sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Utopia e Totalitarismo


O meu post de 15 de Novembro sobre Camus terminava com uma breve reflexão acerca do lugar da utopia no pensamento político da esquerda. Gostava de voltar a esse tema, uma vez que a ambição utópica é frequentemente considerada como estando na origem do totalitarismo pela direita liberal.

A crítica liberal da utopia fundamenta-se na crença da inevitabilidade da realidade social existente que, nos seus traços fundamentais, seria determinada pelas “leis naturais” que regeriam a actividade humana e a vida social. Os ideários utópicos conduziriam à uma imposição contra-natura de uma sociedade que só poderia afirmar-se pela imposição de um poder despótico.

De facto, o próprio ideário liberal teria sido considerado utópico se proclamado no século XVII, cem anos antes de Adam Smith ter publicado A Riqueza das Nações. Um romano do século III ou um homem do século XI só podiam considerar como uma quimera a possibilidade de poderem existir sociedades onde a escravatura ou a servidão não tivessem lugar. Deveremos espantar-nos se hoje não se considerar da mesma forma a possibilidade do fim do trabalho assalariado?

Cada tempo histórico parece ter alimentado as suas utopias e conheceu aqueles que as viram com cepticismo e desdém. O “fim da história” já foi admitido por muitos antes de Fukuyama.

Evidentemente, se levarmos à letra certas visões da utopia como um mundo acabado e perfeito, se entendermos a utopia não no sentido etimológico da palavra (aquilo que não existe em lugar algum), mas como um programa a cumprir, então poderemos encontrar nelas concepções totalitárias. Precisamente aquelas que deram origem a denúncias como as que encontramos em obras literárias como 1984, de George Orwell ou Fahreneit 451, de Ray Bradbury.

Contudo, se pelo contrário vemos a utopia como um sonho que se projecta no futuro, então aquelas obras podem ser lidas como uma denúncia de sociedades onde a utopia não tem lugar, pois o desejo e a imaginação foram delas proscritos. Sociedades que aboliram o futuro e, portanto, a ambição de um mundo melhor.

Pela minha parte, fico com Oscar Wilde, de quem me permito repetir uma citação já aqui referida há meses atrás: “Um mapa do mundo que não assinale a Utopia não é sequer digno de um olhar, por omitir a única região à qual a humanidade aporta sempre. E quando a humanidade a ela aporta, avista mais longe e apercebendo-se de uma região melhor, volta a fazer-se à vela. O progresso é a realização das utopias” (O Espírito Humano no Socialismo. Lisboa: Edições Dinossauro, 2005).

4 comentários:

  1. Gostei muito.Vou comprar o livro indicado.
    Veríssimo

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  3. Caro Veríssimo:

    Uma vez que se interessa pelo tema, permita-me que lhe fale doutro livro: Michèle Riot-Sarcey (org), Dicionário das Utopias. Lisboa: Texto & Grafia, 2009. Encontrei-o já depois de ter posto aqui o meu texto sobre Camus (estas coisas são como as cerejas...) e, embora ainda não o tenha lido todo, já vi o suficiente para o aconselhar sem reservas, pode ver nele mais de cem entradas sobre as muitas utopias religiosas, políticas e artísticas que, de há muitos séculos até hoje, têm alimentado os sonhos dos homens.

    Aproveito para lhe agradecer os elogios e a atenção com que tem seguido este blogue.

    Um abraço do
    António Cruz Mendes

    ResponderEliminar
  4. Obrigado pela dica.Só hoje respondo porque não tenho tido net.Gosto realmente daquilo que escreve. Um abraço.
    Veríssimo

    ResponderEliminar