quinta-feira, 25 de outubro de 2012



O dilema de Vítor Gaspar


Aumento dos impostos ou desmantelamento do Estado social?

Finalmente, Vítor Gaspar abriu o jogo: o Estado social tem custos. Se pretendem que o Estado mantenha as suas funções sociais, não se queixem do aumento de impostos; se não suportam o aumento dos impostos, abdiquem dessas funções sociais. De facto a alternativa com que nos quis confrontar não descreve inteiramente a política deste governo que, simultaneamente, fez subir extraordinariamente a carga fiscal, ao mesmo tempo em que se empenha na deterioração das obrigações sociais do Estado em termos garantia do acesso de todos à educação e cultura, à saúde e à segurança social.

Além disso, essas declarações omitem um facto essencial: uma grande fatia das despesas públicas não está realmente consagrada às despesas do Estado social, mas ao serviço da dívida pública, à satisfação da voracidade insaciável das PPP’s e ao financiamento de bancos mais interessados em usar os capitais públicos obtidos em actividades especulativas do que no financiamento das nossas empresas.

Finalmente, Vítor Gaspar parte do princípio que a recessão económica é um facto inelutável e sem fim à vista. E, se assim fosse, teríamos que admitir que tinha razão: o financiamento das funções sociais do Estado tornar-se-ia, mais cedo ou mais tarde, insustentável. Mas, com isso, vem dar razão àqueles que criticam as políticas troikistas do seu governo. Uma política alternativa, favorável ao crescimento económico, não pode passar nem por um enorme aumento de impostos, nem pelos cortes das funções sociais do Estado, mas pela denúncia do memorando e pela reestruturação da dívida.

domingo, 14 de outubro de 2012



Partidos políticos, sistemas eleitorais e regime democrático

Com a queda do Muro de Berlim, foi encerrado o capítulo das chamadas “democracias populares”. Nos nossos dias, a ideia de democracia está necessariamente associada à realização de eleições livres e competitivas e, portanto, ao pluripartidarismo.

Contudo, se há quem defenda que o regime democrático tem um valor intrínseco (a legitimidade do exercício do poder funda-se na sua representatividade), outros reconhecem-lhe um valor essencialmente instrumental. A democracia justificar-se-ia em nome da defesa do bem-estar das populações ou em nome da garantia de uma alternância pacífica de diferentes partidos no governo.

No primeiro caso, deixa-se aberta uma porta à possibilidade da “suspensão da democracia” como forma de, em determinadas circunstâncias, viabilizar a tomada de decisões políticas que beneficiariam toda a sociedade, embora, por ignorância, a maioria dos cidadãos não estivesse disposta a sufragá-las. O poder arroga-se, então, uma legitimidade fundada na clarividência de uma elite (política, militar, tecnocrática…) que se considera imbuída de uma missão salvífica. Estas ideias têm hoje, em Portugal, um número cada vez maior de adeptos. Convirá recordar que todas as ditaduras começaram assim.

No segundo caso, pelo contrário, considera-se que nenhuma elite está imunizada contra o erro e que, portanto, aquilo que importa é garantir a possibilidade da sua correcção. Ou seja, a substituição pacífica dos governos cujos programas se revelaram inviáveis ou injustos. Os defensores desta tese usualmente defendem sistemas eleitorais maioritários, mais favoráveis à constituição de governos apoiados no parlamento por maiorias absolutas. Ou seja, governos estáveis, facilmente responsabilizáveis pelos resultados práticos da sua governação e, em função disso, reconduzidos ou demitidos nas suas funções. Nesta perspectiva, a questão da representatividade do parlamento eleito passa para segundo plano.

Os sistemas eleitorais maioritários tendem a gerar o bipartidarismo, como acontece na Inglaterra. Em Portugal, também isto encontra defensores. Pode ser interpretado neste sentido a defesa recorrente dos círculos uninominais ou a defesa de uma redução significativa do número de deputados. Qualquer uma destas reformas visa em última instância, embora isso não seja assumido pelos seus defensores, reduzir o espectro partidário português ao PS e ao PSD, que se alternariam no poder sem necessidade de estabelecer consensos e alianças com outros partidos políticos.

