Correr com os aldrabões para defender a democracia
Conhecíamos já a estratégia deste
governo para enfrentar a crise – “temos de empobrecer” para corrigir o défice
das contas públicas. Agora conhecemos os resultados: empobrecemos de facto (e
de que maneira!), mas o défice aumentou.
É claro que com aquele “temos” Passos
Coelho não se referia ao Alexandre do Pingo Doce, ao Belmiro do Continente e ao
Amorim da Galp, nem aos administradores das grandes empresas, pagos a peso de
ouro, entre os quais se contam alguns dos seus mais fiéis apoiantes e
estrategas. O clarividente Catroga, por exemplo, que, como se sabe, tinha
soluções para tudo, mas que recusou integrar o governo porque não estava para
ganhar a ninharia de um ordenado de ministro.
Não, quem tinha de empobrecer eram os
miseráveis que vivem do RSI, os desempregados sem acesso ao subsídio de
desemprego, os jovens licenciados
à procura de trabalho, os mais de
600.000 portugueses que auferem o salário mínimo, os pequenos e médios
empresários atirados para a falência e, de uma maneira geral, uma classe média
esmagada por impostos cada vez mais pesados. Quanto às “gorduras do Estado”
ficamos a saber que não se tratava das rendas inqualificáveis garantidas às
PPP’s, mas sim dos gastos com a Educação, com a Saúde e com a Segurança Social.
Entretanto, falhou o objectivo que
tinha fixado, que teria de ser alcançado “custe o que custar, o de reduzir em
4,5% o défice do Estado em 2012. O país, de facto, empobreceu (a economia
entrou numa espiral recessiva, as falências sucedem-se a um ritmo assustador e
o desemprego bate recordes), mas a dívida pública aumentou.
Para a troika e para o governo, a sua
solução está em reforçar a dose de um remédio que, afinal tem mais
contra-indicações do que efeitos terapêuticos. A cereja em cima do bolo
consiste em transferir parte dos rendimentos do trabalho para o capital
agravando os descontos dos trabalhadores para a Segurança Social e diminuindo
os dos patrões.
Como já muitos têm dito, os efeitos
benéficos desta medida (combater o desemprego e estimular as exportações,
segundo a dupla Coelho-Gaspar) são nulos. Pelo contrário, os seus efeitos em
termos do agravamento das condições de vida dos trabalhadores e de contracção
do mercado interno são inegáveis.
Pronunciaram-se contra esta espantosa
medida os partidos da oposição (o BE, o PCP e o PS), os parceiros sociais (a
CGTP, a UGT, a CIP, a CCP e a CAP), o próprio CDS não acredita na sua eficácia
e parece que alguns ministros indicados pelo PSD também não. Economistas e
comentadores dos mais diversos quadrantes políticos ataram as mãos à cabeça e
tentaram explicá-la falando de dogmatismo ideológico ou, simplesmente, de
incompetência.
Em nome da vontade de uma maioria tão
claramente expressa, parece que só haveria uma coisa a fazer – deixar cair esta
“reforma”. Mas não. Se contrariarmos a vontade do senhor Coelho e do senhor
Gaspar podemos criar uma “crise política”.
Será, então, isto a democracia? A
vontade de dois fulanos que chegaram ao poder contando o conto do vigário aos
eleitores (não aumentaremos os impostos, não cortaremos nos subsídios de férias
e do Natal, mas sim nas “gorduras do Estado”, disseram eles durante a campanha
eleitoral), terá de se sobrepor ao bem senso e à vontade da esmagadora maioria
dos portugueses?
Se é assim, não admira que, segundo a
sondagem da Universidade Católica recentemente publicada, 87% dos portugueses
se sintam desiludidos com ela. Ou seja: correr com este governo já não é apenas
uma questão de defesa da economia nacional, passou a ser também uma obrigação
que temos que assumir em defesa do regime democrático.
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