sábado, 17 de abril de 2010

A revisão da lei eleitoral ou a lei do eterno retorno

De vez em quando, as águas da nossa vida política agitam-se à volta de uma nova proposta de revisão da lei eleitoral. Agora chegou-nos pela voz de Passos Coelho. Já estamos habituados. Passado algum tempo de maior ou menor efervescência, fazem-se contas às perdas e ganhos, verifica-se que será difícil reunir os 2/3 de votos necessários, os espíritos aquietam-se e fica tudo na mesma. Até que, passados alguns anos, aparece alguém que volta a colocar a questão da governabilidade ou a da distância que separa eleitos de eleitores e de novo se afirma ser necessário rever a lei eleitoral.
Parece-me que a confiança que os eleitores depositam ou não nos seus representantes depende sobretudo da sua intervenção política. Ainda assim, não vou negar à partida a possibilidade duma substituição da actual lei eleitoral possa contribuir para um reforço da vida democrática. Analisemos, portanto, as duas hipóteses de alteração recentemente expostas pelo actual presidente do PSD.

Uma primeira proposta sugeria a possibilidade de um voto preferencial nas listas apresentadas ao eleitorado pelos partidos: os eleitores teriam a oportunidade de escolher entre os candidatos apresentados pelo partido em que votavam aqueles que gostariam mais de ver eleitos. Este sistema vigora já na Suécia e na Finlândia, ainda que de forma diferente. Na Suécia, os partidos sugerem uma ordenação, podendo os eleitores exprimir uma preferência que a altere; na Finlândia, os nomes são ordenados por ordem alfabética, competindo aos eleitores ordená-los como entenderem. Julgo tratar-se de uma hipótese interessante, pois oferece uma maior liberdade de escolha aos eleitores e pode contribuir para uma maior responsabilização individual dos candidatos.

Porém, pouco depois, já PPC admitia estar também aberto á possibilidade de criação de círculos uninominais. Ora, se a primeira proposta é inovadora e interessante, a segunda é velha e deplorável.

Para os seus defensores, com os círculos uninominais matavam-se dois coelhos com uma só cajadada: assegurava-se a governabilidade, pois quase só o PS e o PSD ficariam em condições de eleger deputados (a CDU elegeria alguns no Alentejo) e aproximavam-se os eleitores dos eleitos porque, em cada círculo eleitoral, aqueles não votariam simplesmente num partido, mas num candidato concreto facilmente identificável.

Evidentemente, a regra da proporcionalidade ficaria destroçada. Seria mesmo possível que o partido que obtivesse o maior número de votos a nível nacional elegesse um número de deputados inferior àqueles que foram eleitos pelo segundo partido mais votado. Mas, sobretudo, uma lei assim condenaria partidos como o CDS-PP e o BE a ficarem sem representação parlamentar, passando a ter a CDU uma representação residual. Ou seja, perto de 30% dos eleitores deixariam de estar representados na AR pelos partidos da sua preferência. Pode chamar-se a isto “aproximação dos eleitores aos eleitos”?

Sabemos pela experiência doutros países que este sistema eleitoral conduz ao bipartidarismo e que, uma vez marginalizado o eleitorado mais à esquerda ou à direita, os dois partidos dominantes tendem para a indiferenciação política, uma vez que ambos disputam o centro. Alternam-se no poder sem que nada de importante seja determinado por isso.

Finalmente, a questão da governabilidade. Nos últimos anos, tivemos, com o actual regime eleitoral, as duas maiorias absolutas de Cavaco Silva; duas maiorias relativas de António Guterres, que cumpriu o seu primeiro mandato e só não cumpriu o segundo porque decidiu demitir-se após uma derrota nas eleições autárquicas; a maioria absoluta PSD/CDS-PP de Durão Barroso e Santana Lopes; e a maioria absoluta de José Sócrates. Aqueles que consideram que não há estabilidade governativa sem maiorias absolutas (tese em si mesma muito discutível) não têm razão para se queixar da actual lei eleitoral.

De facto, as propostas de revisão da lei eleitoral têm estado subordinadas aos cálculos dos ganhos políticos imediatos pretendidos ora pelo PS, ora pelo PSD. Se se alterarem as regras do jogo e dadas as previsões eleitorais do momento, qual dos dois beneficiaria disso nas próximas eleições? Como, pelo menos no curto prazo, um deles ficaria a perder, não é fácil chegarem a consensos neste domínio. Metem-se os projectos na gaveta até uma próxima ocasião.

Com estas condicionantes, a revisão da lei eleitoral está condenada à lei do eterno retorno.

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