sexta-feira, 21 de setembro de 2012



Correr com os aldrabões para defender a democracia



Conhecíamos já a estratégia deste governo para enfrentar a crise – “temos de empobrecer” para corrigir o défice das contas públicas. Agora conhecemos os resultados: empobrecemos de facto (e de que maneira!), mas o défice aumentou.

É claro que com aquele “temos” Passos Coelho não se referia ao Alexandre do Pingo Doce, ao Belmiro do Continente e ao Amorim da Galp, nem aos administradores das grandes empresas, pagos a peso de ouro, entre os quais se contam alguns dos seus mais fiéis apoiantes e estrategas. O clarividente Catroga, por exemplo, que, como se sabe, tinha soluções para tudo, mas que recusou integrar o governo porque não estava para ganhar a ninharia de um ordenado de ministro.

Não, quem tinha de empobrecer eram os miseráveis que vivem do RSI, os desempregados sem acesso ao subsídio de desemprego, os jovens licenciados
à procura de trabalho, os mais de 600.000 portugueses que auferem o salário mínimo, os pequenos e médios empresários atirados para a falência e, de uma maneira geral, uma classe média esmagada por impostos cada vez mais pesados. Quanto às “gorduras do Estado” ficamos a saber que não se tratava das rendas inqualificáveis garantidas às PPP’s, mas sim dos gastos com a Educação, com a Saúde e com a Segurança Social.

Entretanto, falhou o objectivo que tinha fixado, que teria de ser alcançado “custe o que custar, o de reduzir em 4,5% o défice do Estado em 2012. O país, de facto, empobreceu (a economia entrou numa espiral recessiva, as falências sucedem-se a um ritmo assustador e o desemprego bate recordes), mas a dívida pública aumentou.

Para a troika e para o governo, a sua solução está em reforçar a dose de um remédio que, afinal tem mais contra-indicações do que efeitos terapêuticos. A cereja em cima do bolo consiste em transferir parte dos rendimentos do trabalho para o capital agravando os descontos dos trabalhadores para a Segurança Social e diminuindo os dos patrões.

Como já muitos têm dito, os efeitos benéficos desta medida (combater o desemprego e estimular as exportações, segundo a dupla Coelho-Gaspar) são nulos. Pelo contrário, os seus efeitos em termos do agravamento das condições de vida dos trabalhadores e de contracção do mercado interno são inegáveis.

Pronunciaram-se contra esta espantosa medida os partidos da oposição (o BE, o PCP e o PS), os parceiros sociais (a CGTP, a UGT, a CIP, a CCP e a CAP), o próprio CDS não acredita na sua eficácia e parece que alguns ministros indicados pelo PSD também não. Economistas e comentadores dos mais diversos quadrantes políticos ataram as mãos à cabeça e tentaram explicá-la falando de dogmatismo ideológico ou, simplesmente, de incompetência.

Em nome da vontade de uma maioria tão claramente expressa, parece que só haveria uma coisa a fazer – deixar cair esta “reforma”. Mas não. Se contrariarmos a vontade do senhor Coelho e do senhor Gaspar podemos criar uma “crise política”.

Será, então, isto a democracia? A vontade de dois fulanos que chegaram ao poder contando o conto do vigário aos eleitores (não aumentaremos os impostos, não cortaremos nos subsídios de férias e do Natal, mas sim nas “gorduras do Estado”, disseram eles durante a campanha eleitoral), terá de se sobrepor ao bem senso e à vontade da esmagadora maioria dos portugueses?

Se é assim, não admira que, segundo a sondagem da Universidade Católica recentemente publicada, 87% dos portugueses se sintam desiludidos com ela. Ou seja: correr com este governo já não é apenas uma questão de defesa da economia nacional, passou a ser também uma obrigação que temos que assumir em defesa do regime democrático.

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