sábado, 15 de dezembro de 2012




A crise, as raposas e os ouriços

Diz-nos um antigo poeta grego, Arquíloco, que as raposas sabem muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante. Podemos pensar a crise como raposas ou como ouriços. Na minha opinião, os ouriços sabem responder à questão: podemos sair da crise permanecendo no euro ou teremos de regressar ao escudo?

Excluindo deste debate a direita que defende o cumprimento integral do memorando da troika (e mesmo ir mais além daquilo que nos impõe), depara-mo-nos com duas posições:

1        1. “Rasgar” o memorando.
2.               2. “Renegociar” o memorando.

Entendo que a diferença reside fundamentalmente no seguinte: “Rasgar” significa decidir unilateralmente pelo seu não cumprimento. “Renegociar” quer dizer cumpri-lo, embora revendo, com o acordo da troika, algumas das suas imposições.

Se optarmos por 1., então teremos que admitir que as nossas exigências (nomeadamente, não pagamento da dívida que consideramos ilegítima e fim da política de austeridade) não venham a obter o acordo da troika. Nesse caso, será cortado o financiamento externo e teremos que emitir moeda própria para fazer face às despesas inevitáveis do Estado (nomeadamente, pagamento de salários e pensões). Ou seja, regressaremos ao escudo.

Se optarmos por 2., então a satisfação das nossas exigências (nomeadamente, mais tempo e menos juros) ficarão dependentes da aprovação da troika. Permaneceremos no euro, mas obrigados a cumprir as novas medidas de austeridade que nos forem impostas como contrapartidas desse consentimento (como acontece com a Grécia).

Entre aqueles que defendem 1., alguns afirmam que não é possível defender uma política de crescimento económico e de combate ao desemprego sem desvalorização da moeda. Logo, a saída da crise implicará o regresso ao escudo.

Os defensores de 2. consideram que os custos sociais da saída do euro seriam incomportáveis e apostam numa alteração da relação de forças no plano europeu (no fim do actual processo de germanização da Europa), que permita avançar com medidas como a emissão de eurobonds, susceptíveis de provocar uma redução significativa das despesas com o serviço da dívida.

Assim, as opções 1. e 2. remetem-nos para a defesa de políticas mais soberanistas ou mais federalistas. No plano partidário, o PCP opta claramente pelas primeiras e o PS pelas segundas. A política do BE é mais ambígua, pois defende a denúncia do memorando da troika (“rasgar”), mas a permanência no euro, e a emissão de eurobonds, mas a recusa do federalismo. A cada um dos partidos da esquerda cabe-lhe demonstrar a bondade e a exequibilidade das suas propostas.

Na actualidade, o debate político dispersa-se por uma infinidade de temas, que podem ir da constitucionalidade do Orçamento de Estado aprovado na AR ao número e à cilindrada dos carros ao serviço do governo. Sobre tudo, há opiniões mais ou menos divergentes e mais ou menos acertadas. No debate político, não faltam raposas. Mas era bom que esse debate estivesse mais centrado na opinião dos ouriços.

sábado, 8 de dezembro de 2012



Perguntas e respostas

acerca da actual situação política

P1Quais são as propostas políticas para sair da crise defendidas pelos diferentes partidos de esquerda?
R1 – O PCP defende a denúncia do memorando, a saída do euro e da União Europeia. O BE defende a denúncia do memorando, mas a permanência na zona euro e na UE. O PS defende a renegociação do memorando, a permanência no euro e na EU.

P2 – Dadas essas divergências, é possível a formação de um governo que resulte de um acordo entre os diferentes partidos de esquerda?
R2 – Não. Enquanto todos se mantiverem irredutíveis na defesa daquelas posições, não é possível qualquer acordo de incidência governamental entre eles.

P3 – Então, por que é que os diferentes partidos da esquerda insistem em referir essa necessidade?
R3 – Para que cada um deles possa, junto do eleitorado, responsabilizar os outros para o facto desse acordo não se realizar.

P4 – Se uma coligação com o PS não é possível e se a CDU e o BE dificilmente alcançarão, em conjunto, muito mais do que 20% dos votos, por que é que ambos insistem em eleições antecipadas?
R4 – Porque sabem que o PS ganharia essas eleições e que, no governo, seria obrigado a aplicar as medidas de austeridade impostas pela troika. Com isso, o PCP e o BE contam chamar a si os votos dos socialistas descontentes com essa governação. Nomeadamente, o BE aspira tornar-se o SYRIZA português, mas, para isso, é preciso que o PS assuma o lugar do PASOK.

P5 – E o PS, deseja eleições antecipadas?
R5 – Não, precisamente porque não se quer ver no lugar que o PCP e o BE lhe reservaram. Para beneficiar do descontentamento popular e fortalecer-se como partido de oposição, o PS procura afirmar-se junto da opinião pública como crítico do governo, mas não quer precipitar a sua queda.

P6 – Então, o governo PSD-CDS vai cumprir toda a legislatura?
R6 – É pouco provável. No quadro da Constituição, só o PR e a AR podem provocar a queda do governo. Enquanto o governo dispuser de uma maioria parlamentar, Cavaco Silva não o fará, ainda que, pontualmente, possa distanciar-se da governação. Na AR, uma moção de censura só será aprovada com os votos do CDS. É possível que os sucessivos fracassos das previsões económicas avançadas pela dupla Passos-Gaspar, o aprofundar da crise económica e social e a crescente impopularidade do governo no seio do próprio eleitorado do centro-direita, se possa traduzir numa ruptura no seio da coligação. Em última análise, o futuro do governo está nas mãos de Paulo Portas.

P6 -  O que podemos esperar da continuidade do governo PSD-CDS?
P7 - Mais do mesmo. Uma pesada carga fiscal, mais falências, mais desemprego e mais pobreza. Além disso, prosseguirá o ataque às funções sociais do Estado, Educação, Saúde e Segurança Social. E, por fim, pedir-se-á um novo resgate que será concedido em troca de mais austeridade. A principal diferença entre Portugal e a Grécia está no facto dos gregos nos levarem alguns anos de avanço na aplicação desta receita.

P7 – E o que pensam os portugueses desta situação?
R7 – Uma sondagem realizada pela Pitagórica entre 9 e 16-11 diz-nos que a maioria dos portugueses está descontente com o governo PSD-CDS (votariam nos partidos do governo apenas 36,6% dos eleitores); que, no entanto, só 24,7% querem eleições antecipadas; que 65,3% consideram que o memorando da troika deve ser respeitado, embora 84,1% pense que deva ser renegociado; e que só 27,5% pensam que o memorando deva ser unilateralmente denunciado, número que se aproxima daquele que admitem a saída do euro (26,9%). Aparentemente, estes resultados denotam alguma convergência com as posições do PS (36,2% das intenções de voto, mais 8% do que nas anteriores eleições), mas a situação está a evoluir rapidamente (recorde-se que os partidos anti-troika, somados, só obtiveram cerca de 13% dos votos nas eleições de 2011), pelo que ninguém pode garantir que se mantenham num futuro próximo.