sábado, 29 de setembro de 2012



Ou… ou…

O pagamento da dívida pública só é possível no quadro de um crescimento do PIB de 4% ao ano. As medidas de austeridade que têm sido adoptadas têm um efeito recessivo. Logo, nunca conduzirão a esse objectivo. Pelo contrário, num contexto recessivo a dívida vai crescer, obrigando a novas medidas de austeridade que vão acentuar a tendência recessiva.

Outras medidas, ainda que eticamente defensáveis (combate ao desperdício, luta contra a corrupção e a fuga ao fisco, taxação agravada das grandes fortunas, etc.), serão sempre insuficientes do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas.

O cancelamento do pagamento de uma parte substancial da dívida, disponibilizando os capitais necessários ao investimento público, é uma condição fundamental do relançamento económico. Essa medida ou se realiza no quadro de uma renegociação da dívida junto dos nossos credores ou terá que ser tomada unilateralmente.

Neste último caso, implicaria a cessação imediata do financiamento externo. Como o Estado não pode subsistir sem dinheiro, teria que fazer face às inevitáveis despesas com a função pública e com as prestações sociais, emitindo moeda. Ou seja, a saída do euro seria inevitável e a inflação dispararia. A curto prazo, as condições de vida da maioria dos portugueses agravar-se-ia extraordinariamente. Mas, segundo alguns economistas, a desvalorização da moeda criaria as condições necessárias para a diminuição das importações e o relançamento da indústria nacional.

A alternativa seria o cancelamento de parte da dívida com o acordo dos credores. Nesse caso, o regresso aos mercados financeiros estaria comprometido por muitos anos. Em termos de financiamento externo, ficaríamos completamente dependentes do FMI, do BCE e da CE. Mas, como vimos, isso não poderia implicar a prossecução das medidas de austeridade preconizadas pelo memorando assinado com a troika.

Teria que passar por uma revisão radical da política económica actualmente dominante na UE e, nomeadamente, por uma redução muito significativa dos juros dos empréstimos obrigacionistas. Por exemplo, através da emissão de eurobonds. Contudo, e improvável que os países nórdicos aceitem uma mutualização da dívida sem obterem o poder de fiscalizar as políticas orçamentais dos países do sul, mais endividados. A contrapartida dos eurobonds será uma perda de soberania. No limite, evoluiríamos no sentido da transformação da UE num Estado federal.

Este é o dilema com que, mais cedo ou mais tarde, nos vamos confrontar: ou a saída do euro, ou a integração numa Europa federal.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012



Correr com os aldrabões para defender a democracia



Conhecíamos já a estratégia deste governo para enfrentar a crise – “temos de empobrecer” para corrigir o défice das contas públicas. Agora conhecemos os resultados: empobrecemos de facto (e de que maneira!), mas o défice aumentou.

É claro que com aquele “temos” Passos Coelho não se referia ao Alexandre do Pingo Doce, ao Belmiro do Continente e ao Amorim da Galp, nem aos administradores das grandes empresas, pagos a peso de ouro, entre os quais se contam alguns dos seus mais fiéis apoiantes e estrategas. O clarividente Catroga, por exemplo, que, como se sabe, tinha soluções para tudo, mas que recusou integrar o governo porque não estava para ganhar a ninharia de um ordenado de ministro.

Não, quem tinha de empobrecer eram os miseráveis que vivem do RSI, os desempregados sem acesso ao subsídio de desemprego, os jovens licenciados
à procura de trabalho, os mais de 600.000 portugueses que auferem o salário mínimo, os pequenos e médios empresários atirados para a falência e, de uma maneira geral, uma classe média esmagada por impostos cada vez mais pesados. Quanto às “gorduras do Estado” ficamos a saber que não se tratava das rendas inqualificáveis garantidas às PPP’s, mas sim dos gastos com a Educação, com a Saúde e com a Segurança Social.

Entretanto, falhou o objectivo que tinha fixado, que teria de ser alcançado “custe o que custar, o de reduzir em 4,5% o défice do Estado em 2012. O país, de facto, empobreceu (a economia entrou numa espiral recessiva, as falências sucedem-se a um ritmo assustador e o desemprego bate recordes), mas a dívida pública aumentou.

Para a troika e para o governo, a sua solução está em reforçar a dose de um remédio que, afinal tem mais contra-indicações do que efeitos terapêuticos. A cereja em cima do bolo consiste em transferir parte dos rendimentos do trabalho para o capital agravando os descontos dos trabalhadores para a Segurança Social e diminuindo os dos patrões.

