sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quem quer ver aprovado este Orçamento de Estado?
Quando as delegações chefiadas por Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga se sentaram à mesa para negociar a possibilidade do PSD viabilizar o Orçamento de Estado proposto pelo governo estavam separadas por uma diferença de 1 milhão e trinta mil euros. Tratava-se de uma soma que o PSD pretendia retirar das receitas previstas pelo Orçamento do governo. Com o avanço das negociações, essa diferença foi reduzida para 230 milhões. E, nesse momento, a negociação foi abortada, ao que parece por iniciativa do governo.

Parece-me lícito perguntar se este tinha, de facto, a intenção de a levar até ao fim.

Do ponto de vista do PS, em princípio, seria conveniente arranjar um cúmplice com quem dividir as responsabilidades de um Orçamento que lançará o país para uma recessão económica e será causa de grandes sofrimentos sociais. Mas também podemos considerar outra hipótese: o PS poderá estar interessado em acusar o PSD de ser responsável por abrir uma crise política que agravaria a situação financeira em que nos encontramos e lançaria o país nas mãos do FMI. Realizar-se-iam eleições antecipadas e o PS transferia para o PSD a responsabilidade de governar o país sob a sua tutela. Regressaria ao poder mais tarde, aproveitando o inevitável desgaste de um governo liderado por um Passos Coelho, obrigado a tomar medidas que vão contradizer o seu actual discurso acerca do aumento dos impostos.

Do ponto de vista do PSD, não me parece interessante governar nestas condições. Haverá no seu seio quem pense que uma dieta de seis anos na oposição já é demais… No entanto, haverá outros que estarão na disposição de deixar o “trabalho sujo” para o PS e não se importem de esperar mais algum tempo. Mas, para isso, é fundamental que o Orçamento passe na AR.

Podemos, portanto, estar perante uma situação paradoxal: quem apresenta o Orçamento poderá estar interessado na sua reprovação, quem se lhe opõe gostaria de o ver viabilizado.

No cerne da questão, encontram-se contabilidades eleitorais que as sondagens vão ajudar a decidir. As mais recentes, da Marktest e da Universidade Católica, anunciam uma forte descida do PS e a vitória folgada do PSD. Alimentam, portanto, a impaciência daqueles que, no partido de Passos Coelho, apostam em regressar quanto antes ao poder e podem explicar o tom conciliatório do discurso de Sócrates em Bruxelas.

De uma uma coisa podemos estar certos: as divergências políticas entre os dois partidos do centro são de pouca monta (traduzem-se em 0,1% do PIB!) - ambos estão comprometidos com um programa de combate à crise que arrastará consigo a recessão económica, a asfixia financeira do Estado-providência, o aumento do desemprego e o crescimento da pobreza.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Nobel da Paz
e a “solidariedade entre os povos”

A atribuição do prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo mereceu do PCP uma nota de imprensa onde afirma que se tratou de “mais um golpe na credibilidade de um galardão que deveria contribuir para a afirmação dos valores da paz e da solidariedade entre os povos”.

Recorde-se que Liu Xiaobo cumpre uma pena de prisão de onze anos por ter assinado a Carta 08, um documento onde se defendem direitos humanos básicos e a transição gradual e pacífica da China para a democracia. Na perspectiva do governo chinês é, portanto, um criminoso, e a atribuição do Nobel da Paz a um criminoso só pode ser entendida como uma “provocação”.

Pelos vistos o PCP, concorda com esta versão dos acontecimentos: manifestar uma opinião contrária à do governo chinês é um crime e premiar o criminoso com o Nobel deve ser entendido como um ataque à “solidariedade entre os povos”.

Sou obrigado a discordar. A solidariedade que devemos ao povo chinês passa pela defesa do seu direito à liberdade de expressão, de organização e de manifestação, passa pelo seu direito à liberdade sindical e à greve. Passa pelo apoio aos ideais democráticos que Liu Xiaobo defende.

