Partidos
políticos, sistemas eleitorais e regime democrático
Com a queda do Muro de Berlim, foi
encerrado o capítulo das chamadas “democracias populares”. Nos nossos dias, a
ideia de democracia está necessariamente associada à realização de eleições
livres e competitivas e, portanto, ao pluripartidarismo.
Contudo, se há quem defenda que o
regime democrático tem um valor intrínseco (a legitimidade do exercício do
poder funda-se na sua representatividade), outros reconhecem-lhe um valor
essencialmente instrumental. A democracia justificar-se-ia em nome da defesa do
bem-estar das populações ou em nome da garantia de uma alternância pacífica de
diferentes partidos no governo.
No primeiro caso, deixa-se aberta uma
porta à possibilidade da “suspensão da democracia” como forma de, em
determinadas circunstâncias, viabilizar a tomada de decisões políticas que
beneficiariam toda a sociedade, embora, por ignorância, a maioria dos cidadãos
não estivesse disposta a sufragá-las. O poder arroga-se, então, uma
legitimidade fundada na clarividência de uma elite (política, militar,
tecnocrática…) que se considera imbuída de uma missão salvífica. Estas ideias
têm hoje, em Portugal, um número cada vez maior de adeptos. Convirá recordar
que todas as ditaduras começaram assim.
No segundo caso, pelo contrário,
considera-se que nenhuma elite está imunizada contra o erro e que, portanto,
aquilo que importa é garantir a possibilidade da sua correcção. Ou seja, a
substituição pacífica dos governos cujos programas se revelaram inviáveis ou
injustos. Os defensores desta tese usualmente defendem sistemas eleitorais
maioritários, mais favoráveis à constituição de governos apoiados no parlamento
por maiorias absolutas. Ou seja, governos estáveis, facilmente
responsabilizáveis pelos resultados práticos da sua governação e, em função
disso, reconduzidos ou demitidos nas suas funções. Nesta perspectiva, a questão
da representatividade do parlamento eleito passa para segundo plano.
Os sistemas eleitorais maioritários
tendem a gerar o bipartidarismo, como acontece na Inglaterra. Em Portugal,
também isto encontra defensores. Pode ser interpretado neste sentido a defesa
recorrente dos círculos uninominais ou a defesa de uma redução significativa do
número de deputados. Qualquer uma destas reformas visa em última instância,
embora isso não seja assumido pelos seus defensores, reduzir o espectro
partidário português ao PS e ao PSD, que se alternariam no poder sem
necessidade de estabelecer consensos e alianças com outros partidos políticos.
Curiosamente, em Portugal, esta última
posição tem aparecido muitas vezes amalgamada com a crítica populista dos
partidos, apoiando-se na ideia de que os deputados eleitos em círculos
uninominais dependeriam mais da confiança dos eleitores do que da confiança das
direcções partidárias (hipótese que a experiência britânica não comprova) ou,
pior, a de que a democracia representativa é um luxo caro no qual se poderia
poupar reduzindo o parlamento a pouco mais de cem deputados.
De facto, nas sociedades
contemporâneas, não existem regimes democráticos não partidários. Pelo contrário,
os partidos nasceram naturalmente com a afirmação dos regimes democráticos e a
crítica dos partidos esteve sempre associada a tentativas (por vezes
consumadas) de instauração de regimes autoritários.
A pluralidade das opções políticas própria
de uma sociedade aberta não pode manifestar-se plenamente no quadro de um regime fundado
sobre uma autoproclamada competência de “técnicos”, nem num sistema bipartidário
onde a disputa do centro político conduz à marginalidade política uma
percentagem significativa do eleitorado e se traduz na alternância no poder de
partidos cada vez mais iguais entre si.
Dir-me-ão que a tendência actual para
o aumento das abstenções prova que mesmo um sistema multipartidário como o
português, deixa sem representação política uma percentagem significativa de
eleitores. Na verdade, boa parte da abstenção revela apenas comodismo e ignorância,
mas haverá também sempre quem queira intervir politicamente fora dos partidos.
Na minha opinião, os partidos são indispensáveis, mas não devem monopolizar as
possibilidades de exercício do poder. O regime político português já permite a
apresentação de candidaturas independentes à Presidência da República, às Câmaras
e Assembleias Municipais, e às Juntas de Freguesia. Penso que essa
possibilidade deveria ser alargada à Assembleia da República.
Uma democracia representativa só pode
fortalecer-se, abrindo-se a uma maior intervenção política de cidadãos sem a
mediação obrigatória dos partidos. Mas isso não significa que estes possam ser
descartáveis. Os deputados com assento na Assembleia da República devem ser
eleitos a partir da apresentação de projectos políticos nacionais e não na base
da defesa de interesses regionais, locais ou sócio-profissionais mais restritos.
E os partidos políticos, como entidades colectivas organizadas à escala
nacional em torno de um programa político de governação, são as organizações naturalmente
vocacionadas para assumpção destes propósitos.
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