A
crise, as raposas e os ouriços
Diz-nos um antigo poeta grego,
Arquíloco, que as raposas sabem muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa
muito importante. Podemos pensar a crise como raposas ou como ouriços. Na minha
opinião, os ouriços sabem responder à questão: podemos sair da crise
permanecendo no euro ou teremos de regressar ao escudo?
Excluindo deste debate a direita que
defende o cumprimento integral do memorando da troika (e mesmo ir mais além
daquilo que nos impõe), depara-mo-nos com duas posições:
1
1. “Rasgar”
o memorando.
2.
2. “Renegociar”
o memorando.
Entendo que a diferença reside
fundamentalmente no seguinte: “Rasgar” significa decidir unilateralmente pelo
seu não cumprimento. “Renegociar” quer dizer cumpri-lo, embora revendo, com o
acordo da troika, algumas das suas imposições.
Se optarmos por 1., então teremos que
admitir que as nossas exigências (nomeadamente, não pagamento da dívida que
consideramos ilegítima e fim da política de austeridade) não venham a obter o acordo
da troika. Nesse caso, será cortado o financiamento externo e teremos que
emitir moeda própria para fazer face às despesas inevitáveis do Estado
(nomeadamente, pagamento de salários e pensões). Ou seja, regressaremos ao
escudo.
Se optarmos por 2., então a satisfação
das nossas exigências (nomeadamente, mais tempo e menos juros) ficarão
dependentes da aprovação da troika. Permaneceremos no euro, mas obrigados a
cumprir as novas medidas de austeridade que nos forem impostas como
contrapartidas desse consentimento (como acontece com a Grécia).
Entre aqueles que defendem 1., alguns afirmam
que não é possível defender uma política de crescimento económico e de combate
ao desemprego sem desvalorização da moeda. Logo, a saída da crise implicará o
regresso ao escudo.
Os defensores de 2. consideram que os
custos sociais da saída do euro seriam incomportáveis e apostam numa alteração
da relação de forças no plano europeu (no fim do actual processo de germanização
da Europa), que permita avançar com medidas como a emissão de eurobonds, susceptíveis de provocar uma
redução significativa das despesas com o serviço da dívida.
Assim, as opções 1. e 2. remetem-nos
para a defesa de políticas mais soberanistas ou mais federalistas. No plano
partidário, o PCP opta claramente pelas primeiras e o PS pelas segundas. A política
do BE é mais ambígua, pois defende a denúncia do memorando da troika (“rasgar”), mas a permanência no
euro, e a emissão de eurobonds, mas a
recusa do federalismo. A cada um dos partidos da esquerda cabe-lhe demonstrar a
bondade e a exequibilidade das suas propostas.
Na actualidade, o debate político
dispersa-se por uma infinidade de temas, que podem ir da constitucionalidade do
Orçamento de Estado aprovado na AR ao número e à cilindrada dos carros ao
serviço do governo. Sobre tudo, há opiniões mais ou menos divergentes e mais ou
menos acertadas. No debate político, não faltam raposas. Mas era bom que esse
debate estivesse mais centrado na opinião dos ouriços.
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