E já agora: a luta dos operários chineses por condições dignas de trabalho não é dissociável da luta dos operários portugueses que perdem os seus postos de trabalho pela impossibilidade de muitas empresas portuguesas competirem com as importações que nos chegam da China a preços que só a mais violenta exploração capitalista tornam possíveis. Também para os operários portugueses Liu Xiaobo é um aliado.

sábado, 9 de outubro de 2010

Exercícios de futurologia
O sentido de voto do PSD acerca do Orçamento e o futuro político de Pedro Passos Coelho

Prever o futuro é sempre um exercício muito arriscado. Contudo, perante a situação de crise política que parece despontar no horizonte, é irresistível (e mesmo necessário) fazer alguns exercícios de futurologia.

Há semanas atrás, tudo indicava que o Orçamento de Estado que vai ser apresentado pelo governo passaria com a abstenção do PSD e os votos contra dos restantes partidos da oposição. Porém as diferentes posições defendidas por José Sócrates (ou por Teixeira dos Santos) e por Passos Coelho tornaram-se irredutíveis e a possibilidade do Orçamento ser reprovado na AR, parece aos olhos de muitos comentadores, ser agora ser agora provável.

Aceitemos então como hipótese que, apesar dos avisos de Durão Barroso, de Cavaco Silva e de Manuela Ferreira Leite, o PSD vai rejeitar o Orçamento. Consequências imediatas: José Sócrates demite-se e teremos eleições legislativas em Maio de 2011.

Não é fácil prever como é que o eleitorado vai reagir. Voltará a dar a vitória ao PS, apesar do desgaste provocado pelas medidas impopulares assumidas pelo governo? Vai penalizar Passos Coelho por provocar uma crise política que se vai somar, agravando-a, á crise económica e financeira que já vivemos? Em qualquer dos casos, julgo que nenhum dos dois partidos (nem o PSD somado ao CDS-PP) alcançará maioria absoluta.

Há cerca de um ano, escrevi aqui que o provável vencedor de futuras eleições antecipadas seria o FMI e volto, agora, a repeti-lo. As medidas agora propostas por Teixeira dos Santos (inclusive a subida de impostos que Passos Coelho parece recusar liminarmente) serão adoptadas pelo próximo governo, seja ele qual for, por imposição do FMI. Apenas serão adiadas por mais um ano.

Admitamos que o PSD ganha as eleições. José Sócrates, derrotado, abandonará a direcção do PS. Passos Coelho aceitará governar sujeito a uma política de austeridade imposta pelo FMI que vai reproduzir (e, provavelmente, agravar) aquela que justificou a abertura desta crise política?

Rejeitar o Orçamento por causa da subida dos impostos, parece-me, do ponto de vista de Passos Coelho, uma estratégia suicida. Ou perde as eleições antecipadas para José Sócrates ou, ganhando-as, perde-as para o FMI. Em qualquer dos casos, os impostos vão aumentar. E face a isto, só resta a Passos Coelho retirar-se da cena política.

Há uma outra hipótese: Passos Coelho tem consciência disso e, portanto, toda esta crispação em torno dos impostos não passa de um bluff. Uma jogada que visa apenas conseguir do Governo algumas pequenas cedências que permitam ao PSD abster-se sem perder totalmente a face.

Façamos, pois, um exercício de futurologia: aposto que uma posição “realista” acabará por predominar sobre uma disposição aventureira e o PSD segue o conselho de Manuela Ferreira Leite. Ainda assim, não menosprezemos a hipótese do “bom senso” ser derrotado pela ânsia de chegar ao poder a curto prazo, seja a que preço for, que domina uma boa parte do PSD…

domingo, 3 de outubro de 2010


Divergências…

Richard Long, Braga Granito stones, 2004

Há pouco mais de um ano, estávamos em plena campanha eleitoral para as legislativas. Manuela Ferreira Leite alertava para a dimensão do défice das contas públicas, pronunciava-se contra o investimento público e defendia a redução das despesas do Estado. José Sócrates demarcava-se desta política, assumindo uma postura “de esquerda”. Defendia o investimento público e apresentava-se como o campeão do Estado social. Além disso, recordava-nos que o seu governo tinha descido o IVA para 20% e tinha subido os ordenados da função pública em 2,9%. Como se sabe, ganhou as eleições.

Um ano depois, congela o investimento público, corta nos benefícios sociais, sobe o IVA para 23% e corta 5% na despesa com os vencimentos dos funcionários públicos e do sector empresarial do Estado. Nem Manuela Ferreira Leite tinha proposto tanto.

