domingo, 14 de abril de 2013




Uma leitura indispensável (2ª parte)

Como vimos na 1ª parte deste texto, a entrada de Portugal na zona euro teve como resultado uma perda de competitividade das indústrias nacionais, uma balança comercial muito deficitária e a acumulação de uma grande dívida externa. Em 2007, a estrutura produtiva nacional encontrava-se completamente distorcida e centrada na produção de bens não transaccionáveis. A grande maioria do emprego concentrou-se na construção civil, no comércio e nos serviços. Por outro lado, a baixa taxa de juros favoreceu o endividamento crescente de famílias e empresas. Com o eclodir da crise internacional de 2008, o acesso ao crédito tornou-se muito mais difícil, arrastando famílias, empresas e, por fim, o próprio Estado, para uma situação de insolvência.

Portugal viu-se obrigado a pedir um resgate financeiro ao FMI, à CE e ao BCE. O memorando assinado com a troika pretende reduzir simultaneamente o défice privado e o défice público. Ora, esses dois objectivos contradizem-se.

Uma vez que a nossa integração na moeda única não nos permite levar a cabo uma desvalorização cambial, a correcção do défice da balança comercial fez-se pela forte redução do consumo das famílias e da procura interna. Este processo de “empobrecimento” tem-se reflectido, de facto, na diminuição das importações. Mas, ao mesmo tempo, provocou a retracção dos investimentos, a recessão e o crescimento do desemprego e, portanto, a descida das receitas fiscais e o aumento das prestações sociais (nomeadamente, em matéria de subsídios de desemprego). Por outro lado, como se sabe, a tentativa de corrigir o défice público aumentando impostos e reduzindo a despesa com a segurança social apenas se tem traduzido num aumento progressivo de situações de pobreza e no aprofundamento da recessão. Ou seja, a correcção do défice privado pela via da austeridade acaba por se traduzir num agravamento do défice público.

Por sua vez, a troika e o governo reagem ao agravamento do défice público com novas medidas de austeridade e caímos assim num círculo vicioso que apenas pode resultar num processo de empobrecimento e de destruição progressiva do Estado social, acompanhada por um endividamento crescente e pela mais completa submissão dos interesses nacionais aos interesses dos nossos credores.

Segundo João Ferreira do Amaral (JFA), a alternativa inteligente à política da austeridade seria a de reduzir gradualmente os défices, visando metas razoáveis, alcançáveis sem comprometer o crescimento económico.

Para o efeito, tem havido quem defenda uma solução federalista, da qual JFA discorda, considerando que essa solução condenaria definitivamente Portugal à perda da sua identidade nacional e à sua transformação numa simples região economicamente subdesenvolvida e subsidiodependente. Além disso, não acredita na possibilidade dos países do Norte se encontrarem na disposição de sustentar indefinidamente as economias anémica dos países regiões periféricas do Sul da Europa. Seja como for, a possibilidade de Portugal, integrado numa Europa federal poder influenciar minimamente as decisões políticas adoptadas seria mínima.

Aliás, isso já acontece actualmente, em particular após a assinatura do Tratado de Lisboa, que autoriza a Comissão Europeia a tomar decisões que vinculam todos os Estados da UE, abdicando da regra da unanimidade e substituído-a pela das maiorias qualificadas.

Na prática, a partir de 2008, aquilo que se verificou foi a perda da autonomia da CE, presidida por Durão Barroso, e a sua completa dependência das decisões adoptadas pelo governo alemão. Esta situação agravar-se-ia no quadro de uma Europa federal.

Na opinião de JFA, aquilo que nos interessa não é o federalismo, mas uma solução confederal, onde os Estados representados poderiam adoptar políticas comuns sem perder a identidade e autonomia que lhes são próprias. Nomeadamente, poderiam relacionar-se directamente com países terceiros e outras associações internacionais da forma que melhor servisse os seus interesses.

Contra o seguidismo dominante, baseado no princípio absurdo de que não há divergências entre os interesses de Portugal e os dos países economicamente mais desenvolvidos do Norte da Europa, adoptar-se-ia uma estratégia de "distanciamento"  do tipo daquela que tem sido seguida pelo Reino Unido. No plano das relações comerciais, actualmente, a esmagadora maioria das exportações portuguesas têm como destino países da UE, sendo correcto valorizar, como aliás já se vai fazendo, as alternativas oferecidas pelos mercados das Américas, de Angola, da China e de outros países do Extremo-Oriente. No plano monetário, JFA defende um novo Sistema Monetário Europeu, ou seja, um SME que resultasse de uma revisão daquele que vigorava antes da criação do euro, onde cada país da UE emitiria moeda própria, comprometendo-se com uma banda de flutuação mais apertada do que a de 15% instituída em 1993, e criando-se uma instituição monetária que salvaguardasse a estabilidade do sistema.

Actualmente, a percentagem do PIB  português originado na indústria é de 15% e de 2% na agricultura. Esta situação compromete irremediavelmente o nosso futuro. Na opinião de JFA, a “prioridade das prioridades” deve ser a de promover um processo de re-industrialização. Ora, isso só será possível como resultante de um verdadeiro “choque competitivo”. Ou seja, ter-se-á que passar, necessariamente, por uma desvalorização cambial apenas possível com a emissão de uma moeda própria.

Assim, JFA, que sempre se opôs à adesão de Portugal ao euro e que soube prever as consequências nefastas dessa decisão num momento em que ela era quase unanimemente saudada como a via incontestável para o progresso, considera agora que a saída do euro (e não necessariamente da UE) é o único caminho que nos resta para salvarmos o país de décadas de empobrecimento e dependência externa.

Aliás, pensa mesmo que a recessão económica a que a política austeritária imposta pela troika e o consequente agravamento do défice acabará por nos conduzir inevitavelmente para fora da zona euro. Contudo, considera que seria desastroso sermos empurrados pela força das circunstâncias a sair precipitadamente da moeda única. Em vez disso, propõe-nos uma saída controlada e negociada entre as autoridades nacionais e as autoridades comunitárias.

Concretamente, defende que devem estar asseguradas cinco condições que enuncia  nas páginas 117-118 do livro citado. Destaco aqui a garantia de que os depósitos bancários manteriam o seu valor em euros; o aumento das dívidas das famílias e das empresas à banca que resultasse da desvalorização da nova moeda seria coberto pelo Estado português através de um empréstimo contraído junto do Banco de Portugal; o governo, ajudado pelo BCE, manteria a nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação ao euro, garantindo que a sua desvalorização se fizesse de forma progressiva; e seria contraído um novo empréstimo que nos permitisse honrar a dívida pública até que se começassem a sentir os efeitos positivos da saída do euro no reequilíbrio das contas externas.

Sendo que a alternativa seria o incumprimento e a bancarrota, JFA pensa que um acordo nestes termos seria aceitável pelas instituições europeias, uma vez que todas as partes sairiam a ganhar. Evidentemente, não ignora os riscos inerentes à solução proposta. Mas, como afirma, também uma cirurgia implica riscos, mas é, por vezes, indispensável no tratamento de certas doenças.

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