhos das novas gerações como uma réplica da autoridade familiar: paternalista, conservadora, castradora da livre expressão individual, desse apelo romântico para um mundo novo, onde fosse “proibido proibir”. A revolta estudantil nasce, antes de mais, de um conflito de gerações. De facto, as diferenças de gosto e os hábitos comportamentais, a música, o vestuário, a linguagem, exprimiam já desde os inícios da década um conflito latente a que a crise de 68 acabou por dar expressão política.
É verdade que diferentes correntes políticas e ideológicas puderam ter então o seu protagonismo. Maoístas, trotskistas, guevaristas… Mas parece-me que foi dominante, em 68, uma vertente libertária. Aquilo que estava em jogo não era um projecto de emancipação colectiva, mas sobretudo projectos de emancipação individual. Por isso, o relevo assumido pela “revolução sexual”. Wilhelm Reich ressuscitou dos mortos para se tornar “leitura obrigatória”.
Entretanto, a velha esquerda encontrava-se neste ambiente como um peixe fora da água. O princípio da submissão dos interesses individuais aos interesses colectivos, que se traduzia na acção disciplinada das massas sob a orientação de porta-vozes autorizados era tido agora como “repressivo”. A nova esquerda afirmava-se na defesa das minorias e de causas identitárias – identidade sexual, racial, cultural, etc. Anteriormente, pensava-se que aquilo que era bom para a colectividade seria necessariamente bom para cada um. A partir de agora defende-se que ninguém tem o direito de escolher por nós a vida que preferimos viver. Aquilo que importa é a defesa intransigente da nossa “diferença”.
Qualquer semelhança entre estas ideias e as de uma nova direita neoliberal que despontava e acabaria por se afirmar hegemónica a partir dos meados dos anos 70 não é pura coincidência. Parece-me que muitos dos esquerdistas de então se transformaram em admiradores incondicionais de Isaiah Berlin, uns anos mais tarde, sem precisarem de ter traído, nesse percurso, as suas convicções mais profundas.
Que balanço podemos, então, fazer do Maio de 68? Haverá sempre incorrigíveis nostálgicos da velha receita leninista que afirmam que a revolução fracassou pela ausência de uma vanguarda revolucionária capaz de conduzir as massas à vitória. Permito-me discordar. Em primeiro lugar, se essa “vanguarda” não existiu foi porque nunca foi desejada. Em segundo lugar, a revolução não fracassou no âmbito onde se travaram, de facto, os grandes combates, no plano da cultura e das mentalidades. Os anos 60 não deixaram “pedra sobre pedra” dos valores éticos e comportamentais onde assentavam as sociedades do pós-guerra.
Hoje vivemos num mundo radicalmente diferente. O proletariado industrial é uma classe minoritária. Um sector terciário cada vez mais pulverizado tornou-se dominante. O individualismo campeia e a direita neoliberal ditas as suas regras como se leis da natureza se tratassem. As ameaças que pesam sobre o que resta do Estado-Providência não cessam de aumentar, invocando-se duvidosos critérios de rentabilidade económica. Entretanto, o fosso entre ricos e pobres, mesmo nos países economicamente mais desenvolvidos, não deixa de se alargar.
Nestas circunstâncias, será a esquerda capaz de reinventar novos projectos colectivos susceptíveis de inverter a situação? As questões que se nos colocam são afinal as de sempre: Como conjugar a liberdade com a igualdade, a democracia política com a justiça social? Será que as lições de Maio de 68 nos vão ajudar a encontrar uma resposta?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mansos como os bois?

Recordo-me de um texto do meu livro de leitura da instrução primária onde se fazia o elogio dos bois – esses animais tão fortes e, no entanto, tão mansos e obedientes. Entregavam-se aos duros trabalhos do campo (ainda não se usavam tractores…) e serviam os seus donos sem um protesto, sem um queixume.
Estávamos no tempo do Estado Novo e a metáfora não era inocente: tal como os bois, assim devia ser o povo português. Já passaram mais de 36 anos sobre o 25 de Abril, mas é ainda como os bois, sofredores e servis que muitos gostariam de nos ver.
E é assim que, apesar do desemprego e da pobreza crescente, dos cortes nos salários e do aumento dos impostos, das medidas de austeridade que deixam os responsáveis pela crise impunes, que pesam como chumbo sobre os mais desfavorecidos e condenam a economia nacional à recessão, ainda há quem pense que não existem razões para protestar, quem pense que estas opções políticas não podem ser alvo de um debate democrático, mas têm de ser aceites como uma fatalidade.
Há quem pense que a Greve Geral do dia 24 é uma idiotice. Pela minha parte, estarei do lado dos “idiotas” que não aceitam injustiças. Não estarei, de certeza, com aqueles que nos gostariam de ver como os bois do meu livro da instrução primária.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Para que serve a NATO?