Ainda não sabemos quando serão as próximas eleições, mas Pedro Passos Coelho já sonha com uma vitória eleitoral. Por agora, apresenta-se como opositor do aumento dos impostos. Mas, caso chegue ao poder, o que é que fará um ano depois? Também Durão Barroso, em plena campanha eleitoral, defendia uma descida de impostos, era o famoso “choque fiscal” para reanimar a economia. Logo que chegou ao governo, os impostos subiram. Manuela ferreira Leite era a Ministra das Finanças.

As divergência entre o PS e o PSD são muito nítidas em períodos pré-eleitorais. No governo, as práticas dos dois partidos têm sido muito semelhantes.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

PEC 1, PEC 2, PEC 3
um caminho segura para a recessão económica

Afinal o PEC 1 e o PEC 2 não resolveram o problema da nossa dívida externa. Pelo contrário, o Estado português tem emitido obrigações da dívida pública a juros cada vez mais elevados. A barreira dos 6% já foi largamente ultrapassada e ainda não se vê o fundo do túnel. Qual é a solução do Governo? Um PEC 3, agora sob a forma de um Orçamento de Estado. Ou seja, mais do mesmo mas em doses reforçadas: a redução da despesa pública vai incidir sobretudo em cortes na massa salarial da função pública e do sector empresarial do Estado e o aumento de receitas far-se-á principalmente através dum aumento do IVA para 23%.

Como os ordenados da função pública funcionam sempre como referência para a fixação dos ordenados de todos os assalariados e como a subida do IVA afecta indiscriminadamente todos os consumidores, antevê-se para os próximos tempos uma descida efectiva dos salários reais dos trabalhadores portugueses. A isto deve-se acrescentar, entre outras medidas, o congelamento de todas as pensões, tanto no sector público como no privado e a redução em 20% das despesas com o RSI.

Ninguém ignora que estas medidas resultarão numa redução significativa do poder de compra da grande maioria dos portugueses e que vão ter repercussões negativas sobre actividade comercial, bem como sobre a situação das empresas industriais que colocam os seus produtos no mercado interno. De facto, vão lançar-nos de novo numa grave situação recessiva. Os custos do PEC 3 traduzir-se-ão, portanto, num agravamento da condição económica dos sectores mais desfavorecidos da população e num aumento do desemprego.

Será que tudo é isto inevitável?

O Bloco tem defendido uma estratégia de combate à crise que passa pela defesa do poder de compra dos trabalhadores e pelo investimento público como forma de relançar do crescimento económico e combater o desemprego. Na sua opinião, o combate ao défice das contas públicas deveria fazer-se pelo combate ao despesismo do Estado e pelo aumento de impostos sobre o grande capital. Por isso opuseram-se ao PEC e, consequentemente, só podem votar contra a proposta de Orçamento que vai ser apresentada pelo PS. De resto, qualquer entendimento entre o BE e o PS não resultaria numa maioria parlamentar e o Orçamento seria reprovado no caso de todos os outros partidos votarem contra.

O PSD pretende que qualquer aumento de impostos é inaceitável e julga que o combate ao défice se pode fazer apenas pela diminuição da despesa. Por isso, não disse uma palavra contra a descida dos salários da função pública nem contra o congelamento das pensões.

O PS, pela voz de Teixeira dos Santos, já o desafiou a apresentar propostas concretas que permitam no curto prazo obter dessa forma os mesmos ganhos que resultam da subida do IVA.

Dentro de dezasseis dias a proposta de Orçamento elaborada pelo Governo chega à Assembleia da República. Entretanto, na televisão, os economistas de costume, preocupadíssimos com o défice e com as reacções dos mercados internacionais, vão criticar a subida de impostos, lamentar a ausência das sempre reclamadas "reformas estruturais" (leia-se: liberalização dos despedimentos e desmantelamento do estado-providência) e defender que os cortes salariais na função pública e nas prestações sociais deviam ter ocorrido mais cedo. Contudo, aqueles que sonhavam com uma intervenção do FMI já não precisam de se preocupar: a receita do Governo não é diferente daquela que ele preconizaria. Na rua, haverá quem tenha outras preocupações e outras ideias. Não se confunda a opinião pública com a opinião publicada.
Os deputados eleitos terão a última palavra.