Como já muitos têm dito, os efeitos benéficos desta medida (combater o desemprego e estimular as exportações, segundo a dupla Coelho-Gaspar) são nulos. Pelo contrário, os seus efeitos em termos do agravamento das condições de vida dos trabalhadores e de contracção do mercado interno são inegáveis.

Pronunciaram-se contra esta espantosa medida os partidos da oposição (o BE, o PCP e o PS), os parceiros sociais (a CGTP, a UGT, a CIP, a CCP e a CAP), o próprio CDS não acredita na sua eficácia e parece que alguns ministros indicados pelo PSD também não. Economistas e comentadores dos mais diversos quadrantes políticos ataram as mãos à cabeça e tentaram explicá-la falando de dogmatismo ideológico ou, simplesmente, de incompetência.

Em nome da vontade de uma maioria tão claramente expressa, parece que só haveria uma coisa a fazer – deixar cair esta “reforma”. Mas não. Se contrariarmos a vontade do senhor Coelho e do senhor Gaspar podemos criar uma “crise política”.

Será, então, isto a democracia? A vontade de dois fulanos que chegaram ao poder contando o conto do vigário aos eleitores (não aumentaremos os impostos, não cortaremos nos subsídios de férias e do Natal, mas sim nas “gorduras do Estado”, disseram eles durante a campanha eleitoral), terá de se sobrepor ao bem senso e à vontade da esmagadora maioria dos portugueses?

Se é assim, não admira que, segundo a sondagem da Universidade Católica recentemente publicada, 87% dos portugueses se sintam desiludidos com ela. Ou seja: correr com este governo já não é apenas uma questão de defesa da economia nacional, passou a ser também uma obrigação que temos que assumir em defesa do regime democrático.

domingo, 16 de setembro de 2012



Contra este governo e contra a troika – e depois?


As manifestações do passado dia 15 foram das maiores jamais realizadas em muitas cidades do país. No conjunto, trouxeram à rua centenas de milhar de pessoas! Jovens e reformados, funcionários públicos e trabalhadores do privado, activistas políticos das mais diferentes origens e pessoas que, até ontem, nunca tinham participado em qualquer manifestação – todos unidos pela rejeição inequívoca das políticas de austeridade que nos tem sido imposta pela parelha Passos - Gaspar e pela troika.

E diga-se desde já que, para além de uma certa cacofonia, inevitável em grandes manifestações semi-espontâneas como aquelas que ontem se realizaram, eles têm razão. Até ontem, os portugueses suportaram mais ou menos resignadamente as medidas de austeridade que lhe foram apresentadas como inevitáveis. Mais de um ano depois fizeram-se as contas: o país entrou numa profunda recessão, as falências sucedem-se todos, o desemprego atinge recordes (e grande parte dos desempregados já perdeu o direito ao subsídio), os jovens mais qualificados tentam emigrar e os muitos reformados são atirados para a miséria.

E tudo isto para quê? O país está mais endividado e a meta para a redução do défice prevista para 2013 (3% do PIB) já passou para 2014 e ninguém pode garantir que nessa data seja atingida. O país entrou já numa espiral recessiva (aumento do défice – mediadas de austeridade – recessão económica – aumento do défice) da qual não se vê o fim.

Entretanto, se milhões são atingidos pela pobreza, se o desemprego alastra e trabalho se vende ao preço da chuva, alguns beneficiam com isso. Portugal é um dos três países da Europa onde é maior o fosso social entre os mais ricos e os mais pobres. Têm razão para estar satisfeitos os grandes capitalistas que investiram em actividades protegidas por rendas garantidas pelo Estado (as PPP’s, por exemplo) ou por situações de monopólio (EDP, REN, GALP, etc.). O governo (este, tal como o anterior) tem agido como serventuário desses interesses (sabe-se, aliás, da facilidade com que se passa da condição de ministro para a de administrador dessas grandes empresas) e dos interesses do capital financeiro.

As grandes manifestações do dia 15 mostraram claramente que esta situação é insustentável. Resta, agora, o mais importante, que saibamos passar do protesto à construção de uma alternativa, que terá que passar necessariamente pelo entendimento de todas as forças de esquerda. Porque não nos podemos iludir: a substituição do governo PSD-CDS por um governo minoritário do PS, governando apoiado pela direita na AR e sob a vigilância da troika, seria, no essencial, a repetição do que já conhecemos.

Saibam todos os partidos da esquerda estar à altura das exigências de mudança das centenas de milhar de pessoas que ontem, por todo o país, saíram à rua.