Ocupado com outros afazeres, tenho tido pouco tempo para a televisão. Contudo, no domingo passado, não deixei de ver o programa de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. E, entre outras cosas, achei curiosa a comparação da manifestação anti-Nato que, em Lisboa, desceu a Av. da Liberdade, com as situações descritas no filme Adeus Lenine. Ao mediático Professor pareceu-lhe que os manifestantes julgavam viver ainda noutro mundo, anterior á queda do Muro de Berlim.
A mim, pareceu-me exactamente o contrário. A NATO foi criada no contexto da Guerra Fria e são aqueles que defendem a sua continuidade que parecem ignorar que esta já acabou e que o Pacto de Varsóvia já não existe.
É claro que continua a haver perigos que ameaçam a segurança e a paz no mundo. De facto, a cimeira de Lisboa enunciou o terrorismo, a pirataria e o tráfico de droga como questões que justificariam a continuidade da NATO.
Acontece que essa aliança militar foi pensada e desenhada para enfrentar o poder de uma super-potência e não para combater ameaças difusas que não têm necessariamente origem na orientação política de um dado Estado. Suponhamos que um grupo de fundamentalistas islâmicos de nacionalidades diversas faz explodir um avião. Os aviões da NATO retaliam bombardeando a capital de um dos seus países de origem? Em Los Angeles, um indivíduo, sentado em frente do seu computador, lança um ciber-ataque que atinge os sistemas defensivos dos EUA. Invade-se a Califórnia? Embarcações de piratas somalis assaltam um petroleiro. Fazem-se avançar os submarinos equipados com ogivas nucleares?
A partir de agora, vai ser a NATO quem vai garantir a segurança dos aeroportos e organizar o combate ao narcotráfico? A NATO vai substituir as polícias nacionais? E haverá alguma vantagem em substituir o “capacetes azuis” da ONU, quando se trata de levar a cabo missões de paz em países dilacerados por guerras e genocídios? É claro que as forças militares da ONU necessitam de meios que permitam que a sua acção seja mais eficaz. Mas, quando recordo exemplos como os do Congo ou na Bósnia, parece-me que enviar para lá as tropas da NATO equivale a encarregar pirómanos de apagar incêndios.
Resta a questão dos escudos anti-míssil que, agora, segundo parece, nos devem proteger do Irão. Ou seja, a NATO justifica-se porque nos protege de um possível ataque nuclear com origem num país que não está equipado com armas nucleares… E que, aliás, não pode sequer ser nomeado, para não prejudicar as boas relações que mantém com a Turquia, um parceiro fundamental da Aliança. Curiosamente, também não se pode falar de Israel que tem, de facto, armas nucleares e cuja política se encontra no epicentro da instabilidade que afecta todo o Médio Oriente.
Enfim, a minha questão inicial era: para que serve a NATO? Provavelmente, deveria ser substituída por outra: a quem serve a NATO?

sábado, 13 de novembro de 2010

A rã e o escorpião

(Agiotagem, s. f., 1. Especulação ilícita sobre fundos e mercadorias, com vista a obter lucros exorbitantes. 2. Especulação bolsista. 3. Empréstimo de dinheiro a juros sobremaneira elevados.)
Na semana passada os juros da dívida pública portuguesa ultrapassaram pela primeira vez , no mercado secundário, os 7%. Dizem-nos que os mercados estão a interpretar o investimento realizado na compra das Obrigações do Tesouro vendidas pelo governo como aplicação de um capital de risco. A possibilidade de insolvência justifica os juros que pagamos.
De facto, a drenagem de capitais que assim se realiza limita fortemente as possibilidades de investimento público e, portanto, a possibilidade de retoma de desenvolvimento económico. E, sem isso, dificilmente estaremos em condições de saldar as nossas dívidas.
Ou seja, a especulação financeira sobre a nossa dívida pública pode tornar-se numa das causas de insolvência do Estado português. E, em consequência, num forte rombo na saúde financeira daqueles que têm apostado na compra das nossas Obrigações para obter lucros exorbitantes. Aliás, a senhora Merkl já anunciou que, em situação de emergência, os credores dos Estados em risco de insolvência terão de arcar com parte dos prejuízos inerentes a situações de crédito mal parado...
Tudo isto me faz lembrar uma história de Esopo, a fábula da rã e do escorpião. Pode contar-se assim:
Era uma vez um escorpião que tinha de atravessar um rio, mas não podia fazê-lo porque não sabia nadar. Encontrou uma rã e pediu-lhe:
- Podes transportar-me para a outra margem? Preciso muito de lá chegar.
- Mas tu és um escorpião, como posso confiar em ti? Respondeu-lhe a rã.
- Podes confiar, nada te acontecerá e terás sempre a minha gratidão.
Então, a rã permitiu-lhe que subisse para as suas costas e lá foram nadando para a outra margem. Mas, a meio da viagem, o escorpião espetou-lhe o seu ferrão. Sentindo o efeito do veneno, a rã ainda teve forças para perguntar:
- Porque fizeste isso? Agora morreremos os dois.
- Não pude evitá-lo, respondeu o escorpião. Está na minha natureza…
Valerá a pena chamar os especuladores à razão? Valerá mesmo a pena fazê-lo aos bancos portugueses que se financiam no BCE, pagando um juro pouco superior a 1%, para comprar Obrigações emitidas pelo Estado português a quase 7%? Não vale a pena: a agiotagem está na sua natureza.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sim… Mas…

O PSD considera que O OE para 2011 é mau… Mas viabilizou-o na AR.
O PSD está contra a subida de impostos… Mas aceita que o IVA suba para os 23%.
O PSD considera que o equilíbrio das contas públicas se deve fazer através de cortes na despesa… Mas desde que isso não implique cortes no Orçamento das Câmaras Municipais que dirige.
O PSD lamenta que haja cada vez mais trabalhadores desempregados… Mas concorda que se dificulte o acesso ao subsídio de desemprego.
O PSD quer governar o país… Mas prefere fazê-lo mais tarde.
O PSD tem soluções para todos os nossos problemas… Mas, afinal, não são muito diferentes daquelas que o governo defende.
De facto, o governo de Sócrates é mau… Mas um de Passos Coelho não seria melhor. Soluções alternativas têm de ser procuradas noutro lado.