segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

12-2-09:
UMA SÁBADO EM CHEIO

Transcrevo da revista Sábado opiniões de Saldanha Sanches e de Silva Lopes sobre as propostas de Francisco Louçã apresentadas nos seus discursos à VI Convenção do BE, e teço breves comentários:

1) As empresas que têm lucros são proibidas de fazer despedimentos.
Saldanha Sanches:
“ o despedimento por pura ganância deve ser evitado, mas há despedimentos que têm de ser feitos para evitar uma falência”; “uma empresa pode estará a ter resultados, mas não os ter amanhã se entretanto não proceder a despedimentos”. Comentário: dou de barato que empresas vivendo numa situação periclitante precisem de se reestruturar para garantir a sua viabilidade futura
[1]. Mas seria importante que soubéssemos como identifica Saldanha Sanches o “despedimento por pura ganância” e quais são as medidas que acha que devem ser tomadas para que, uma vez realizados, não se tornem irreversíveis. Por acaso, os trabalhadores “preventivamente despedidos” da Corticeira Amorim já foram reintegrados? Ou foi tudo feito de acordo com a lei em vigor e, portanto, não se fala mais nisso?

2) Tudo o que é bem comum deve ser público: água, energia, comunicações, saúde, educação.
Saldanha Sanches:
“ Só quem não sabe o que é um gestor público pode defender isso: é um cruzamento entre uma osga e uma víbora, tem todos os defeitos do gestor capitalista sem nenhuma das qualidades. Ainda temos uma vasta camada de gente a sugar o que resta do nosso sector público”. Comentário: de facto, “o que resta” é já muito pouco e ninguém percebeu ainda as vantagens que advieram, por exemplo, da venda de quase todas as acções que o Estado possuía na GALP a Américo Amorim. Por outro lado, se tomarmos à letra os perigos do “cruzamento” de que fala Saldanha Sanches, teríamos que acabar com todos os hospitais e escolas públicas. Gostaria Saldanha Sanches de ver como Director da sua Faculdade de Direito o Reitor da Universidade Independente, o Hospital de S. João explorado pelos Mello, ou a CGD presidida pelo Dr. Dias Loureiro, pessoas que, suponho, terão todas as qualidades do gestor capitalista e nenhum dos defeitos do gestor público?

3) Deve haver um sistema bancário público.
Silva Lopes:
“já tivemos banca nacionalizada e não foi um sucesso. Nalgumas situações ajudou a controlar a economia, mas não creio que seja a solução”, embora reconheça que essa medida “como solução temporária, pode tornar os bancos mais activos na expansão do crédito, o que pode ajudar a economia”. Comentário: Só por má fé se pode interpretar a frase em epígrafe como uma defesa da nacionalização de toda a banca a operar em Portugal. Aliás, isso não sucedeu nem durante o PREC, pois sempre houve bancos privados estrangeiros com balcões abertos em Portugal. Na VI Convenção do Bloco, Louçã limitou-se a defender uma defesa de um forte sector público, funcionando como referência para toda a actividade bancária
[2]. Será necessário recordar ao Dr. Silva Lopes que a CGD ainda pertence ao Estado, ou será que o seu cepticismo a respeito das virtudes da Banca nacionalizada o levam a acompanhar Pedro Passos Coelho na defesa da sua privatização?

4) As empresas que recebem benefícios estatais não podem usar o dinheiro para pagar dividendos a accionistas.
Silva Lopes: “deve haver algum controle do Estado, mas deixar de pagar não me parece uma solução. Caso contrário, ninguém investia”. Comentário: precisamente, não se trata aqui de dividendos sobre investimentos privados, mas do uso a dar ao dinheiro dos contribuintes. Será que ele deve ser usado para voltar a encher os bolsos dos especuladores que “foram ao casino” e perderam?

5) Deve ser criado um imposto sobre as grandes fortunas.
Saldanha Sanches: “É preciso definir bem o que é uma grande fortuna” e afirma preferir um aumento do IRS no escalão mais elevado. Comentário: o “imposto sobre grandes fortunas” já existe em muitos países da Europa (Espanha, França, Alemanha…) e baseia-se na posse de bens patrimoniais cujo valor está, muitas vezes, completamente desajustado das declarações de IRS exibidas.

6) Salário mínimo de 600 euros em dois anos.
Silva Lopes:
“Ia criar uma crise 20 vezes pior que a actual em três tempos. Numa altura em que há tantos desempregados, pôr as pessoas a ganhar mais e a trabalhar menos? Isso nem parece do dr. Louçã”. Comentário: o último aumento do salário mínimo decidido pelo governo PS causou reacções semelhantes, ainda há pouco tempo. E a proposta de Louçã não é de aplicação imediata, mas cria um horizonte de expectativas para daqui a dois anos. E, por último: não foi o “dr. Louçã” quem, há uns anos atrás, desceu a duração da semana de trabalho em França para 35 h, pois não?

Conclusão: congelar salários, reduzir direitos e despedir trabalhadores sempre pareceu ser a via mais fácil para aumentar os lucros. Mas se isso pode parecer lógico para cada capitalista, a verdade é que, quando todos fazem o mesmo, a procura começa a descer, os stocks acumulam-se e surgem as crises de superprodução. As mais-valias não se realizam e as falências sucedem-se. Como está a acontecer.

Além deste inquérito, a Sábado tem mais três artigos dedicados ao Bloco (um número em cheio!): um do Pacheco Pereira, mais um de Gonçalo Bordalo Pinheiro e outro da Helena Matos. (E há, ainda, um cartoon!) Já sabíamos que o BE estava entre os ódios de estimação do PP e da HM, mas que esta revista esteja tão preocupada com o crescimento do Bloco, isso é novidade.

De facto, tanto espaço perdido com o BE, em provável prejuízo de outros artigos tão interessantes como “A verdadeira vida privada de Salazar”, “Toda a história de Tom Cruise”, ou “Donde vêm os cadáveres mutilados dos filmes”!

[1] Já depois de escrito este artigo, leio no JN de 17-2-09 que Francisco Van Zeller, o insuspeito Presidente da CIP, afirmou que “despedir com lucros é um bocadinho vergonhoso” e que há “outras soluções” que, em vez dessa, podem ser adoptadas.
[2]
Posteriormente, na Grande Entrevista conduzida pela Judite de Sousa, teve a oportunidade de desenvolver esta ideia, afirmando que uma CGD fortalecida (e não estrangulada pelos dos avales à banca privada – nomeadamente, como forma de financiamento indirecto do BPP – e pela transferência de 1 400 000 euros para tapar o buraco do BPN) e praticando juros não especulativos, obrigaria os outros bancos a reduzir as taxas de juro, favorecendo o financiamento das famílias e das empresas, sob pena de perderem os seus clientes.

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