domingo, 22 de abril de 2012

NOS 39 ANOS DA FUNDAÇÃO DO PS

Num artigo publicado no Público (20-4-12), Francisco Assis socorre-se de Norberto Bobbio para distinguir, a partir da oposição esquerda/direita, as principais correntes políticas contemporâneas. Para Bobbio, tanto à esquerda como à direita se manifestam orientações autoritárias e democráticas, ou na linguagem de Assis, “extremistas” e “moderadas”.

Assim (e passo a citá-lo), “os extremistas tinham em comum o desprezo pelo valor da liberdade – uns, à direita, desvalorizam-na em função do culto da ordem e da tradição entendido numa perspectiva autoritária; outros, à esquerda ignoravam-na em nome de um igualitarismo radical. A estas duas posições opunham-se as respectivas versões moderadas, que se identificavam no apego ao respeito pela liberdade como alicerce estruturante das sociedades contemporâneas. Para Bobbio, o que distinguia a direita e a esquerda moderadas era a forma como se relacionavam com a noção de igualdade – para a direita esta restringia-se a uma dimensão meramente formal, para a esquerda expandia-se para um plano substancial”.

Começo por dizer que estou, no fundamental, de acordo com a classificação de Bobbio, embora tenha reservas acerca da utilização que Francisco Assis faz de termos um tanto ambíguos como “extremista” e “moderado” e pense que seria útil que, no resto do seu artigo, concretizasse o que entende por uma igualdade “substancial”.

Posto isto, e comemorando-se agora os 39 anos do PS, parece-me que seria útil fazer ao abrigo destas ideias um balanço global da acção do partido a que Francisco Assis pertence.

Do ponto de vista da defesa da liberdade, não tenho dúvidas em reconhecer na história do PS um balanço globalmente positivo. O Partido fundado por Mário Soares bateu-se contra o fascismo e contra a ameaça de uma deriva autoritária do regime criado pelo 25 de Abril, e saiu vitorioso desses combates.

Quanto à redução das desigualdades, devemos-lhe também alguns contributos positivos, como o da criação do SNS, em 1979, que garante o acesso aos serviços públicos de saúde de todos os cidadãos independentemente da sua capacidade contributiva, bem como a comparticipação pública das suas despesas com medicamentos.

No entanto, depois de ter estado sete vezes à frente do governo, com Mário Soares (por três vezes, num total de quatro anos e um mês), António Guterres (dois governos, num total de seis anos e seis meses) e José Sócrates (dois governos, num total de cinco anos e nove meses), o balanço que podemos fazer está longe de ser positivo: segundo um Relatório Sobre a Situação Social na União Europeia, Portugal era, em 2009, é o país da União Europeia onde a distribuição de rendimentos era mais desigual, sendo a parcela auferida pelos 20 por cento da população com rendimentos mais elevados sete vezes superior à auferida pelos 20 por cento da população com rendimentos mais baixos.

Além disso, o Relatório da União Europeia sublinha o peso da “lotaria social” (John Rawls) na distribuição de rendimentos no nosso país: em Portugal, quando se nasce no seio de uma família de classe social mais desfavorecida, dificilmente se sai dela. Uma criança, filha de um casal com empregos pouco qualificados e mal remunerados, tem 50% de probabilidades de vir a ser um adulto com essa mesma condição. O núcleo familiar no qual se insere o indivíduo condiciona fortemente quer a sua qualificação profissional quer a literária levando à manutenção da mesma classe social dos progenitores, na medida em que delimita a ascensão social.

Outros estudos, promovidos por investigadores do ISEG e do ISCTE, confirmam, no essencial, estas conclusões. Um estudo do Observatório das Desigualdades, referente ao mesmo período, mostra-nos um quadro comparativo da situação dos 27 países da EU, onde se verifica ser Portugal o país onde os mais ricos detêm uma maior percentagem do rendimento monetário por adulto: os 20% mais ricos detinham 42%, os 10% mais ricos, 28%, e os 5% mais ricos, 18%. Entretanto, cerca de 1/5 da população portuguesa vive com um rendimento mensal inferior a 360 euros por mês.

Muito provavelmente, nos últimos três anos, as medidas de austeridade promovidas pelo 2º governo de José Sócrates e pelo actual governo de Passos Coelho (muitas vezes, com a aceitação benevolente do PS, manietado pelo acordo com a Troika), congelando salários, reduzindo subvenções sociais, aumentando impostos fazendo crescer o desemprego, agravaram consideravelmente a situação descrita.

Sendo assim, e uma vez que aquilo que distingue a direita e a esquerda democráticas é a ênfase posta na questão da igualdade, então somos obrigados a concluir que a presença do PS em diferentes governos, ao longo destes últimos 36 anos terá contribuído minimamente para que esse objectivo fosse alcançado.

Dir-me-ão que o PSD esteve ainda mais anos no poder que o PS. É verdade. Mas, sem prejuízo de uma análise mais fina que nos informe acerca da evolução das desigualdades económicas e sociais, nos diferentes ciclos da governação, não podemos deixar de constatar que existem países na União Europeia onde a presença de partidos socialistas e social-democratas no governo teve um peso muito menor e que, no entanto, apresentam índices de desigualdade social melhores do que aqueles que se verificam em Portugal. Continua, pois, de pé a pergunta: Que balanço fazemos de dezasseis anos de governos liderados pelo PS?

Agora que comemoram os 39 anos da fundação do Partido, seria bom que os socialistas meditassem sobre esta realidade, se interrogassem acerca das suas responsabilidades e soubessem tirar daí algumas lições para o futuro.

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