quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



MAIS UMA PARA O ANEDOTÁRIO NACIONAL?



Poupo-me narrar o que aconteceu. Já é sabido, gozado e glosado por todos, em todo o lado.

Escrevo estas linhas é para me destacar de todos os que agora, desmemoriados, classificam o ocorrido de um erro fortuito. Censório mas pontual, fruto de excesso de zelo. Não mais que um comportamento que irá direitinho para o anedotário nacional.

Discordo. Não é verdade que este tenha sido um acto isolado. Ao longo do tempo temos assistido ao questionar de professores e sindicalistas que pretendem intervir na sociedade. Não sou desmemoriado, não esqueço e não deixo esquecer:

06 de Outubro de 2004
Marcelo Rebelo de Sousa é afastado da TVI. Um ministro ataca verbalmente e agressivamente o comentador e exige que a Alta-autoridade actue. O patrão da Media Capital, principal accionista da TVI, chama-o para uma conversa. Marcelo demite-se e já nem faz o seu próximo comentário, onde em princípio responderia ao ataque do ministro.
27 de Outubro de 2004
Dois agentes da PSP de Viseu, um deles graduado, “aconselham” os responsáveis de uma livraria a retirarem da montra um livro com o título “As mulheres não gostam de foder” – um ensaio sexual em banda desenhada da autoria do espanhol Alvarez Rabo.
Os agentes da autoridade terão justificado o aviso ao livreiro com “várias” queixas recebidas na PSP[1]. “Explicaram-me que Viseu é uma cidade muito especial e que aquele livro não ficava bem na montra”, disse Alexandre Melo, colaborador da livraria.
29 de Outubro de 2004, 07h00
Dois inspectores da Polícia Judiciária de Leiria, acompanhados por um procurador adjunto do Ministério Público, bateram a porta de António Caldeira, autor do blogue “Do Portugal Profundo” que tinha divulgado pormenores do processo Casa Pia.
19 de Fevereiro de 2005
A procuradora-adjunta do Ministério Público de Torres Vedras ordena a retirada das imagens considerados “pornográficas”, de um computador Magalhães, em exposição num carro de Carnaval. A procuradora-adjunta enviou para a câmara municipal um fax onde se lia “muito urgente” a ordenar a remoção do conteúdo do computador que se encontrava exposto.


Infelizmente poderia alongar bastante esta lista, já de si preocupante.

Em Portugal a liberdade presume-se, é um adquirido, e a actuação das autoridades não pode ser tão discricionária, ao gosto dos agentes, sem mandatos, sem legitimidade democrática. O ressuscitar do espírito de polícia de costumes é um acto que, aqui e ali, vai encontrando lugar na sociedade portuguesa, e isso deve-nos preocupar. Os estados de espírito que permitem este tipo de coisas são reminiscências salazaristas ainda muito presentes.

A censura é sempre, agora como no passado, um acto de ignorância e estupidez.

O património cultural não é o campo de actuação da PSP, ou de qualquer outra autoridade policial.

A distinção entre arte/erotismo/pornografia não é um problema em democracia. Equivale à polémica das caricaturas do Aiatolá ou do Papa. O direito de liberdade de expressão é que prevalece. O critério que irá prevalecer sobre o que é de bom ou mau gosto, não será o meu nem o de qualquer outro, a própria comunidade tratará de preservar o que tem qualidade e votará ao esquecimento o que não tem.

Cabe-nos a todos mobilizar a sociedade para reforçar a cultura da tolerância e respeito face a estas derivas censórias, contra o adormecimento e o entorpecimento.

CABE-NOS A TODOS MARCAR POSIÇÃO, FAZER FINCA PÉ, REFORÇAR MUROS E GRITAR BEM ALTO: DAQUI NÃO PASSAM.

[1] – A PSP também mente. Repararam na “coincidência” de argumentario que a PSP apresenta para a sua intervenção? Esta tendência, assassina de liberdades, para actuar preventivamente é assustadora.

1 comentário:

  1. Está muito bem dito. Não me lembrava dos exemplos que deste, mas agora que os li, vou estar mais atenta.
    Muito bem, passarei a vir aqui mais vezes...

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