A virtude dos ricos e os pecados dos pobres
Apresentada por Sarkozy como sendo a última oportunidade para salvar o euro, a Cimeira de Bruxelas saldou-se por uma reafirmação musculada das políticas austeritárias e recessivas que têm vindo a ser implementadas, por imposição do directório Merkozy nos últimos anos, com os resultados que se conhecem.
Actualmente, parece existir um consenso bastante alargado acerca da necessidade de permitir que o BCE compre no mercado primário títulos da dívida soberana dos Estados mais afectados pela subida dos juros. Contrariar-se-ia assim a actividade especulativa da banca que contrai dívida a juros muito baixos junto do BCE, investindo depois esses capitais na compra de títulos emitidos pelos Estados, obrigando-os a pagar juros muitíssimo superiores. Além disso, muitos políticos e economistas têm advogado a emissão de eurobonds, o que permitiria uma descida imediata de taxas de juro que promovem uma drenagem permanente de capitais a favor da especulação financeira, inviabilizando o investimento em actividade produtivas susceptíveis de relançar a economia e promover o emprego. No entanto, este consenso não inclui Angela Merkl e o seu valete Sarkozy e, portanto, a Cimeira europeia pôs de parte qualquer iniciativa que apontasse nessa direcção.
Em vez disso, institui dogmaticamente que o défice estrutural dos diferentes Estados não pode, independentemente do seu desenvolvimento económico e de flutuações conjunturais que estes, em última análise, não controlam, não pode ultrapassar os 0,5% do PIB. Só os países com uma dívida pública inferior a 60% do PIB poderão excepcionalmente ultrapassar essa fasquia. No entanto, caso o défice ultrapasse os 3%, serão aplicadas automaticamente sanções aos Estados infractores.
Ou seja, não se tomam medidas que permitam combater os problemas económicos e financeiros dos países em dificuldade, mas são punidos os comportamentos que deles decorrem. É o triunfo da moral calvinista: a pobreza é um pecado e, como tal, tem que ser castigada. Pouco importa se, por acaso, a relativa prosperidade de alguns foi construída sobre a pobreza dos outros.
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