Curiosamente, em Portugal, esta última posição tem aparecido muitas vezes amalgamada com a crítica populista dos partidos, apoiando-se na ideia de que os deputados eleitos em círculos uninominais dependeriam mais da confiança dos eleitores do que da confiança das direcções partidárias (hipótese que a experiência britânica não comprova) ou, pior, a de que a democracia representativa é um luxo caro no qual se poderia poupar reduzindo o parlamento a pouco mais de cem deputados.

De facto, nas sociedades contemporâneas, não existem regimes democráticos não partidários. Pelo contrário, os partidos nasceram naturalmente com a afirmação dos regimes democráticos e a crítica dos partidos esteve sempre associada a tentativas (por vezes consumadas) de instauração de regimes autoritários.

A pluralidade das opções políticas própria de uma sociedade aberta não pode manifestar-se plenamente no quadro de um regime fundado sobre uma autoproclamada competência de “técnicos”, nem num sistema bipartidário onde a disputa do centro político conduz à marginalidade política uma percentagem significativa do eleitorado e se traduz na alternância no poder de partidos cada vez mais iguais entre si.

Dir-me-ão que a tendência actual para o aumento das abstenções prova que mesmo um sistema multipartidário como o português, deixa sem representação política uma percentagem significativa de eleitores. Na verdade, boa parte da abstenção revela apenas comodismo e ignorância, mas haverá também sempre quem queira intervir politicamente fora dos partidos. Na minha opinião, os partidos são indispensáveis, mas não devem monopolizar as possibilidades de exercício do poder. O regime político português já permite a apresentação de candidaturas independentes à Presidência da República, às Câmaras e Assembleias Municipais, e às Juntas de Freguesia. Penso que essa possibilidade deveria ser alargada à Assembleia da República.

Uma democracia representativa só pode fortalecer-se, abrindo-se a uma maior intervenção política de cidadãos sem a mediação obrigatória dos partidos. Mas isso não significa que estes possam ser descartáveis. Os deputados com assento na Assembleia da República devem ser eleitos a partir da apresentação de projectos políticos nacionais e não na base da defesa de interesses regionais, locais ou sócio-profissionais mais restritos. E os partidos políticos, como entidades colectivas organizadas à escala nacional em torno de um programa político de governação, são as organizações naturalmente vocacionadas para assumpção destes propósitos.

Não há sistemas eleitorais perfeitos e, portanto, ninguém pode descartar a possibilidade de reformar aquele que vigora em Portugal desde 1976. No entanto, só me parecem defensáveis mudanças que contribuam para um reforço e não para um enfraquecimento da democracia representativa.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012




Engenharias eleitorais e representação política
 
A proposta de António José Seguro de reduzir o número de deputados na AR foi justamente acusada, inclusive por membros do seu próprio partido, de ser uma tentativa populista para cavalgar os sentimentos de parte da opinião pública contra “os políticos”, criando, ao mesmo tempo, as condições que permitissem ao PS governar sem a maçada de ter que procurar caminhos comuns com os partidos à sua esquerda.

De facto, uma redução de, digamos 50 deputados, permitiria que um partido que obtivesse pouco mais de 30% dos votos pudesse governar apoiado por uma maioria absoluta na AR. Ou seja, estaríamos condenados a uma alternância entre governos PSD e PS, ficando o CDS, a CDU e o BE, que, no conjunto representam 1/3 do eleitorado, reduzidos à insignificância. Em troca deste monopólio do poder, o PSD e o PS ofereciam à malta que está contra “os políticos” uma poupança em ordenados de deputados na ordem dos 0, 000…1% do OGE.

Posto isto, não devemos pensar que o actual sistema de representação eleitoral é intocável. Pode-se reforçar a representatividade eleitoral da AR substituindo os actuais círculos distritais por um círculo nacional (como acontece, por exemplo, em Israel) ou adoptando um sistema de recuperação dos votos perdidos (nos círculos mais pequenos – Bragança, Vila Real, Guarda, etc. – só os maiores partidos elegem deputados), reunindo-os num círculo nacional (como acontece, por exemplo, nos Açores).

Com uma reforma da lei eleitoral deste tipo, até seria possível diminuir o número de deputados sem afectar a representatividade da AR. Resta saber se aquilo que importa a António José Seguro é mesmo a diminuição do número de deputados ou se isso é apenas um expediente para eliminar, na secretaria, os partidos que se posicionam à sua esquerda e que, actualmente, representam perto de 20% do eleitorado.